13 Março 2024
Fogo amigo contra o Papa Francisco que agita a “bandeira branca”, ou seja, afirma que na Ucrânia, mas também na Palestina, em vez da obstinação de combater para vencer, o que é preciso é a coragem de “negociar” para alcançar paz.
A reportagem é de Luca Kocci, publicada por Il Manifesto, 12-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os últimos a disparar contra o pontífice foram o secretário-geral da OTAN, Stoltenberg, o presidente dos EUA, Biden, e o chanceler alemão Scholz com a ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Baerbock.
Putin “começou essa guerra e poderia acabar com ela hoje, mas a Ucrânia não tem essa opção."
Render-se não é paz. Temos que continuar a fortalecer Kiev, para demonstrar a Putin que não conseguirá o que deseja", "se quisermos encontrar uma solução negociada duradoura e pacífica, devemos garantir o fornecimento de apoio militar à Ucrânia”, disse ontem Stoltenberg– sem nomear Bergoglio, mas referindo-se claramente a ele - à margem da cerimônia em Bruxelas para a entrada oficial na Aliança Atlântica da ex-neutra Suécia, um ato que certamente não aliviará as tensões com Moscou, aliás contribuirá para aumentá-las.
Depois foi a vez de Biden, pela porta-voz do Conselho de Segurança nacional UEA, que informou à Ansa que “o presidente Biden tem grande respeito pelo Papa Francisco", mas "a paz na Ucrânia poderia ser alcançada se a Rússia decidisse pôr fim a essa guerra injusta e não provocada e retirasse as suas tropas". Ainda mais explícita, Baerbock: “Realmente não entendo o pontífice, se não mostrarmos força agora, não haverá paz”. E um porta-voz do governo alemão informou que nem mesmo o Chanceler Scholz partilha o apelo do Papa Francisco para escolher o caminho da negociação.
As reações negativas de Kiev foram óbvias, convocando o embaixador do Vaticano na Ucrânia, o núncio apostólico Kulbokas. No domingo à noite, falando à nação, o Presidente Zelensky disse que a verdadeira igreja cristã é aquela que está no front (“Agradeço a cada capelão ucraniano que está no exército, na linha da frente” protegendo “a vida e a humanidade”) e não aquele que está “a 2.500 quilômetros de distância (ou seja, no Vaticano, ndr), para realizar uma mediação virtual entre quem quer viver e quem quer te destruir”. “Alguém jamais falou sobre negociações de paz com Hitler e de bandeira branca para satisfazê-lo?”, perguntou retoricamente o embaixador ucraniano junto à Santa Sé, Yurash. E o chefe da Igreja greco-católica Ucraniana, Dom Shevchuk: “Na Ucrânia ninguém tem a possibilidade de render-se. E para aqueles que olham com ceticismo para a nossa capacidade de resistência, dizemos: venham para a Ucrânia e verão”.
O verbo chave parece ser “render-se”, mas Bergoglio, na entrevista à Radiotelevisão da Suíça italiana (RSI), cujos conteúdos foram antecipados na noite de sábado, nunca o pronunciou, e a expressão “bandeira branca” foi retomada da imagem proposta pelo apresentador da entrevista dedicada às cores, que para a ocasião era o branco.
O Papa, porém, usou o verbo “negociar”, como aliás vem fazendo há dois anos – e enviou o cardeal Zuppi como negociador a Kiev, Moscou, Washington e Pequim –, ao lado da reiterada condenação da agressão russa contra a Ucrânia. “Precisamos ter a coragem de negociar”, disse ele à RSI, “não tenham vergonha de negociar antes que as coisas piorem”. E é precisamente a negociação, disfarçada com uma bandeira branca que cheira a rendição inaceitável, o alvo dos ataques ao pontífice por parte daqueles que nunca quiseram praticar nem imaginar tal negociação, porque continuam a pensar no mundo dividido em dois e gostariam que o papa usasse um capacete com as cores de uma das duas partes.
Leia mais
- A ira dos ucranianos após as palavras do Papa. “Nunca levantaremos a bandeira branca”
- “Francisco sofre pelas vítimas e pede para abrir caminhos de diálogo”. Entrevista com Visvaldas Kulbokas, núncio apostólico na Ucrânia
- Ucrânia. “A negociação só incomoda quem divide o mundo em dois”. Entrevista com Antonio Spadaro
- Ucrânia. “Bandeira branca”. ‘A palavra negociar é uma palavra corajosa’, afirma o Papa Francisco
- O Papa, a Ucrânia, a “bandeira branca”
- “O Papa pede para a Ucrânia a coragem de negociar”
- A guerra na Ucrânia: não tenham vergonha de negociar. Entrevista do Papa Francisco
- “A Ucrânia não pode vencer a guerra”. Entrevista com Alberto Negri
- Conflito na Ucrânia: o Papa e a “primazia” da paz. Artigo de Andrea Riccardi
- “Não é uma guerra entre a Rússia e a Ucrânia, é uma guerra pela reorganização da ordem mundial”. Entrevista com Maurizio Lazzarato
- Crise Rússia-Ucrânia, o Papa Francisco conversará com Putin por telefone
- Papa Francisco: chorei porque a Ucrânia “é uma grande derrota para a humanidade”
- “Propaganda imperialista? Francisco rejeita firmemente estas interpretações”. O Vaticano responde às acusações feitas contra o Papa por Kiev e pela Igreja Ucraniana
- “Papa Francisco está buscando meios de acabar com a guerra na Ucrânia”. Entrevista com Pietro Parolin
- Francisco reiterou sua oferta de mediação do Vaticano na Ucrânia
- Francisco denuncia os bombardeios contra civis na Ucrânia
- Ucrânia, o Papa está isolado: ninguém na União Europeia concorda com sua proposta de cessar-fogo
- O Papa Francisco envia os cardeais Krajewski e Czerny à Ucrânia. Santa Sé detalha a missão
- O ocaso da Rússia pós-soviética com a guerra na Ucrânia: o Papa Francisco foi profético. Artigo de Marco Politi
- Francisco: diante da loucura da guerra rezamos pela paz na Ucrânia
- Ucrânia, Papa Francisco convidado a Kiev pelo prefeito: “Sua presença poderia salvar vidas humanas”
- Guerra na Ucrânia: Francisco pede uma “trégua pascal”
- Sobre a Ucrânia, o Papa Francisco está isolado… ou à frente de seu tempo?
- Francisco: “Nesta noite de Natal, pensemos nas crianças da Ucrânia, elas trazem sobre si o peso desta guerra”
- Papa Francisco e a Ucrânia, 12 meses depois. Entrevista com Massimo Faggioli
- Guerra na Ucrânia: “Francisco não quer ofender o agressor para manter aberto o caminho do diálogo”
- Ucrânia, Francisco: o possível homem da mediação. “Preservar o mundo da loucura da guerra”: 2 de março de oração e jejum
- Ucrânia, Papa Francisco mais próximo da China do que do Ocidente: por isso o pontífice é pró-Brics, diz editor da revista Crux
- Guerra na Ucrânia, Papa Francisco não desiste: “Encontro Putin-Zelensky”
- Poderá o Papa Francisco promover a paz na Ucrânia? Artigo de Thomas Reese
- Guerra na Ucrânia: “A retórica religiosa é blasfematória”. Artigo de Antonio Spadaro
- O cardeal Zuppi encontra apenas um funcionário de nível médio no Kremlin e trabalha para repatriar 20.000 crianças ucranianas
- Os bastidores da estratégia do Vaticano na Guerra Rússia-Ucrânia
- O que faz da Ucrânia diferente: democracia x império
- O mundo pede a paz. Como acabar com a guerra na Ucrânia
- A guerra na Ucrânia está “legalizando” a atividade dos mercenários
- Arcebispo de Kiev: os ucranianos estão exaustos por uma guerra que não tem fim
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O costumeiro “negociar” do Papa tornou-se “rendição” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU