14 Novembro 2024
A geoeconomia da globalização, com sua interdependência complexa e sensibilidade a crises e conflitos, efetivamente, cria barreiras para a expansão geopolítica das grandes potências econômicas. As empresas transnacionais, ao serem influenciadas pelas oscilações geopolíticas e tensões globais, enfrentam dificuldades em manter a valorização das suas ações e, consequentemente, sua capacidade de financiar novos investimentos.
O artigo é de Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP), pulicado por A Terra é Redonda, 11-11-2024.
A geoeconomia da globalização, com sua interdependência complexa e sensibilidade a crises e conflitos, efetivamente, cria barreiras para a expansão geopolítica das grandes potências econômicas.
A geoeconomia da globalização, de fato, limita a expansão geopolítica de grandes potências econômicas, principalmente por afetar o desempenho e a valorização das ações de empresas transnacionais e, por consequência, seu poder de capitalização. A interdependência econômica criada pela globalização coloca as empresas e, por extensão, as economias nacionais, em uma posição vulnerável às oscilações do mercado, tensões geopolíticas e instabilidades econômicas globais.
Isso interfere diretamente no capital necessário para financiar novos investimentos e promover um crescimento sustentado. No caso atual da ascensão ao governo norte-americano da extrema-direita nativista e populista, é interessante analisar a contraposição das forças de mercado, no caso, representadas por cotações das ações de big techs transnacionais em bolsa de valores relevante.
A promessa de campanha de Donald Trump de elevar muito as tarifas sobre produtos importados da China, e o avanço da inflação nos EUA, projetado por economistas, são problemas na expansão global das big techs. Seis das “sete magníficas” – Alphabet (controladora do Google) com valor de mercado US$ 2,2 trilhões, Amazon (US$ 2,2 trilhões), Apple (US$ 3,4 trilhões), Meta (US$ 1,4 trilhão), Microsoft (3,1 trilhões), Nvidia (US$ 3,6 trilhões) e Tesla (US$ 926 bilhões) – investiram em doações para a democrata Kamala Harris, exceto a Tesla, do bilionário Elon Musk, maior apoiador de Donald Trump, inclusive com uso e abuso de seu X.
Em janeiro de 2021, após a invasão ao Congresso americano, Donald Trump foi banido das redes sociais Facebook e Instagram, controladas pela Meta. Por isso, essa rede social foi chamada de “inimigo do povo” no início da campanha de Donald Trump. Também foi banido do antigo Twitter, mas depois tornou-se X sob a gestão de Elon Musk em apoio à ultradireita. Ele defende seu interesse de haver um relaxamento regulatório em questões anticoncorrenciais, de privacidade e monitoramento de conteúdos.
As big techs esperam logo a revogação de um decreto de regulamentação da Inteligência Artificial nos EUA, assinado por Joe Biden, em novembro de 2023. Outra medida prática de Donald Trump deve ocorrer no comando de agências reguladoras, mais rígidas com as big techs na gestão Joe Biden, acusando-as de monopólios em comércio eletrônico, celulares, buscas na internet etc. em processos antitruste e de privacidade.
O relacionamento com investidores bilionários do Vale do Silício também favorece o cenário de relaxamento de leis antitruste. O bilionário eleito conhece o segmento de capital de risco e critica a postura regulatória mais dura por reduzir os movimentos de aquisições de startups por big techs.
Um enfraquecimento de leis nacionais e de órgãos reguladores nos EUA levaria as decisões em torno das big techs, inclusive os processos antitruste e de privacidade, aos estados americanos. O vácuo regulatório seria ocupado pelas unidades federativas e criaria “paraísos regulatórios” ocupados por empresas de tecnologia.
O estado da Virginia, por exemplo, já ofereceu benefícios fiscais para a expansão de centros de dados, as bases para o avanço da Inteligência Artificial. Outro é o Arizona, onde gigantes de semicondutores como a americana Intel, a sul-coreana Samsung e a taiwanesa TSMC receberam bilhões de dólares em incentivos da gestão de Joe Biden para instalar fábricas de semicondutores, reduzindo a dependência de componentes da China.
Donald Trump não deve alterar a injeção de recursos na indústria local de semicondutores, mas deve redirecioná-la às empresas norte-americanas como a Intel.
No entanto, é necessário analisar alguns dos principais fatores dessa relação de confronto entre a pretensão geopolítica ultranacionalista do novo governo norte-americano e a reação geoeconômica globalista de empresas transnacionais. Algumas têm valores de mercado somente abaixo dos quatro maiores PIBs: EUA (US$ 27,361 trilhões), China (US$ 17,795 trilhões), Alemanha (US$ 4,456 trilhões), Japão (US$ 4,213 trilhões). A soma dos valores de mercado das ações das “sete magníficas” dá US$ 16,8 trilhões, valor quase equivalente ao PIB anual da China!
A globalização econômica, com suas redes complexas de cadeias de suprimentos e interdependência de mercados, significa as ações de empresas transnacionais serem altamente sensíveis a crises regionais, políticas e econômicas. As tensões comerciais, sanções e restrições geopolíticas entre grandes potências (como EUA e China) costumam resultar em queda dos preços das ações dessas empresas.
Essa desvalorização reduz o valor de mercado das empresas com operações internacionais. Ao diminuir seu poder de capitalização, afeta a capacidade de realizar novos investimentos em inovação e infraestrutura para crescimento.
As incertezas geopolíticas, como sanções, guerras comerciais, nacionalizações e mudanças abruptas nas políticas econômicas, criam um ambiente desfavorável para investimentos de longo prazo. A confiança dos investidores é essencial para a valorização das ações e para a estabilidade dos fluxos de capital.
Quando os investidores percebem riscos geopolíticos elevados, eles tendem a vender as ações das empresas expostas a esses riscos. Essa fuga de capital limita as oportunidades de financiamento para as empresas mais afetadas.
Empresas transnacionais dependem de um ciclo econômico global estável e de um crescimento sustentado para maximizar seus lucros e expandir suas operações. No entanto, a geoeconomia globalizada impõe uma dependência complexa das condições macroeconômicas internacionais com ciclos de incerteza e fragilidade. Em tempos de crise global, como a GCF de 2008 ou a crise pandêmica de 2020, houve forte impacto nas ações de empresas transnacionais, refletindo diretamente na capacidade de investimento de longo prazo e afetando suas operações em nível global.
A geoeconomia global, ao estabelecer uma rede de fluxos financeiros e de investimentos internacionais, gera interdependência econômica entre países. Cria um cenário no qual grandes potências econômicas, como EUA, China e União Europeia, precisam equilibrar seus interesses econômicos globais com suas ambições geopolíticas.
Medidas de expansão ou proteção, como imposição de sanções ou tarifas, enfraquecem os próprios ativos das empresas nacionais em mercados globais. Se reduzem o valor de mercado dessas empresas, tornam-se uma barreira para o financiamento de políticas de expansão ou influência geopolítica no longo prazo.
A globalização pressiona as empresas a buscar rentabilidade e maximizar o valor para os acionistas em um curto prazo. Essa postura conflita com estratégias de investimentos de longo prazo e de desenvolvimento sustentável.
Muitas empresas transnacionais, especialmente aquelas com operações em setores intensivos em capital, energia e manufatura, enfrentam a dificuldade de equilibrar a rentabilidade com a necessidade de adaptação às novas exigências regulatórias ambientais e sociais. Essa pressão, imposta pela necessidade de responder a mercados globais, retira o apoio delas às políticas geopolíticas.
A expansão de novos atores econômicos e o ressurgimento de estratégias de autossuficiência regional (como a iniciativa “Made in China 2025” ou a política industrial da União Europeia) criam uma fragmentação da globalização econômica. Esse processo impõe novas barreiras para empresas transnacionais necessitadas de enfrentar diferentes regulamentações e políticas de proteção regional. A fragmentação também reforça a rivalidade geopolítica e assim cria incertezas para o investimento e para a valorização de ativos transnacionais.
A geoeconomia da globalização, com sua interdependência complexa e sensibilidade a crises e conflitos, efetivamente, cria barreiras para a expansão geopolítica das grandes potências econômicas. As empresas transnacionais, ao serem influenciadas pelas oscilações geopolíticas e tensões globais, enfrentam dificuldades em manter a valorização das suas ações e, consequentemente, sua capacidade de financiar novos investimentos.
Para superar essas limitações, é necessário reavaliar as estratégias de investimento de longo prazo diante as políticas de proteção econômica. É possível sustentar a expansão geopolítica sem comprometer a resiliência financeira das empresas transnacionais?
Além disso, iniciativas de fortalecimento de mercados financeiros locais e desenvolvimento de uma maior autossuficiência econômica são estratégias capazes de mitigar alguns desses impactos. Talvez elas agravem a fragmentação da globalização e intensifiquem as rivalidades geopolíticas.
Veremos se, de fato, as empresas transnacionais atuarão como um contrapeso ao poder estrutural da geopolítica imperialista. Buscarão ainda influenciar a definição de normas globais para favorecer a abertura e reduzir o protecionismo?
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Geoeconomia da globalização versus geopolítica imperialista. Artigo de Fernando Nogueira da Costa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU