02 Julho 2019
Sem pressão internacional como a que Alemanha e França fizeram sobre o governo brasileiro durante a reunião do G20, o desmatamento na Amazônia vai acelerar a trajetória crescente que se desenha desde 2013.
Com o ritmo atual de desmonte da estrutura de fiscalização e da legislação ambiental demonstrado durante os seis primeiros meses, a destruição da floresta pode atingir um limite irreversível "em dois governos Bolsonaro", prevê o cientista Paulo Artaxo, doutor em física atmosférica pela Universidade de São Paulo (USP) e estudioso da Amazônia desde 1984, quando viajou para lá pela primeira vez como parte de sua pesquisa de doutorado.
Estimativas mostram que, desmatada uma área de 40% da floresta, o restante não consegue sustentar o funcionamento de um ecossistema de uma floresta tropical chuvosa e, nesse cenário, parte da floresta poderia virar cerrado. A Amazônia já perdeu 20% da cobertura original.
"É uma questão absolutamente crucial para a estabilidade do clima do planeta - assim como reduzir as emissões de combustíveis fósseis dos países desenvolvidos", explica Artaxo. Hoje em dia, ele vai à região pelo menos uma vez por mês para supervisionar o Projeto LBA, a torre de 325 metros que investiga a atmosfera amazônica e que permitiu ao cientista ajudar a desvendar a formação das nuvens de chuva na Amazônia.
Artaxo é um dos 12 brasileiros que fazem parte da lista dos 4.000 cientistas mais influentes do mundo, feita com base em números de citações em artigos acadêmicos pela Highly Cited Researchers 2018. Também é membro, desde 2003, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
O pesquisador conversou com a BBC News Brasil na última quinta-feira (27), quando começou a ser noticiada a resposta do presidente Bolsonaro aos comentários feitos pela chanceler alemã Angela Merkel sobre a política ambiental do Brasil - ao chegar ao Japão para a cúpula do G20, o presidente afirmou que a Alemanha tinha muito o que aprender com o país e que não tinha ido ao encontro para "ser advertido".
Para Artaxo, é justamente a pressão vinda de outros países o único caminho que pode frear o atual processo desmonte da fiscalização e da legislação ambientais que ele afirma ter se iniciado com o novo governo. Usar temas econômicos como moeda de troca, como foi o caso do acordo entre Mercosul e União Europeia, seria uma estratégia eficiente nesse sentido.
Enquanto isso, o cenário que era de mudança climática se encaminha cada vez mais para o de "emergência climática" global. Nas condições atuais, o planeta vai aquecer em média 3,5ºC. No caso do Brasil, "vamos ver o Nordeste se desertificar totalmente nos próximos 30 anos, vamos ver alterações profundas no bioma amazônico e mudanças climáticas sem precedentes nos últimos 10 milhões de anos".
"Isto vai ocorrer. O que nós podemos fazer é minimizar esse cenário."
A entrevista é de Camilla Veras Mota, publicada por BBC Brasil, 01-07-2019.
Como o senhor avalia a agenda ambiental nesses seis meses de governo Bolsonaro?
A mesma coisa que o Trump fez nos EUA. Basicamente desmontar toda a legislação ambiental - que, no Brasil, foi construída a duras penas ao longo dos últimos 30 anos, incluindo Código Florestal e assim por diante -, e desmontar toda a estrutura de fiscalização do Ministério do Meio Ambiente.
Porque este governo tem como uma das principais bandeiras o não cumprimento da lei. Nós temos um governo que a todo momento diz: 'Olha, não vamos cumprir a lei, essa lei não vale, essa lei não é boa'. Seja de cadeirinhas para criança no carro, seja o cadastro ambiental rural na Amazônia (o presidente editou em junho Medida Provisória extinguindo o prazo para os proprietários de terra fazerem o cadastro).
Então, a lei que eles não gostam não é pra ser cumprida. É a primeira vez no Brasil a gente tem um governo que vai contra sua própria razão de existência, que é dar um ordenamento jurídico para um país como o Brasil.
Em termos de medidas concretas, em que consiste esse desmonte ao qual o sr. se refere?
O principal é você estimular ações violentas no campo. O atual governo está fazendo isso, primeiro, por meio da não repressão quando esses atos violentos ocorrem.
O Brasil hoje é campeão de ações que matam ambientalistas, aqueles que lutam pelo direito da terra, ações contra populações indígenas e assim por diante. O que a gente vê é uma fração muito pequena do que está ocorrendo no campo, que é o que acaba saindo na grande imprensa.
A segunda questão é a destruição de todo o sistema de fiscalização ambiental no Brasil. O Ibama tinha, por exemplo, um sistema chamado Prevfogo, de prevenção de queimadas, que tinha centenas de funcionários há um ano e hoje está reduzido a algumas dezenas de pessoas para cuidar do combate a queimadas na Amazônia.
É um sistema que, mesmo que o Brasil no ano que vem retome a necessidade de combater queimadas, basicamente todas as pessoas que estavam lidando com isso foram dispensadas.
O governo fala, nesses casos, que isso é reflexo da falta de recursos, que acaba afetando todos os ministérios...
O Brasil é a nona economia do planeta e não existe essa questão de falta de recursos. Falta de recursos é uma justificativa para você implementar a sua própria agenda. Por que não faltam recursos para pagar os juros da dívida? Por que não faltam recursos para financiar a produção agropecuária brasileira? Por que não faltam recursos para se dar subsídios às indústrias?
E faltam recursos para manter um sistema como o Prevfogo, que custa absolutamente nada para o país, mas que foi desmantelado. O discurso de falta de recursos não existe. O problema é onde você aloca os recursos. É a mesma coisa nos EUA. O Trump desmontou toda a estrutura da EPA (Environmental Protection Agency). É falta de dinheiro? Não. É ideologia.
O sr. elencou então como segundo ponto esse desmonte da estrutura de fiscalização...
Fiscalização e legislação. Aí entra, por exemplo, o desmonte do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente, criado em 1981 e do qual o físico faz parte), da estrutura de monitoramento e acompanhamento das mudanças climáticas globais, que antes era dividido entre Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério do Meio Ambiente e Itamaraty.
Se você vai hoje nesses três órgãos e pergunta quem cuida da questão climática no país, você não encontra ninguém. Toda a divisão de clima do MCTI não existe mais.
É um desmonte que, para se refazer toda essa estrutura num próximo governo, vai demorar de 10 a 20 anos, realisticamente.
Do ponto de vista ambiental, que tipo de consequência de médio e longo prazo essa política pode acarretar? Pode haver algum tipo de dano irreversível?
Pode não, já está tendo. O desmatamento na Amazônia já está aumentando, porque todos os mecanismos de combate foram desmantelados.
Não são problemas futuros - é no presente. A questão de agrotóxicos. Vamos ter algum problema no futuro? Não, estamos tendo no presente. São quase 250 novos agrotóxicos, inclusive que são proibidos em outros países, aprovados nesses seis meses. Não é no futuro, é prejuízo hoje, que já está ocorrendo.
Existe uma conta de que o "ponto de não retorno" para a Amazônia, a partir do qual a floresta entraria em autodestruição, seria um desmatamento de 40% de sua área. O quão distante estamos desse limite?
Ontem (26/6) o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) soltou um novo número de quanto da floresta original foi desmatada.
Nós desmatamos 20% - 20% de 5,5 milhões de km² é uma área absurdamente grande. Estimativas de cálculos do Carlos Nobre, do Thomas Lovejoy mostram que, se você desmatar 40% da floresta, basicamente o restante não tem condições de sustentar o funcionamento de um ecossistema de uma floresta tropical chuvosa.
E aí todo o carbono que está armazenado naquela floresta vai para atmosfera, agravando em muito e acelerando em muito as mudanças climáticas.
Nós não estamos falando de um aspecto trivial ou de um aspecto que não tenha impacto sério sobre o clima do planeta. É uma questão absolutamente crucial para a estabilidade do clima do planeta - assim como reduzir as emissões de combustíveis fósseis dos países desenvolvidos, em particular dos EUA.
Então estamos no meio do caminho?
Isso, estamos no meio do caminho. E o restante do caminho pode acontecer nos próximos oito anos, durante dois mandatos de governo Bolsonaro.
No ritmo atual, essa é uma possibilidade real?
Não há menor dúvida. A única coisa que pode impedir isso é pressão internacional. É o que a Merkel está fazendo essa semana (a chanceler alemã declarou, em sessão do Parlamento, estar "muito preocupada" com a atuação do presidente brasileiro na área ambiental, disse considerar a situação "dramática" e afirmou que conversaria sobre o tema com Bolsonaro durante a cúpula do G20).
Mesmo pressão interna não é suficiente, não tem força.
O caminho é esse então, usar como moeda de troca temas econômicos importantes, como o acordo Mercosul-União Europeia?
Claro.
Nesse sentido, o governo tem questionado o Fundo Amazônia. O ministro do Meio Ambiente chegou a entrar em atrito com a Noruega, um dos principais mantenedores do fundo, afirmando que não há indicativo de que ele tenha ajudado a reduzir o desmatamento e apontando problemas em contratos com ONGs. Faz sentido a análise do ministro?
Veja, o ministro não fez uma análise. Ele primeiro acusou o Fundo Amazônia, sem qualquer comissão que fizesse análise de cada projeto que estava sendo executado, de estar desviando recursos. Por que isso? Porque o Fundo Amazônia é o único instrumento em funcionamento hoje trabalhando pela sustentabilidade e preservação da Amazônia. Não existe qualquer outro recurso financeiro para isso.
Segundo aspecto: o Fundo Amazônia tem mais de R$ 300 milhões depositados no BNDES esperando para ser gastos. O que o ministro quer é passar a mão nesses R$ 300 milhões. Este dinheiro está aqui, já foi doado, é muito difícil para Noruega e para Alemanha pedirem esse dinheiro de volta. Mesmo que eles cortem futuros investimentos no fundo, este já foi feito.
Tomando a própria Noruega, entretanto, a gente tem o caso recente da mineradora Hydro Alunorte, que despejava rejeitos em nascentes amazônicas por meio de um duto clandestino. A posição do país para cobrar uma política ambiental responsável do Brasil não fica comprometida?
Você tem que separar uma questão de macropolítica ligada com mudanças climáticas globais com questões específicas de uma, duas ou três empresas. É evidente que as empresas, inclusive as alemãs no Brasil, se aproveitam da fraca legislação ambiental brasileira. A mesma coisa com Noruega, EUA, França.
Nesse caso específico o governo norueguês também é acionista.
Não importa isso, é uma empresa. Isso ocorre sim. E a culpa disso não é deles, é nossa. Nós é que temos que ter uma legislação que proteja a população brasileira de questões como Brumadinho etc. O erro não é deles, é nosso, da fraqueza da nossa legislação em proteger a economia e a população brasileira.
Qual é a maneira mais eficiente de se controlar desmatamento?
Controlar desmatamento é muito, muito, muito simples. Temos todas as ferramentas para isso. Um sistema de monitoramento de queimadas que não existe em nenhum outro lugar do mundo - o sistema do INPE funciona, é extremamente eficiente e foi aprimorado e validado com experimentos de campo ao longo dos últimos 20 anos.
Com o cruzamento agora com o MapBiomas, com o cruzamento com o cadastro ambiental rural e dados de propriedade de terra, a gente não sabe só onde mas quem está desmatando. O Brasil, se quiser zerar o desmatamento, pode fazer isso no ano que vem. Não falta nenhuma tecnologia para isso, basta vontade política.
(Entre 2004 e 2012) nós conseguimos reduzir o desmatamento de 24 mil km² por ano para 4 mil km². Esses 4 mil km² em 2013/2013 estão hoje em 8 mil km² e, em 2019, vai ser um número próximo de 10 mil km² de floresta desmatada.
O ministro Ricardo Salles defende a geração de emprego para as comunidades locais, uma alternativa à exploração ilegal da floresta, como caminho para reduzir o desmatamento. Faz sentido?
Faz. Inclusive um dos principais projetos do Fundo Amazônia, executado pelo Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (Ipam), trabalhou quatro anos exatamente nesta direção: como dar uma vida decente com recursos para populações ribeirinhas de tal maneira que eles não precisem se deslocar e continuar desmatando.
Com isso, você ataca um dos aspectos do desmatamento, que é uma questão muito mais complexa e envolve grandes empresas agropecuárias, mineração, empresas de extração de madeira e também pequenos sitiantes e pequenos proprietários de terra.
Esse projeto do Ipam foi de extremo sucesso, evitou um desmatamento enorme porque deu perspectiva, renda e assessoria técnica para pequenos produtores do sul do Pará. Um minúsculo investimento de R$ 2 milhões ou R$ 3 milhões traz um retorno enorme para a comunidade e para o Brasil.
É possível achar um caminho de sustentabilidade para a Amazônia com uma renda decente para os 20 milhões de brasileiros que vivem na região amazônica? A resposta clara é sim. Mas, para isso, você precisa de políticas públicas consistentes, de longo prazo.
O governo tentou tirar a Funai do Ministério da Justiça, o Congresso decidiu mantê-la na pasta. O presidente editou então nova Medida Provisória, transferindo a competência da demarcação de terras para a Agricultura, mas a medida foi suspensa pelo STF. Como o senhor avalia essa queda de braço?
Não importa onde a Funai vai ficar, na minha opinião. Pode ficar na Agricultura, pode ficar na Justiça, no Meio Ambiente, em qualquer lugar. Mas, se for uma Funai fraca, inoperante, com dez funcionários para cuidar de centenas de reservas indígenas... Não faz a menor diferença.
O que é mais importante é a política do governo de realmente destruir a população indígena brasileira. Isto é explícito.
Esse embate, se fica na Agricultura, se fica na Justiça, na minha opinião, não é importante. O que a gente quer é uma Funai forte, que efetivamente proteja a população indígena, que dê assistência a essa população indígena, que a proteja de mineradores, de ataques de latifundiários, das milícias que atuam na Amazônia, do crescente tráfico de drogas que está entrando forte na Amazônia, através das fronteiras com a Colômbia, Bolívia e Peru. E isto não está ocorrendo.
No meio dessa polêmica da Funai a gente vê circulando gráficos mostrando que as áreas de reservas indígenas são aquelas em que...
A floresta é mais preservada. Isso é real, você mede por satélite, fácil. É exatamente por isso que os indígenas estão sendo atacados, porque eles conseguem preservar adequadamente as suas fronteiras.
O governo ameaçou retirar o Brasil do Acordo de Paris, mas voltou atrás. O senhor viu isso como sinalização positiva?
Sair ou não sair, na minha opinião, é uma questão meramente semântica. Se você não cumprir as metas, tanto faz - que é do que o Trump acabou sendo convencido. Para quê sair do Acordo de Paris? É só não cumprir as metas - não tem punição pra ninguém. É irrelevante a questão de sair ou não sair, se você não tem uma política para cumprir os compromissos internacionais do país na área ambiental e energética.
O ministro falou que todas as metas serão cumpridas...
Dependendo de como você calcula o cumprimento dessas metas... O Brasil se comprometeu a reflorestar 12 milhões de hectares. As florestas abandonadas estão nesse critério? Se for, nós já cumprimos. Mas será que a promessa foi feita nessa direção? Não, ela foi feita na direção de fomentar novas áreas com plantio para retirar CO2 na atmosfera. E isso não está sendo feito.
Outros tópicos vão ser também igualmente difíceis. Por exemplo, ter um aumento significativo da fração de energias alternativas, solar e eólica, na matriz energética brasileira. Isso está sendo cumprido, mas de forma muito mais lenta que o necessário.
A principal promessa, que é reduzir o desmatamento ilegal a zero até 2025... Neste ano, nós desmataremos 10 mil km² de florestas virgens. Isto não tem como ser cumprido. Nós não vamos cumprir as nossas metas.
Ainda no caso do Acordo de Paris, chegou-se a dizer que o governo reviu sua posição por pressão do próprio agronegócio, que tem feito contraponto a alguns aspectos da política ambiental bolsonarista...
Assim como na sociedade brasileira, é importante a gente perceber que existem duas correntes antagônicas, no governo e no agronegócio, que estão radicalmente divididas.
Assim como a sociedade brasileira acabou sendo dividida por esse discurso do ódio e da violência. Tem uma corrente do agronegócio que diz: 'Vamos ocupar a Amazônia o mais rápido possível, enquanto a gente pode, vamos derrubar tudo o que for possível, sem qualquer fiscalização, sem qualquer punição, sem qualquer mecanismo estatal de controle'. Essa é uma corrente.
A outra corrente é a que diz: 'Olha, essa estratégia vai nos prejudicar, prejudicar a imagem do agronegócio brasileiro no estrangeiro, e daqui a pouco vai ficar difícil a gente exportar até para a China, porque nós podemos ser acusados de predadores do meio ambiente' - e isso não é um bom negócio pro Brasil.
Essas duas correntes estão representadas hoje no Congresso?
Sim. Obviamente, a primeira é atualmente predominante, claramente. Então nós temos que trabalhar para construir políticas públicas para diminuir a velocidade da destruição da floresta amazônica, já que o próprio presidente tem uma política de destruir o mais rápido possível a maior parcela possível da floresta.
O senhor acha que há risco de o Acordo de Paris virar um Protocolo de Kyoto, não ver as metas cumpridas e se tornar uma frustração no futuro?
Não é questão de ser frustração. Existe um problema grave na questão das mudanças climáticas globais - a falta de governança. Essa história do fracasso de Kyoto... Não é fracasso. Seria impossível, sem um sistema de governança global que funcione, você atingir as metas de Kyoto - assim como vai ser impossível atingir as metas do Acordo de Paris.
Quem vai punir os EUA pelo não cumprimento das metas? Quem vai punir o Brasil? Que tribunal vai julgar isto? Quem vai aplicar essas sanções? Isso tudo não existe. Isso tudo vai ter que ser construído do zero.
Nós temos que fazer o pós-Acordo de Paris ser um acordo com vinculação, ou seja, onde haja penalidades claras para os países que não cumprirem as suas metas. Por enquanto, nós estamos brincando de reduzir emissões. Mesmo se todas as metas do Acordo de Paris forem cumpridas, o planeta se aquece ainda 2,7ºC, em média, o que em áreas continentais significa um aumento de 3,5ºC.
Ou seja, nossa geração ainda vai ver uma situação de catástrofes...
Não é catástrofe. É importante dizer o seguinte: isso não está colocando em risco a nossa existência (como humanidade).
Eu não gosto de chamar de catástrofe. Nós vamos ver o planeta se aquecendo, em média, 3,5ºC, vamos ver o Nordeste se desertificar totalmente nos próximos 30 anos, vamos ver alterações profundas no bioma amazônico e mudanças climáticas sem precedentes nos últimos 10 milhões de anos. Isto vai ocorrer. O que nós podemos fazer é minimizar esse cenário. O próximo acordo pós-Paris vai ter que lidar com esse cenário.
Por isso que, nas últimas semanas, vários países estão dizendo que a gente está entrando em uma "emergência climática". Caiu a ficha. A Islândia vai proibir a venda de carros a gasolina, diesel ou qualquer combustível fóssil a partir de 2025. Noruega também.
Outros países estão tentando ganhar o máximo de dinheiro possível agora, antes que esse cenário aconteça - como os EUA.
O senhor fala de cair a ficha, mas a questão ambiental mobiliza menos a sociedade civil do que outros temas. Os cientistas estão falando de impactos negativos sérios na vida das pessoas no médio prazo e, ainda assim, não há uma pressão social importante pra que os governos tomem uma atitude pra tentar evitar esse cenário.
Veja, você acha que as pessoas têm consciência do que significa você dar uma arma na mão de cada um dos brasileiros? Acha que as pessoas têm consciência disso? Não. São coisas que estão no dia a dia delas, violência urbana, e as pessoas votaram por isso. Tá respondido.
Não adianta então ficar mostrando mapa com as capitais litorâneas do Brasil submersas...
Não. Mas, para a Ciência, é muito claro. O nível do mar vai subir 1,5 metro até 2050, 2070. A praia de Copacabana que você vê hoje vai ser coisa do passado. Não há menor dúvida - e esse processo é irreversível faça o que você quiser fazer com o Acordo de Paris. Vamos falar português bem claro.
Sua visão como cientista então, diante desse cenário, é otimista ou pessimista?
Esse negócio de a imprensa ficar procurando heróis e vilões, ser otimista ou pessimista... Não existe isso. A sociedade tem uma dinâmica complexa, que é dirigida não por desejo das pessoas, mas pelo interesse econômico. Quem vai mandar nisso é o dinheiro.
Um grupo de 477 investidores que administram um patrimônio total de US$ 34 trilhões assinou uma carta aberta aos governos falando que nós precisamos urgentemente apertar as metas do Acordo de Paris, fazer medidas concretas e mensuráveis pra diminuir as emissões já.
Por que eles estão fazendo isso? Não é porque eles são bonzinhos. Eles têm uma única preocupação: como é que eu vou continuar ganhando dinheiro? Uma fração dos bilionários percebeu que eles estão correndo um risco enorme.
Agora voltando para a sua pergunta, não é questão de ser otimista ou pessimista, você tem que ser realista: nem um lado, nem outro. O que a realidade está nos mostrando é que a gente está realmente acelerando as mudanças climáticas, os eventos climáticos extremos, isso já está tendo um impacto econômico e social enorme na nossa sociedade, e isso vai se intensificar muito e em um futuro muito próximo, nos próximos cinco ou dez anos.
Isto vai trazer recessão econômica, tensões enormes entre os países. Hoje você tem uma região do Oriente Médio que é semiárida. Quando essa região ficar desértica, com cinco graus acima do que é hoje, o que vai acontecer com as migrações para a Europa? O que a gente está vendo hoje é uma amostra grátis do que vai vir nos próximos dez anos. Esta ficha está caindo.
Ainda assim, líderes como o presidente americano não acreditam...
Essa questão do "acredito" também me deixa doente em qualquer debate. Não é religião, nós estamos falando de Ciência. Você pode acreditar em Deus, acreditar ou não na sua mulher, isso é irrelevante. O que nós estamos observando cientificamente é que estamos mudando fortemente e rapidamente o clima do nosso planeta. Ponto.
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Desmonte sob Bolsonaro pode levar desmatamento da Amazônia a ponto irreversível, diz físico que estuda floresta há 35 anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU