05 Outubro 2023
Depois de dois anos de consultas com os católicos e as católicas de todo o mundo, a assembleia plenária do Sínodo sobre a Sinodalidade foi aberta no Vaticano.
A reportagem é de Loup Besmond de Senneville, publicada por La Croix International, 04-10-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O relógio dentro da Sala do Sínodo no Vaticano parou e assim permanecerá durante o Sínodo sobre a Sinodalidade, de 4 a 29 de outubro. Isso porque este amplo anfiteatro, construído em 1964, não acolhe esta assembleia sinodal como nos anos anteriores.
Em vez disso, a 16ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que começou nessa quarta-feira, está ocorrendo na vasta Sala Paulo VI, normalmente usada para acomodar os milhares de pessoas que vão para as audiências papais.
A mudança de local não é nada anedótica para essa decisiva reunião sinodal sobre o futuro da Igreja Católica. Durante quase um mês, cardeais, bispos, clérigos e leigos estarão misturados, trabalhando em torno de grandes mesas redondas montadas no salão, alternando entre discussões em pequenos grupos e sessões plenárias. Certamente é uma reviravolta no espaço, tal como o Papa Francisco pretendia introduzir quando lançou o processo sinodal em outubro de 2021.
Por trás do nome “Sínodo sobre a Sinodalidade”, que provocou risos maliciosos entre alguns em Roma e não só, reside, de fato, a grande reforma do pontificado para “imaginar um futuro diferente para a Igreja”. Francisco acredita que a Igreja precisa de adaptar a forma como proclama sua mensagem, sem alterar sua substância. Foi o que ele explicou aos cinco cardeais que expressaram suas “dúvidas” (dubia) sobre o processo sinodal.
“As mudanças culturais e os novos desafios da história não modificam a Revelação, mas podem, sim, nos estimular a expressar melhor alguns aspectos de sua transbordante riqueza que sempre oferece mais”, escreveu ele em uma resposta publicada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé do Vaticano em 2 de outubro.
Os resultados da ampla consulta aos fiéis, uma vez passada pelo crivo das assembleias continentais, foram sintetizados em um “documento de trabalho” (Instrumentum laboris) com uma gama impressionante de temas – desde a tomada de decisões na Igreja até à formação presbiteral; do lugar da mulher ao acolhimento aos migrantes; além de preocupações com o cuidado pastoral para pessoas homossexuais, tradições culturais e mudanças climáticas.
Essas são apenas algumas das questões que os 364 participantes discutirão na assembleia. E, pela primeira vez, haverá não clérigos entre os membros votantes, incluindo 54 mulheres.
Há meses que Francisco tem insistido neste ponto: essa assembleia, que se reunirá para uma segunda sessão em outubro de 2024, não tem nada a ver com um processo político, mas sim com um processo espiritual.
“Não há lugar para a ideologia no Sínodo; há apenas espaço para o diálogo, para conversar uns com os outros, como irmãos e irmãs, e discutir a doutrina da Igreja”, insistiu ele no voo de volta da Mongólia no início de setembro. Lembrando que o Sínodo não pode ser comparado a um “parlamento”.
O papa decidiu, portanto, enviar os “Padres e Madres sinodais” a um retiro de três dias a cerca de 15 quilômetros de Roma, antes de iniciarem seus trabalhos.
Esse processo sinodal, tão desejado por Francisco, poderia ser de fato um Vaticano III, mas sem nome? Sessenta anos depois de João XXIII ter iniciado o Concílio Vaticano II para o aggiornamento (atualização) da Igreja Católica, um Concílio que Paulo VI continuaria e levaria à conclusão, algumas pessoas em Roma estão convencidas de que Francisco está fazendo algo semelhante.
“É um processo que pode mudar tudo, como um novo concílio”, disse uma fonte romana, esperançosa.
Essa pessoa destacou as relações entre o clero e os leigos, assim como a forma como as decisões são tomadas na Igreja. Outros salientaram que, hoje, já não seria possível reunir todos os bispos da Igreja Católica durante vários meses, como exige as regras de um concílio geral ou ecumênico. Os 5.300 bispos de hoje são o dobro dos de 60 anos atrás.
Mas alguns dizem que essa assembleia sinodal deveria ser vista mais como uma consequência do Vaticano II. “Um desenvolvimento daquilo que o teólogo Yves Congar chamou de teologia do laicato, em referência ao papel dos leigos na Igreja”, disse uma pessoa próxima aos organizadores do Sínodo. “O objetivo aqui não é produzir textos normativos”, sublinhou essa fonte.
Os textos elaborados pelas assembleias sinodais anteriores geralmente continham propostas para as considerações do papa. São apenas sugestões que o papa pode então aceitar, no todo ou em parte, na forma de uma exortação apostólica. Não será assim nesta primeira sessão da assembleia sinodal, alertou a Secretaria Geral do Sínodo. Se o papa eventualmente publicar uma exortação, isso só ocorrerá depois da segunda sessão da assembleia, em outubro de 2024.
Mas a forma como esse processo sinodal foi organizado alimenta outro medo: de que a montanha dê à luz um rato. Ou, melhor, que essa assembleia plenária se limite a palavras de elogio ao diálogo entre os católicos sobre questões divisivas, como a moral sexual ou o lugar das mulheres.
“O resultado deste Sínodo não pode se limitar a um discurso sobre método”, disse um antigo observador da Igreja.
“Um dos desafios não é produzir decisões, mas desencadear uma mudança cultural. Por exemplo, como podemos promover os leigos e as leigas em todos os níveis? Ou como viver a sinodalidade, rezando juntos e discutindo apesar das diferenças?”, disse uma fonte do Vaticano.
Mas outros membros da Cúria Romana são muito mais céticos.
“Estou aterrorizado com este Sínodo”, disse uma autoridade dentro do Palácio Apostólico. “As tensões são tantas que será terrível, como uma guerra desde os primeiros dias, dentro da assembleia. Existe o risco de a Igreja sair terrivelmente enfraquecida daí”, disse.
Na verdade, as “polarizações” contra as quais o Papa Francisco alertou serão de fato expressadas.
“As divisões, especialmente entre os alemães, que querem pressionar por exigências muito progressistas, e os conservadores estadunidenses, já são muito fortes”, observou uma fonte vaticana.
Essas oposições podem ser exacerbadas pela natureza sigilosa das discussões, o que favorece a cobertura midiática das posições mais extremas.
“Temos que seguir em frente com as tensões”, disse um dos organizadores. “Mas devemos evitar tensões que sejam muito prejudiciais e paralisantes e favorecer aquelas que nos permitam avançar juntos”, disse esse responsável.
O papa de 86 anos, que participará pessoalmente de grande parte dos trabalhos, parece despreocupado com a expressão de ideias opostas dentro do Sínodo, segundo seus assessores.
“No fundo, ele está convencido de que é possível fazer com que pessoas que pensam diferente conversem entre si”, explicou um deles ao La Croix. “Ele também acredita firmemente que, com a ajuda do Espírito Santo, as pessoas podem mudar de ideia ouvindo as outras”, disse o assessor.
“O papa está assumindo grandes riscos com esse Sínodo”, disse um cardeal próximo de Francisco. “Mas ele os está enfrentando.”
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A grande aposta do papa em relação ao futuro da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU