02 Agosto 2019
"Os ruralistas, nomeadamente os grandes proprietários de terras e os seus representantes, que são uma parte fundamental da base política do novo presidente, estão a avançar uma agenda com impactos ambientais que se estendem a todo o mundo", escrevem Lucas Ferrante, biólogo e doutorando em Ecologia, e Philip M. Fearnside, doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
O artigo, em inglês, foi publicado pela revista Environmental Conservation e a versão em português foi enviada pelos autores para o Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Jair Bolsonaro, que assumiu o cargo em 1º de janeiro de 2019 como o novo presidente do Brasil, tomou medidas e fez promessas que ameaçam a floresta amazônica brasileira e os povos tradicionais que a habitam. Os ruralistas, nomeadamente os grandes proprietários de terras e os seus representantes, que são uma parte fundamental da base política do novo presidente, estão a avançar uma agenda com impactos ambientais que se estendem a todo o mundo. Nosso objetivo neste comentário (leia o material suplementar aqui) é resumir esta agenda, eventos recentes que ameaçam a Amazônia e seus povos, e algumas das possíveis respostas a esses desafios.
Os biomas Mata Atlântica e Cerrado do Brasil agora foram quase totalmente absorvidos pelo agronegócio, com apenas 8 a 11% remanescentes da Mata Atlântica e 19 a 20% do Cerrado. Isso faz com que os ruralistas voltem seus olhos para a floresta Amazônica, ameaçando a biodiversidade e os povos tradicionais da região, bem como o clima regional e global.
Durante sua campanha, Jair Bolsonaro prometeu abolir o Ministério do Meio Ambiente e passar suas funções para o Ministério da Agricultura. Logo após a eleição, influentes ruralistas convenceram o novo presidente a não extinguir o Ministério do Meio Ambiente porque tal medida poderia induzir restrições às exportações brasileiras. Em vez de abolir completamente o ministério, o presidente Bolsonaro transferiu o setor de controle de desmatamento do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Agricultura, que também é dirigido por um ruralista. O setor que trata das mudanças climáticas foi abolido e suas funções remanescentes foram transferidas para o Ministério da Agricultura.
O presidente Bolsonaro nomeou como ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, um ruralista que foi secretário de Meio Ambiente do estado de São Paulo, onde ele essencialmente desmantelou e neutralizou a agência. Em 19 de dezembro de 2018, ele foi condenado por alteração “maliciosa” dos mapas de zoneamento de uma área de proteção ambiental. Salles sustenta que a mudança climática observada pode ser totalmente natural e rejeita toda discussão sobre o aquecimento global como “inócua”.
O presidente Bolsonaro afirmou repetidamente seu desejo de enfraquecer o licenciamento ambiental e prometeu remover a autoridade de licenciamento do IBAMA, a agência ambiental federal que faz parte do Ministério do Meio Ambiente. Controles ambientais mais fracos provavelmente levarão a novos desastres, como as rupturas da barragem de rejeitos das minas de Mariana e Brumadinho. O governo também retirou de seus postos os superintendentes do IBAMA em 21 dos 27 estados do Brasil. O Ministério do Meio Ambiente planeja estabelecer um “núcleo” dentro do ministério para revisar e modificar ou anular multas emitidas pelo IBAMA. Sob a atual administração, o IBAMA teve o menor desempenho em sua história. O IBAMA agora frequentemente avisa com antecedência de onde vai realizar inspeções de desmatamento ilegal, o que levou a nenhuma punição dos infratores, apesar de 95% do desmatamento ocorrido nos três primeiros meses da administração presidencial ser ilegal. As taxas de desmatamento subiram, com a taxa em junho de 2019 (o primeiro mês da nova estação seca na nova presidência) subindo 88% em relação à taxa de 2018 no mesmo mês.
Ricardo Salles tem tentado perverter o Fundo Amazônia para indenizar o desmatamento pelo qual Salles concedeu anistia. O presidente Bolsonaro e sua ministra da Agricultura Tereza Cristina Dias propõem flexibilizar o código florestal, incluindo a extensão dos prazos para a recuperação ambiental e a alteração da data limite para exigir que os proprietários restaurem a vegetação natural em áreas que desmataram ilegalmente em suas áreas de proteção permanente e reservas legais. O resultado seria que muitos escapam de qualquer consequência por violações passadas.
O novo presidente afirmou que nem um único centímetro de terra será demarcado para os povos indígenas e que tanto as “unidades de conservação” (áreas protegidas para ecossistemas naturais) quanto as terras indígenas devem estar abertas à agricultura e à mineração. Isso é apoiado por legisladores ruralistas, que promovem o que é conhecido como a “agenda da morte”. Isso inclui suspender a listagem oficial de espécies ameaçadas, rescindir a restrição à caça de animais silvestres, flexibilizar o licenciamento ambiental, enfraquecer agências ambientais e reguladoras, promover grandes projetos de infraestrutura como estradas e barragens na Amazônia e permitir o uso de pesticidas proibidos em muitos países.
O presidente Bolsonaro nega a existência de mudanças climáticas antropogênicas e escolheu um ministro de relações exteriores que considera o aquecimento global uma “invenção da ideologia marxista”. Um dos seus primeiros atos como ministro foi abolir os setores do ministério que lidam com a mudança climática e com o meio ambiente. As ações do presidente Bolsonaro e seus ministros favorecem a expansão das monoculturas e da pecuária na Amazônia. Uma consequência esperada desse desmatamento é diminuir as chuvas nas regiões Sul e Sudeste do Brasil e em países vizinhos, como a Argentina. O abastecimento doméstico de água em estados densamente povoados como São Paulo e Minas Gerais seria afetado, assim como a geração de energia hidrelétrica e a agricultura, incluindo a produção de biocombustíveis. O carbono liberado pelo desmatamento da Amazônia contribui para as mudanças climáticas em todo o mundo. Uma alteração considerável na composição da vegetação amazônica já ocorreu devido a mudanças climáticas. A Amazônia está próxima do limite de desmatamento que pode ser tolerado pelos ecossistemas da região. Vários estudos mostraram a importância das unidades de conservação e terras indígenas do Brasil para a manutenção da floresta Amazônica. Essas florestas fornecem serviços ambientais, como o fornecimento de vapor de água que cai como chuva em outras partes do Brasil.
Os ruralistas frequentemente (mas falsamente) alegam que as terras indígenas do Brasil foram criadas devido à influência de organizações não-governamentais internacionais que são frentes de governos estrangeiros que supostamente conspiram para impedir o crescimento do agronegócio brasileiro e, assim, evitar a concorrência. Terras indígenas são fatores-chave na conservação por causa da grande área que protegem – cerca de 20% da Amazônia Legal brasileira. Bolsonaro transferiu a responsabilidade pela demarcação das terras indígenas da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para o Ministério da Agricultura, onde essa responsabilidade é atribuída a um setor liderado por um ruralista. O Congresso Nacional aprovou uma medida revertendo essa ação, mas o presidente Bolsonaro já a contestou por agora, emitindo uma “medida provisória”, cuja validade aguarda uma decisão final da Suprema Corte. O que resta da FUNAI foi transferido do Ministério da Justiça para um novo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, que é chefiado por outro ministro controverso.
Atos de vandalismo e ataques a agências ambientais e indígenas por parte de madeireiros, garimpeiros e ruralistas aumentaram significativamente em toda a Amazônia desde a eleição de Bolsonaro, e esses incidentes frequentemente mostram uma conexão com o discurso do novo presidente. Em um caso, madeireiros transportando cartazes pró-Bolsonaro forçaram os inspetores do IBAMA a fugir de uma cidade no estado do Amazonas. Em outro caso, os grileiros invadiram a terra indígena Uru-Eu-Wau-Wau, no estado de Rondônia. Esses grileiros ameaçaram matar as crianças de Uru-Eu-Wau-Wau se a tribo tentasse recuperar suas terras, e afirmou que os nativos não teriam mais direito a nada agora que Bolsonaro havia vencido as eleições.
A “agenda da morte” inclui a abolição das reservas legais e a abertura de unidades de conservação e terras indígenas à mineração, agricultura e pecuária. Bloquear a demarcação de terras indígenas e rotular os movimentos sociais como “terroristas” tendem a inflar os conflitos de terra na Amazônia, ameaçando os povos tradicionais. As ações atualmente propostas pelo novo presidente e seus apoiadores ruralistas impactariam florestas, biodiversidade e povos tradicionais, incluindo povos indígenas, membros de quilombos e ribeirinhos. A liberação de dúzias de novos agrotóxicos pelo governo presidencial já coloca em risco o meio ambiente, os trabalhadores agrícolas e os consumidores nacionais e internacionais.
Entidades financiadoras devem começar a avaliar o risco de investimento em projetos que causam desmatamento e conflitos de terra, contribuindo assim para o aquecimento global e para a violação dos direitos humanos. As mesmas preocupações se aplicam a empresas e países que importam soja, carne e minerais brasileiros. As responsabilidades dos vários atores internacionais serão um assunto crítico no debate, conforme a história se desenrola na Amazônia brasileira nos próximos quatro anos.
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O novo presidente do Brasil e “ruralistas” ameaçam o meio ambiente, povos tradicionais da Amazônia e o clima global - Instituto Humanitas Unisinos - IHU