22 Novembro 2023
"O jornalismo, como as demais áreas, nunca foi tão necessário como o momento em que os humanos se meteram. Em nenhum outro momento da história o mundo viu tantos mentirosos ativos, reunidos por um caminho que se apresentou como democrático: a internet!".
O artigo é de Edelberto Behs, jornalista.
Organismos internacionais, como a ONU, o Unicef, organizações vinculadas à economia, comércio, igrejas, políticos, reconhecem a importância do jornalismo para a sociedade do século XXI. É admirável a coragem de jornalistas que cobrem o conflito em Gaza, uma guerra que tem matado, em média, um profissional da imprensa por dia. E quem não aplaudiu o papel da imprensa durante o período duro da pandemia de covid?
Com certeza são pouco os governantes que apoiariam Thomas Jefferson, ao dizer que se tivesse que escolher entre um governo sem jornais e jornais sem um governo, ele não hesitaria e ficar com a segunda opção. O Brasil viveu um momento em que um presidente da República repudiava a imprensa dia sim, dia não. Ele mostrou, de forma inequívoca, que detesta jornalistas, ainda mais se forem mulheres.
Apesar de todo esse reconhecimento internacional, jornalismo é uma profissão que, ao menos no Brasil, está em baixa. Em matéria para o portal IJnet, o repórter Raul Galhardi lembrou pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina sobre o perfil do jornalista brasileiro (2021). Ele apresentou várias mazelas: ritmo de trabalho intenso, pouco reconhecimento do trabalho realizado. A renda mensal, em 2021, de 59,2% dos entrevistados era inferior a 5,5 mil reais por mês.
Entrevistada, a colega Luiza Bodenmüller, formada em 2012 e que passou em vários veículos, como Agência Pública, Aos Fatos, Meio e Núcleo, para acabar na área de comunicação estratégica, foi dura na sua análise:
“É um mercado desgastante que não oferece muitas perspectivas de futuro e não é muito generoso com profissionais mais velhos”, alvejou. Ela se sente incomodada com a “cultura jornalística, de que é OK trabalhar além do horário, assumir responsabilidade que não são suas e abdicar de coisas que são importantes porque o trabalho vem em primeiro lugar”.
Outra entrevistada por Galhardi, a jornalista Nathalia Lobo, formada pela Universidade Federal do Ceará e que atuou em veículos de imprensa atingindo o topo da carreira em 2016/17, hoje uma nutricionista clínica funcional e pediátrica, sentiu-se desinteressada pela profissão escolhida. O jornalismo perdeu, disse, o trabalho de apuração. “O jornalismo mudou e tornou-se muito rápido, muito factual, muito do momento”, o que a desiludiu e “tirou o tesão de trabalhar com a notícia”.
Uma série de fatores contribui para esse quadro: empresas pagam altos salários a figurões, mas não valorizam o repórter de rua; empresas colocam o lucro acima da responsabilidade de bem informar e formar; a reportagem perdeu importância, ganhando espaço o jornalismo declarativo, também o jornalismo de entretenimento; com o advento da internet, todo cidadão se acha jornalista, nem precisa passar por ensino superior para ser iniciado na ética, na estética e na responsabilidade cidadã.
Para o escritor Gabriel Garcia Márquez, o jornalismo é a melhor profissão do mundo. Ela vai além do sentido profissional, pois trata-se de uma vocação, um ministério, que enreda o profissional em corpo e alma. Sem esses heróis muitas vezes anônimos que estão vendo e sentindo a guerra, correndo risco de vida, como ficaria a comunicação, o conhecimento, a história da região em conflito? Não passaria de material propagandístico de um lado e de outro, e quem perde é a verdade e as muitas realidades que uma guerra produz.
O jornalismo entrou na lista, reforçado pelo governo de direita, às culturas supérfluas, ao lado da Sociologia, da Filosofia, da Ciência Política, da Literatura, das Artes, enfim, todos os campos que tivessem vinculados às humanidades. No entanto, o jornalismo, como as demais áreas, nunca foi tão necessário como o momento em que os humanos se meteram. Em nenhum outro momento da história o mundo viu tantos mentirosos ativos, reunidos por um caminho que se apresentou como democrático: a internet!
Oxalá o jornalismo volte a ser valorizado dentro do campo da política, que vem a ser tudo o que envolve a vida em sociedade.
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Jornalismo: um campo desvalorizado, mas tão necessário. Artigo de Edelberto Behs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU