17 Julho 2024
Caminho pela Via Masaccio em Florença, onde Dom Lorenzo Milani morreu na casa de sua mãe, entro na Via Giovanni Pascoli e encontro à direita a bela igreja da Madonna della Tosse, com um belo vitral que representa as figuras de Giorgio La Pira e Dom Giulio Facibeni. A igreja teve como pároco até 2000 Dom Angelo Chiaroni, um sacerdote do diálogo ecumênico e da renovação conciliar, um ponto de encontro para figuras como Giovanni Gozzini, Luciano Martini, padre Benedetto Calati e padre Balducci.
A reportagem é de Stefano Zecchi, publicada por Rocca, 15-07-2024.
Após a morte de D. Angelo Chiaroni, a paróquia foi confiada a D. Giacomo Stinghi, fundador do Centro de Solidariedade de Florença, um centro criado pelo agora Cardeal Benelli para a prevenção, assistência e recuperação de dependentes químicos.
Dom Gherardo Gambelli, nomeado arcebispo de Florença pelo Papa Francisco, é atualmente o pároco. Ele me recebe com cordialidade e amizade, poucos dias antes de sua ordenação, em 24 de junho, na Catedral de Santa Maria del Fiore.
Eis a entrevista.
Bom dia, Dom Gherardo, como o senhor está?
Estou bem, graças a Deus. Um pouco preocupado, mas agradeço muito à oração que me sustenta e me ajuda a manter meu olhar fixo no Senhor.
Como o senhor ficou sabendo da nomeação pelo Papa Francisco como bispo de Florença? Qual foi seu primeiro pensamento?
Fiquei sabendo pelo núncio apostólico, que me telefonou em 8 de abril, no mesmo dia em que este ano se comemorou a Solenidade da Anunciação. Meu primeiro pensamento foi de espanto. Fiquei pensando como o Papa poderia me conhecer.
Depois pensei nas muitas pessoas com quem compartilhei o ministério, nas alegrias e nos sofrimentos experimentados, desde os primeiros anos em que fui vice-pároco em Rifredi, uma importante paróquia de Florença que guarda o tesouro do testemunho do venerável padre Giulio Facibeni, fundador da Opera della Madonnina del Grappa. Agradeço a Deus porque, onde quer que eu tenha sido enviado para desempenhar o serviço pastoral, encontrei amigos: padres, religiosas, leigos que me ajudaram a crescer na fé.
Gosto da imagem do pastor de que fala o Papa Francisco, que às vezes precisa ficar atrás do rebanho, confiando no faro das ovelhas. Muitas vezes recebi testemunhos de pessoas que foram para mim como santos e santas ao meu lado. Sinto o chamado para retribuir por esse dom recebido.
O senhor foi pároco da Igreja da Madonna della Tosse, de Florença, paróquia que teve antes do senhor dois padres que deixaram sua marca na Igreja florentina, Angelo Chiaroni e Giacomo Stinghi. Que realidade encontrou?
Encontrei uma comunidade viva que foi capaz de atravessar momentos difíceis, demonstrando grande maturidade. Mesmo no pouco tempo que passei nessa paróquia, pude captar algo do legado deixado pelos dois últimos párocos: a atenção ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso e o empenho pela defesa da dignidade de cada pessoa humana. Tentei sensibilizar sobre a dimensão missionária da Igreja e notei com alegria o interesse e a simpatia de muitos paroquianos por aqueles que proclamam o Evangelho com alegria e criatividade em contextos difíceis e exigentes, sob todos os aspectos.
Missionário por doze anos no Chade, depois pároco, professor de seminário e capelão de prisão. Que experiência leva para a Igreja de Florença? E como fazer com que se torne centro a periferia social e existencial?
A Igreja do Chade é uma das igrejas mais jovens do mundo. A evangelização começou há menos de cem anos e, nos últimos anos de minha experiência missionária, servi no Vicariato Apostólico de Mongo, na fronteira com o Sudão, um distrito eclesiástico criado há apenas vinte anos. Em um contexto marcado por uma forte maioria muçulmana, os primeiros missionários, desde o início de sua presença, tiveram o cuidado de evitar o risco da guetização das comunidades cristãs, concentrando-se muito na dimensão social da evangelização. Ainda hoje, há um grande empenho da Igreja nos campos da educação (com escolas e universidades católicas), saúde e desenvolvimento. No leste do Chade, por exemplo, nasceu a experiência dos bancos de cereais para combater o fenômeno da usura, de realidades que se estruturam em verdadeiras cooperativas agrícolas nas quais colaboram cristãos de diferentes denominações e muçulmanos. As jovens Igrejas nos ensinam a estar atentos aos sinais dos tempos, a acreditar que, quando nos movemos para as periferias sociais e existenciais, empenhando-nos concretamente pelo respeito da dignidade de cada pessoa humana, sempre encontramos muitos irmãos e irmãs de boa vontade dispostos a colaborar na construção de um mundo mais justo e fraterno.
O senhor se tornou arcebispo de Florença, uma diocese e uma cidade que foi muitas vezes protagonista de confrontos eclesiais, a cidade dos "Loucos de Deus". Qual foi o legado deixado por esses "hereges" apaixonados por Cristo e pela Igreja, que de Florença falaram a linguagem da profecia, que muitas vezes tem altos custos? De La Pira ao Padre Turoldo, de Padre Milani ao Padre Balducci e assim por diante?
O profeta na Bíblia é aquele que fala em nome de Deus perante o povo e a autenticidade de sua vocação é sempre verificada no cumprimento da palavra que ele pronuncia. O verdadeiro profeta, como Jeremias, por exemplo, é aquele que se torna uma palavra viva, capaz de vencer o mal ao desmascarar as suas hipocrisias. Justamente por isso, ontem como hoje, aquele que vive com fidelidade o Evangelho é visto como um louco. No entanto, sinto um risco quando nos referimos a essas figuras da nossa Igreja de Florença, ou seja, aquelas evocadas por Jesus quando fala dos filhos que constroem o túmulo para os profetas mortos por seus pais. O Papa Francisco nos repete com frequência que a santidade não consiste em copiar, em repetir o que outros fizeram ou disseram; devemos ser criativos, deixando-nos desafiar pelos sinais dos tempos, em particular por aquela sede pelo sentido da vida, que é muito sentida na nossa sociedade secularizada de hoje.
O que significa para a sua diocese e, de modo mais geral, para os católicos, acolher hoje corajosamente a indicação do Papa Francisco para ser uma Igreja em saída? Em saída para onde? Em direção a quem? Para anunciar e viver o quê?
Há uma frase de São Paulo na Segunda Carta aos Coríntios que diz: "Deus ama ao que dá com alegria" (2 Cor 9,7). Na pregação e na catequese, gosto de complementar essa afirmação acrescentando estas palavras: Deus dá alegria a quem ama. Toda vez que tentamos sair para as periferias, superando a globalização da indiferença, o Senhor se manifesta infundindo a luz de seu amor em nossos corações e nossa fé se torna mais profunda e autêntica. Toda realidade eclesial deve discernir quais são as periferias para as quais é convidada a se mover. Certamente, a escuta e acompanhamento dos detentos na prisão é um serviço importante, no qual podemos experimentar o poder de cura da misericórdia e da ternura de que todos nós precisamos.
Recentemente, foi lançado um livro do teólogo e biblista belga D. Jozef De Kesel, arcebispo emérito de Bruxelas, intitulado Cristãos em um mundo que não é mais cristão. A Igreja no Ocidente é velha, na Europa a frequência à missa dominical é de cerca de 7/8%, em contraste com as Igrejas do Sul do mundo. Na sua opinião, precisamos rever a maneira como nos definirmos como cristãos? Como podemos superar o clericalismo, frequentemente acusado pelo Papa Francisco, e abrir a Igreja, além de suas proclamações, para os viri probati, para a responsabilidade dos leigos e das mulheres?
Eu li aquele livro e, se bem me lembro, o autor convidava a tomar como modelo as primeiras comunidades cristãs de que nos falam os Atos dos Apóstolos. A Igreja cresce por atração e não por proselitismo, como o Papa Francisco frequentemente nos lembra. É por isso que é muito importante progredir no caminho da sinodalidade, sem desanimar quando não vemos imediatamente os frutos de tantos esforços nesse sentido. A própria missão nos torna mais sinodais, e para sermos missionários não precisamos inventar coisas difíceis, trata-se de redescobrir o nosso sacerdócio batismal e viver aquele culto espiritual de que nos fala São Paulo (Rm 12,1) nos vários âmbitos da existência cotidiana: no trabalho, na escola, no tempo livre... Como inovar também as nossas liturgias, tão essenciais, mas muitas desgastadas, datadas, pouco envolventes e incapazes de transmitir a experiência de vida, de encontro com o Senhor ressuscitado, sobre que fundar todas as outras relações? Mais uma vez, parece-me que não se trata de inventar coisas novas. A liturgia dominical se torna viva e envolvente se houver uma autêntica vivência eclesial durante a semana. Em nossa Diocese de Florença, há a experiência da catequese de adultos sobre a Palavra de Deus, para a qual um livro bíblico diferente é escolhido a cada encontro para ser estudado em profundidade. A escuta e a meditação sobre as Escrituras, por exemplo, com o método de leitura popular da Bíblia, pode realmente nutrir a fé e ajudar as comunidades a crescerem na comunhão fraterna. É somente quando estamos unidos ao Senhor que podemos dar frutos e garantir que as nossas liturgias sejam realmente festivas, capazes de inspirar alegria e esperança naqueles que delas participam.
Um profundo agradecimento a D. Gherardo, nós de Rocca lhe desejamos tudo de bom e continuaremos, como temos feito há mais de oitenta anos, a apoiar a ideia e a prática de uma fé que encontre e fale a todos os homens de boa vontade.
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Fiéis ao Evangelho, abertos ao mundo. Entrevista com o padre Gherardo Gambelli, nomeado arcebispo de Florença - Instituto Humanitas Unisinos - IHU