09 Setembro 2024
“Ainda falta um longo caminho para também podermos ser autônomos nas ideias, mas não temos outra opção a não ser avançar neste aspecto, que faz parte da autonomia integral que buscamos”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 06-09-2024. A tradução é do Cepat.
Agora que atravessamos uma tormenta de proporções sísmicas, que não está deixando nada em seu lugar e ameaça a vida no planeta, podemos observar com mais clareza como os grandes meios de comunicação se tornaram máquinas de implantar mentiras e falsas verdades, ocultando os principais fatos e distorcendo a realidade de acordo com os interesses da classe dominante.
A informação minimamente objetiva tende a desaparecer e em seu lugar aparece a propaganda. Trituram-se ideias e pré-juízos sem o menor pudor, com o objetivo de anular a capacidade de julgamento da população. Os grandes meios de comunicação fazem parte do sistema capitalista, colonial-patriarcal: dependem da publicidade das empresas e, assim como elas, propõem-se tornar o ser humano mero consumidor.
O pior é quando os meios de comunicação que se definem como de esquerda, ou ligados aos movimentos, repetem os argumentos dos grandes meios de comunicação sem parar para refletir criticamente sobre o que estão informando. Porque esses meios de comunicação têm maior credibilidade para as pessoas organizadas em movimentos.
Nesta semana, os meios de comunicação “informaram” sobre as eleições em dois estados do leste da Alemanha (Saxônia e Turíngia) de uma forma tão parcial que conseguem distorcer a realidade até torná-la incompreensível. Talvez seja bom colocar uma lupa sobre a cobertura, pois permite ver o tamanho da manipulação da informação.
A “ultradireita”, a Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão), venceu na Turíngia e ficou em segundo lugar na Saxônia, muito perto do vencedor da direita, digamos, tradicional. Os três partidos do governo (Verdes, social-democratas e liberais) se afundaram e obtiveram um terço dos votos que a “ultradireita” obteve.
Os meios de comunicação europeus destacam que é a primeira vitória eleitoral da “ultradireita” no país, desde a Segunda Guerra Mundial, que a AfD já é o segundo partido na Alemanha, depois da direita, e que é a força majoritária entre os jovens. Os meios de comunicação caracterizam a AfD por “suas críticas à imigração e ao projeto europeu”.
Estas duas características estão certas, embora seria necessário refletir o porquê a crítica à União Europeia seria algo negativo, uma vez que encabeça a guerra na Ucrânia e apoia o genocídio do povo palestino.
Jornais de esquerda dizem mais ou menos a mesma coisa, enfatizando a necessidade de que a “ultradireita” não chegue ao governo, classificando-a muitas vezes como fascista. A propósito, cabe lembrar que a propaganda contra o “populismo” e a “ultradireita” nasceu nos centros de pensamento do genocida Partido Democrata dos Estados Unidos, entre eles, The New York Times.
Contudo, o mais grave é que a análise centrada na ascensão da “ultradireita” omite o que é central: 80% da população desses estados votou contra a guerra, número que se obtém pela soma da AfD, da CDU e do partido de Sahra Wagenknecht, que rompeu com A Esquerda (Die Linke) e concorda com a direita em sua crítica à política migratória e a rejeição à guerra.
Os jovens votaram em massa nos partidos antiguerra, o que não significa que não sejam sexistas e racistas. “Na Saxônia, o primeiro-ministro da CDU fez uma campanha enérgica contra mais envios de armas para a Ucrânia e pediu negociações de paz para acabar com a guerra”, lê-se no Asia Times, meio de comunicação que costuma apresentar leituras diferentes das ocidentais.
Os grandes meios de comunicação não dizem nada sobre o voto contra a guerra e quando fazem a mínima referência, descrevem o partido ou o candidato como “pró-russo”.
A mesma manipulação acontece em relação a Israel e Gaza. Enquanto classifica-se a Rússia como país agressor (e ele é), Israel não é analisado da mesma forma, ou qualquer outro país agressor, mas amigo do Ocidente, como a Arábia Saudita, para dar apenas um exemplo.
A manipulação da informação quer nos convencer de que existem políticos direitistas e corruptos que são “antifascistas” porque se opõem à “ultradireita”, categoria na qual (é claro) não entra o gabinete de Netanyahu, que considera os palestinos animais.
Donald Trump é tão diferente de Joe Biden ou de Kamala Harris? Depende de onde você olha. Se é o caso de um profissional progressista de classe média urbana, a diferença é abismal. Mas as crianças de Gaza rirão desta pergunta estúpida, enquanto correm para escapar do último míssil “democrata-republicano”. A geografia e a classe são decisivas para entender este mundo e se posicionar.
Para os movimentos de baixo e para os povos oprimidos, é fundamental não se deixar prender à agenda do sistema, nem permitir que os seus meios de comunicação nos confundam com a sua propaganda e mentiras. Ainda falta um longo caminho para também podermos ser autônomos nas ideias, mas não temos outra opção a não ser avançar neste aspecto, que faz parte da autonomia integral que buscamos.
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Da informação à propaganda. Artigo de Raúl Zibechi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU