27 Fevereiro 2024
"Dois anos se passaram. Dois anos desde a invasão da Ucrânia pelo exército da Federação Russa. Vocês se lembram do começo? Dramático e esperado: sabia-se que a ladeira escorregadia da violência que já durava desde 2014 teria levado à guerra. Mesmo que parecesse impossível: às vezes nos iludimos pensando que no fim ‘vai dar tudo certo’. Mas nem tudo correu bem. Na vigília pela paz no segundo aniversário do conflito, o cardeal Matteo Zuppi pergunta-se em tom angustiado: É realmente tão necessária a dor a que estamos testemunhando? Fizemos tudo o que podíamos para obter a paz?".
A entrevista é de Domenico Agasso, publicada em “La Stampa”, 24-02-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Participamos junto com os fiéis do encontro de oração na igreja de San Ruffillo, onde o arcebispo de Bolonha está em visita pastoral: “As atrocidades e o sangue derramado já não são mais suportáveis. Cada dia que passa significa muito mais mortos. Famílias devastadas. Vida destruída”.
À margem da função, o Presidente da Conferência Episcopal Italiana (CEI), encarregado pelo Papa Francisco na missão de reconciliação para pôr fim às hostilidades na Europa Oriental, ao conversar com La Stampa, explica que a atividade diplomático-humanitária da Santa Sé “está continuando. Nossa esperança é que os tempos se acelerem”. Zuppi ressalta que “devemos um grande agradecimento ao núncio apostólico em Kiev, monsenhor Visvaldas Kulbokas, e ao núncio em Moscou, Monsenhor Giovanni D'Aniello: estão em contato contínuo entre si e com os responsáveis das duas partes para tentar criar um clima propício ao diálogo e verificar todas as listas e caminhos que facilitam, como já aconteceu, o reencontro familiar das crianças ucranianas". Afinal, Maria Llova-Belova, a comissária russa para os direitos da criança, quis agradecer à diplomacia vaticana pela participação no processo de reencontro. Enquanto o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, concedeu a honra da Ordem do Mérito ao cardeal secretário de Estado do Vaticano Pietro Parolin e ao próprio Zuppi "pela sua significativa contribuição pessoal para o fortalecimento da cooperação entre os países, o apoio pela soberania de estado e pela integridade territorial da Ucrânia, pela divulgação do Estado ucraniano no mundo".
Os jornais franceses Agence France Presse, Le Monde e La Croix escreveram que o enviado especial do Pontífice poderia ir a Paris, convidado pelo Presidente Emmanuel Macron, depois de Kiev, Moscou, Washington e Pequim.
A data de hoje “nos pressiona ainda mais a trabalhar pela paz. Não podemos nos acostumar e nos resignar à guerra!”
Zuppi assegura que “o plano humanitário desejado pelo Pontífice continua”. Anteontem o Chefe dos bispos italianos encontrou-se com 11 crianças ucranianas em Roma: elas vêm do orfanato de Kharkiv, na fronteira com a Rússia. Elas vivem - sobrevivem - juntamente com cerca de oitenta outras num bunker, porque a sua área está exposta a bombas e mísseis. Na vigília o Cardeal reitera o empenho da CEI para que “muitas crianças ucranianas possam vir à Itália passar férias em famílias ou estruturas. Já estamos trabalhando com o governo ucraniano, através dos embaixadores, do Núncio e da Caritas para os acordos”.
O Alto Prelado encoraja “a cuidar de quem sofre. Com solidariedade e ajuda concreta. E acolhimento: gostaríamos que muitas crianças, adolescentes e órfãos viessem neste verão para o nosso país por um período de paz, no qual possam ver o mundo como queremos que seja. Com um amor que também possa ser um bálsamo para curar as feridas das suas almas. Com proximidade, sem muitas palavras, usando a linguagem universal: sorrir, brincar, olhar nos olhos, comunicar afeto. Tudo isso não precisa de tradução, as crianças e os jovens o compreendem muito bem". E além disso, “como exortou o Papa, devemos unir as nossas lágrimas às delas. E dizer que não há um dia em que não estejamos próximos delas, pelo menos com a oração e a compaixão. Francisco afirma: “A sua dor é a minha dor”. Isso é compaixão. Isso é não ser indiferentes". Zuppi retoma outra passagem do Bispo de Roma: “Retornam à minha lembrança muitas histórias trágicas de que fiquei sabendo. Em primeiro lugar aquelas dos mais pequenos: quantas crianças mortas, feridas ou que ficaram órfãs, arrancadas das suas mães! Eu choro com vocês pelos pequenos que, por causa dessa guerra, perderam a vida”. No sofrimento de “cada um deles, toda a humanidade é derrotada”. E depois relata as palavras de Dostoievski: “’Nenhum progresso, nenhuma revolução, nenhuma guerra poderá jamais valer uma única lágrima de uma criança. Sempre pesará’. É por isso que somos todos chamados a parar e sermos artesãos da paz, diante daquelas pequeninas lágrimas de cada criança”.
Olhar com os olhos de alguém que enfrentou a guerra “quando criança é a melhor maneira de decifrá-la. Para entender a vida. Seu valor inestimável. E também para escolher o único lado que é preciso escolher: aquele da mãe, defendendo os mais frágeis, combatendo o mal com o bem. Temos que ver sempre a guerra através dos olhos das crianças. As crianças nos ajudam a identificar a diferença entre o bem e o mal”.
O Prelado exorta-nos a “lembrar – apesar da tentação de uma polarização que nada tem a ver com a compreensão dos problemas – que todas as guerras são sempre fratricidas. São sempre Caim que mata seu irmão Abel. E não se deve absolutamente confundir as responsabilidades, que são bem claras e devem ser especificadas para encontrar a paz, cada vez mais necessária”. Até porque “a maioria das vítimas são civis. E, infelizmente, na Ucrânia, assim como na Faixa de Gaza, existem muitos. Muitos. É um escândalo. Um escândalo do qual todos temos que nos conscientizar”.
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“Atrocidades insuportáveis, mas o Papa acredita na paz”. Entrevista com Matteo Zuppi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU