13 Novembro 2024
"O elefante de Trump na sala da Casa Branca é o ponto final de uma crise que vem de longe, que não tem soluções fáceis e que não pode ser resolvida procurando nos baús no sótão", escreve Paolo Naso, sociólogo italiano da Comissão de Estudos da Federação das Igrejas Evangélicas na Itália e professor da Universidade de Roma “La Sapienza”, em artigo publicado por Riforma, 15-11-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A reeleição de Donald Trump para a Casa Branca não é uma simples repetição de sua vitória de 2016. Naquela época, o voto foi interpretado como uma reação populista e de protesto a uma política das elites, centrada nos editoriais do New York Times mais que nas necessidades das classes médias afetadas por uma crise de longo prazo. Uma política informada e ciente dos desafios, bem interpretada por uma mulher do valor de Hillary Clinton, mas agora alheia aos olhos de milhões de trabalhadores que se sentiam abandonados pelos sindicatos, pelo seu partido e, é claro, “por aqueles de Washington”. Naquele momento, Trump parecia ser a alternativa para canalizar o sentimento generalizado de decepção, raiva, ressentimento social e medo. A dimensão do sucesso angariado em 2024, obtido apesar da insurreição de 6 de janeiro de 2020, do volume de processos em que deveria aparecer como réu e as vulgaridades contra as mulheres e sua adversária Kamala Harris, sugerem uma análise diferente. Desta vez, o voto em Trump não foi tão reativo, mas proativo, ou seja, filho de uma escolha madura e consciente, provavelmente a mais arriscada e, a longo prazo, a mais equivocada, mas evidentemente a que é mais convincente hoje em relação à indefinição da plataforma democrata.
Trump venceu com folga recuperando o mito mais óbvio e desgastado dos Estados Unidos: sua “grandeza” - Make America Great Again, MAGA - e seu “destino manifesto”. Nessa perspectiva, o recurso ao tema perene do “sonho americano” é óbvio. Mas, vejam bem, não o sonho constitucional, inclusivo e reformador de Martin Luther King, mas o sonho açucarado e materialista das canções dos musicais de Hollywood das décadas de 1950 e 1960, aquele de pura adrenalina e competitivo de Wall Street. Aqueles que votaram em Trump sabem que sua presidência será “forte”, que restringirá ainda mais a possibilidade de aborto, que tomará medidas sem precedentes contra os imigrantes - o presidente falou em “deportação” de imigrantes ilegais - e contrárias ao direito humanitário internacional; que reduzirá o apoio à Ucrânia, atendendo assim os projetos de Putin; que legitimará os planos do governo de Netanyahu, sejam eles quais forem, em Gaza, na Cisjordânia, no Líbano e no Irã; que negará fundos às Nações Unidas e andará de mãos dadas com a direita antieuropeista. Ele provavelmente também reduzirá os impostos, enfraquecendo ainda mais as medidas de bem-estar social introduzidas com tanta dificuldade por Clinton e Obama e defendidas por Biden.
Na campanha eleitoral, Trump assou hambúrgueres com os trabalhadores do setor automotivo amedrontados pelo acordo verde; jogou dardos com os artesãos empobrecidos pela inflação; trocou piadas grosseiras com mineiros esquecidos; e conversou com grande afã espiritual com a direita religiosa. Ele até fez propaganda de uma Bíblia autografada intitulada God Save the US Bible (US$ 59,90 o exemplar, para os interessados).
Tudo parece ser permitido em uma campanha eleitoral. Mas daqui a alguns meses, os tapinhas nas costas e os polegares para cima de uma retórica sempre otimista e positiva serão arquivados, e já podemos adivinhar quais serão as verdadeiras pautas da nova presidência: a aliança com a tecnocracia de Elon Musk, em poucas horas erigido como profeta de um novo mundo em Marte, e o vínculo muito próximo com a direita religiosa e sua rigorosa agenda sobre aborto, confessionalização dos espaços públicos e apoio às razões “bíblicas” de Israel.
Com o aval dos trabalhadores pobres que votaram nele.
O mundo democrático e progressista de hoje está em meio a uma crise que exigirá anos de reflexão e reelaboração: qual é o futuro de um partido progressista que perdeu parcelas significativas do voto dos jovens, das mulheres, dos trabalhadores, da classe média e até mesmo dos imigrantes latinos? Uma crise que também afeta as Igrejas liberais, como as que estão se reunindo nestes dias em Indianápolis, para discutir a dimensão global da missão cristã: declínio numérico, menor capacidade de causar impacto no espaço público e, acima de tudo, um conflito cada vez mais declarado com a onda evangélica do cristianismo conservador que constituiu um dos pilares da vitória de Trump.
O elefante de Trump na sala da Casa Branca é o ponto final de uma crise que vem de longe, que não tem soluções fáceis e que não pode ser resolvida procurando nos baús no sótão.
Quanto aos democratas, um novo rumo para o partido não pode deixar de se medir com a necessidade de buscar um modelo que, previsivelmente desprovido de um desenvolvimento quantitativo, coloque uma maior justiça social no centro da ação política. O caminho incerto e difícil é o de um desenvolvimento qualitativo, entendido como crescimento de um bem-estar coletivo, capaz não apenas de acumular, mas também de distribuir; de uma cultura da democracia consciente do valor de seus contrapesos e da independência dos órgãos do Estado, a começar pela magistratura; da igualdade de oportunidades garantida a todos, independentemente de sua condição social de partida. Nada de novo: são categorias políticas que devemos à democracia republicana estadunidense, que em outros tempos as formulou e, até certo ponto, as concretizou. No fundo, foi a sua civilidade, como é definida: um recurso cultural e político a ser recuperado e reinterpretado, e não apenas do outro lado do oceano.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Um elefante na sala. Artigo de Paolo Naso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU