30 Março 2023
"O Jornalismo tem, nesse tempo desarranjado do triunfo da indústria da desinformação, a chance histórica de restabelecer o prumo e apresentar, como fruto do trabalho jornalístico, informações responsáveis para a sociedade", escreve Ivânia Vieira, jornalista, professora da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), doutora em Processos Socioculturais da Amazônia, articulista no jornal A Crítica de Manaus, cofundadora do Fórum de Mulheres Afroameríndias e Caribenhas e do Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (Musas).
O jornalismo afundado em crise produzida pelo parque fabril da desinformação tem a oportunidade enlarguecida de enfrentar os descaminhos no qual se encontra e revigorar-se na questão-fim, informar. A tarefa é difícil porque em torno do jornalismo está esticada uma vasta rede de interesses graúdos e jornalistas que, em parte, aceitam ser amarrados pelos fios do sistema.
Nos cálculos feitos, alguns profissionais da área enxergam números econômico-financeiros suficientes para moldá-los no desvirtuamento profissional. Outros se satisfazem com os afagos das relações dos poderes poderosos, na etiqueta de vestir o paletó e colecionar selfies com ‘autoridades amigas’ numa espécie de green card para habitar o andar de cima. Já não é mais jornalismo, é outra coisa com muitos outros nomes e, cada vez mais, envolvido em novas denominações.
Enxergar esse cenário pode ser devastador, uma espécie de beco sem saída. Lembro de um companheiro de jornal atormentado pelos descaminhos do jornalismo impresso local – aprisionado por um grupo restrito de poder – ao comentar as lições que estão sendo aprendidas pelos jovens nas práticas reais de jornalismo: “esses jovens passam a acreditar que jornalismo é isso quando se trata do antijornalismo”. Na faculdade e nas redações os caminhos estão postos e também podem ser construídos/reconstruídos, revelando achados valiosos; ou, se aceitarmos que o pacto do desvio é um jeitinho supostamente inteligente, esperto, que pode ser seguido sem constrangimento diante da negação da cláusula de consciência.
E tem outra proposta: fazer jornalismo. Repensar a pauta, esse instrumento que estabelece um olhar, enquadra a partir desse jeito de olhar ou de poucos olhares para confeccionar uma notícia. Quais são as vozes que falam, as cores dessas vozes, desses corpos falantes? Permanecem os mesmos – as vozes oficiais ou os porta-vozes da oficialidade? As vozes do mercado. As vozes do pensamento colonial. A pauta é resultado de produção complexa e se posiciona para tensionar ou acomodar. O espírito de repórter não abandona rastros, instiga o alcance mais longe do ver, do sentir e do agir nas realidades representadas.
A era da desinformação impera em meio ao crescente número de plataformas vinculadas à noção de informação. Gera lucro e poder aos que nela investem como negócio. Elege candidatos, fulmina direitos e ataca perigosamente a democracia. O resultado da hegemonia da desinformação nos atropela, nos asfixia e nos ameaça cotidianamente. A ética jornalística não saiu de moda. É possível que tenha sido colocada estrategicamente na gaveta para ser esquecida no mundo onde o comportamento aético é naturalizado. Nesse cenário, há espaço para refletir e saber que o Anel de Giges gira e, numa dessas viradas, faz acontecer a autoconfrontação. O Jornalismo tem, nesse tempo desarranjado do triunfo da indústria da desinformação, a chance histórica de restabelecer o prumo e apresentar, como fruto do trabalho jornalístico, informações responsáveis para a sociedade.
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O Jornalismo é a pauta. Artigo de Ivânia Vieira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU