28 Setembro 2024
Nosso fetiche pelo crescimento surge a partir de transformações materiais e culturais, e o mesmo acontecerá com o decrescimento.
O artigo é de Matthias Schmelzer, Aaron Vansintjan e Andrea Vetter, publicado por El Salto, 26-09-2024.
Matthias Schmelzer é um historiador econômico, teórico social e ativista climático residente em Berlim. Trabalha na Universidade Friedrich-Schiller de Jena e participa de redes e movimentos socioecológicos. Publicou The Hegemony of Growth e editou Degrowth in Movement(s).
Aaron Vansintjan vive em Montreal e escreve sobre gastronomia, cidades, política e ecologia. É cofundador do Uneven Earth, site dedicado à política ecológica. Publicou artigos no The Guardian, Briarpatch Magazine, Red Pepper, Truthout, Open Democracy e The Ecologist.
Andrea Vetter é pesquisadora, ativista e jornalista sobre transformação, e trabalha com decrescimento, bens comuns e ecofeminismo crítico como ferramentas. Ensina design da transformação na Universidade de Arte de Braunschweig. É editora da revista Oya e cofundadora da Casa do Cambio, um espaço rural transregional para arte, aprendizado e cocriação no leste da Alemanha.
O seguinte texto é um fragmento modificado do livro "The Future Is Degrowth: A Guide to A World Beyond Capitalism" [O futuro é decrescimento: guia para um mundo mais além do capitalismo], publicado em 2022 pela Verso Books. O livro constitui, em sua totalidade, uma das descrições mais detalhadas que existem atualmente das ideias que sustentam o movimento social do decrescimento. O objetivo deste movimento é substituir o crescimento econômico como principal critério do progresso econômico por vários conceitos de bem-estar comunitário, uma vez que o crescimento está irremediavelmente vinculado a um maior desempenho biofísico (ou seja, a um maior esgotamento dos recursos e uma maior produção de resíduos por parte da humanidade) e, portanto, à destruição ecológica.
Partindo dos ensinamentos da economia ecológica, a corrente decrescentista defende a redução do consumo global dos países ricos mediante a substituição do consumismo individualista pelo luxo comunitário (substituindo o automóvel pelo transporte público, por exemplo) e uma regulação rigorosa da produção e das emissões (com medidas como a redução da semana de trabalho, o direito à reparação e a localização das cadeias de suprimento), ao mesmo tempo em que defende a ajuda tecnológica como reparação pós-colonial aos países mais pobres (menos responsáveis pelo aquecimento global e mais vulneráveis a ele), para que possam se desenvolver sem recorrer a combustíveis fósseis.
Neste fragmento, os autores traçam as origens profundas da história da ideologia do crescimento por meio de transformações materiais e culturais que guardam uma estreita relação com o auge do capitalismo na Europa, ao mesmo tempo em que desafiam suas premissas e valores, mesmo quando estes adotam uma aparência socialista. O decrescimento é uma das muitas estruturas teóricas emergentes que competem por maior influência dentro da esquerda ecosocialista (outras são o socialismo de meio planeta, a ecologia social e o desenvolvimentismo verde). Todos os editores concordamos e discordamos em maior ou menor medida com essas e outras perspectivas de esquerda sobre a crise ecológica, mas reconhecemos que o decrescimento é uma parte integral do panorama e que a esquerda ainda não conseguiu propor um debate sério e sincero sobre essa visão. Por esse motivo, publicamos este fragmento, com a esperança de que sirva de incentivo para impulsionar uma conversa sobre este assunto. Nossa intenção é examinar o leque completo de pontos de vista democráticos e socialistas sobre esta questão existencial ao longo dos próximos anos.
O futuro é decrescimento: guia para um mundo mais além do capitalismo, livro de Matthias Schmelzer, Aaron Vansintjan e Andrea Vetter
É surpreendente pensar que o conceito de crescimento econômico remonta apenas à década de 1940. Antes dessa data, a ideia de que uma economia deveria crescer ou mesmo a mera existência de algo chamado economia eram estranhas para quase todos. Tudo isso mudou após a Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos tiveram que enfrentar o ressurgimento dos movimentos operários em seu próprio país e a pressão dos países comunistas e dos movimentos de libertação nacional no exterior. Foi precisamente nesse contexto que foi introduzido o Produto Nacional Bruto (algo que mais tarde passaria a ser conhecido como Produto Interno Bruto ou PIB) para medir a atividade econômica e o sucesso da acumulação capitalista, cujo discurso acabou sendo vinculado à ideia de progresso e modernidade. O crescimento econômico, tal como refletido no PIB, tornou-se então um dispositivo ideológico com o qual a elite poderia adiar as reivindicações da classe trabalhadora organizada (“não podemos redistribuir a riqueza até que não cresçamos”), comparar países capitalistas com socialistas (“o experimento socialista é um fracasso porque esses países não crescem tanto quanto seus vizinhos capitalistas”) e impor ajustes estruturais ao Sul global (“não podemos conceder empréstimos até que não desmantelam os ativos e os serviços públicos de seus países para estimular o crescimento”).
Mas o crescimento é muito mais do que um aumento do PIB. De fato, o PIB não é mais do que a ponta do iceberg, o fenômeno superficial de todo um conjunto de processos sociais relacionados à acumulação capitalista que impulsionam o crescimento e fluxos biofísicos cada vez maiores. Se queremos contemplar o papel global que o crescimento desempenha em nossas vidas, devemos remontar muito antes do século XX, aos primórdios da Ilustração. Durante essa época, a ideia de que homens brancos eram superiores e podiam controlar a natureza em nome do progresso chegou a justificar o saque das colônias, a dominação das mulheres e a exploração da natureza. Essa foi a ideia que, por sua vez, propiciou a invenção do crescimento econômico da era neoliberal e neocolonial contemporânea.
No presente ensaio, expomos as raízes ideológicas do crescimento. Analisamos o crescimento como um processo social, como um conjunto específico de relações sociais derivadas da acumulação capitalista, que não só fomentam a propagação do capitalismo, mas que também atuam como um dos principais mecanismos estabilizadores da sociedade moderna. As ideias de emancipação e progresso foram associadas intimamente ao crescimento econômico, tornando o paradigma do crescimento no ideal normativo da modernidade (não apenas nos círculos liberais, mas também no pensamento socialista). Esse mito se tornou tão poderoso que acabou cativando a maioria das correntes intelectuais e movimentos sociais da esquerda progressista que desejavam derrubar o capitalismo e que, nas palavras de Eric Pineault, “ficaram aprisionados no imaginário do crescimento”.
A história que relatamos a seguir ressalta que não podemos nos limitar a criticar o capitalismo, mas que devemos ampliar nossa análise para uma crítica do próprio crescimento. Uma melhor compreensão da natureza do crescimento também nos permitirá distinguir a perspectiva do “decrescimento” de outras críticas mais imprecisas sobre o crescimento econômico que se concentram apenas nos obstáculos do PIB. Além de propor novas medidas para avaliar o bem-estar, o decrescimento também nos torna conscientes da necessidade de uma reestruturação drástica, que em muitos setores se traduz em uma redução da escala de produção e consumo, permitindo assim o surgimento de uma grande variedade de formas alternativas de desenvolvimento. Tal como expomos em nosso livro "The Future Is Degrowth: A Guide To A World Beyond Capitalism", o ponto forte da perspectiva do decrescimento é que ela aborda o problema do crescimento de forma holística, entrelaçando diferentes críticas ao crescimento, como o feminismo, o decolonialismo, o anticapitalismo e a ecologia, entre outras.
O crescimento não é apenas uma ideia. É um conjunto específico de relações sociais derivadas da acumulação capitalista, que não apenas fomentam a propagação do capitalismo, mas também atuam como um mecanismo estabilizador da sociedade moderna. Nesta seção, começaremos analisando como surgiu o capitalismo e como o crescimento deu origem a estruturas de classe específicas que, por sua vez, geraram uma relação dinâmica entre as formações de classe e o crescimento material. Sustentamos que a “estabilização dinâmica” é uma característica chave das sociedades modernas. A fim de permanecerem estáveis e reproduzirem suas estruturas sociais, as sociedades de crescimento necessitam de crescimento econômico, inovação e progresso tecnológicos e de uma aceleração sociocultural contínua. A estabilização dinâmica explica como e por que as sociedades de crescimento dependem fundamentalmente do crescimento.
O Homo sapiens vive neste planeta há aproximadamente 200.000 anos. Durante a maior parte da história da humanidade, todos os seres humanos viveram de forma nômade como caçadores e coletores. Durante quase 10.000 anos, a agricultura foi o sistema de produção dominante em nível territorial, e desde então foram alternadas fases de desenvolvimento social com fases de decadência em várias regiões do mundo. No entanto, o crescimento econômico entendido como tal no sentido moderno foi nulo ou quase nulo. Da mesma forma, durante boa parte da história da humanidade, as comunidades se reproduziram com base em sistemas de obrigações mútuas, poder ou riqueza, mas não seguindo a lógica do capitalismo, ou seja, a acumulação incessante de capital. Ao longo de milhares de anos, os seres humanos experimentaram uma grande diversidade de formações sociais, algumas das quais consistiam em civilizações de grande tamanho e complexidade organizadas de forma surpreendentemente igualitária, e outras nas quais os mercadores investiam na expansão do comércio. No entanto, em geral, o papel do capital seguia sendo marginal no seio dessas sociedades. Tudo isso começou a mudar com o auge da empresa capitalista, o colonialismo e a aparição do “sistema mundial” no século XVI.
Naquela época, as jovens empresas de capital de risco, impulsionadas pela corrida armamentista dos Estados europeus do início da Idade Moderna e suas imensas necessidades de capital, financiaram viagens com fins expansionistas às Américas, importando matérias-primas como algodão e prata. Fruto dessas primeiras empresas coloniais surgiram as sociedades mercantis, que mais tarde se tornariam sociedades anônimas cujo objetivo central era, e continua sendo, a acumulação infinita de capital. Os capitalistas começaram a investir cada vez mais na agricultura e na indústria, contagiando assim o mundo do trabalho humano com a lógica da acumulação ilimitada e revertendo todo o modo de produção em seu benefício sempre que possível, tal como ocorreu com o regime de plantações do algodão. A apropriação de matérias-primas, o trabalho escravo e assalariado e sua integração em fluxos comerciais que se estendiam da Europa para a África, Ásia e América, permitiram à classe capitalista a criação de um sistema mundial dinâmico que, desde então, reestruturou todo o planeta.
Essa acumulação ocorreu à custa da população de diferentes partes do mundo e de diversas maneiras. Na América, genocídios foram perpetrados contra os povos indígenas e milhões de pessoas de regiões africanas foram vendidas como escravas. Toda a empresa colonial, tão intimamente vinculada ao surgimento do capitalismo, foi justificada por meio do racismo (a desumanização sistemática de determinados grupos de pessoas em benefício de outros), tornando-se uma parte essencial da dinâmica social do capitalismo até os dias de hoje. A população rural europeia perdeu a fonte de sua produção de subsistência devido à privatização dos comuns. Esses cercamentos também originaram a escassez que continua sendo, até hoje, a pedra angular do crescimento capitalista, limitando a capacidade das pessoas de se servirem de seu entorno como meio de subsistência e de criação de riqueza comum. Despojadas da terra e de seus meios de subsistência, as pessoas foram obrigadas a se submeter a um trabalho assalariado, um processo de “acumulação primitiva” violenta (Karl Marx) ou Landnahme (Rosa Luxemburg) que ainda persiste em diversas formas. Os Estados desempenharam um papel crucial não apenas no “capitalismo de guerra” do período anterior, mas também promovendo a desapossamento de terras em todo o mundo, exercendo seu poder para “abaratar” os recursos básicos nas guerras imperiais que sustentavam o desenvolvimento capitalista ou garantindo os direitos de propriedade que tornaram possível a produção capitalista em primeiro lugar.
A dinâmica inteira do sistema-mundo mudou quando, no início do século XVIII, a revolução das plantações na América se entrelaçou com o capitalismo industrial emergente na Europa, que por sua vez começou a se nutrir cada vez mais de uma tecnologia verdadeiramente revolucionária: a máquina a vapor a base de carvão. Isso não apenas lançou as bases para a aparição do que pode ser denominado “capitalismo fóssil” (para ressaltar a especial transcendência das energias fósseis), mas também para a implantação da lógica capitalista em toda a sociedade, o início de um crescimento econômico cada vez maior e a “grande divergência”, que fez com que a Europa se tornasse muito mais rica do que outras regiões.
Essas mudanças sociais e econômicas acompanharam o surgimento de um conjunto de perspectivas e ideias que legitimaram, possibilitaram e até impulsionaram a expansão do sistema-mundo, além de lançar as bases para o posterior desenvolvimento do paradigma de crescimento moderno. Em primeiro lugar, a ideia de “desenvolvimento” ou “progresso” das sociedades humanas em um lapso de tempo linear precisava ser gerada ativamente. A maioria das culturas do passado (assim como algumas comunidades contemporâneas) compartilhava uma concepção cíclica do tempo como uma “recorrência eterna”, interpretando seu presente como um distanciamento de um passado ideal mítico que precisava ser restaurado, ou adotando alguma outra concepção não linear do tempo. No entanto, a partir do Renascimento surgiram conceitos abstratos sobre o tempo e o espaço baseados no sentido apocalíptico cristão, que havia começado a levantar a questão do Juízo Final e do desfecho absoluto das sociedades humanas.
A difusão do relógio mecânico propiciou que o tempo passasse a ser compreendido como algo objetivo, linear e quantificável. A geometria e a cartografia também facilitaram uma nova perspectiva sobre a terra e o território como um espaço abstrato, sem fronteiras, uniforme e mensurável, que poderia ser esvaziado ou preenchido conforme necessário, perfeitamente delimitado e que poderia ser objeto de intercâmbio em virtude dos direitos de propriedade. As primeiras ciências naturais modernas não apenas fomentaram a ideia de uma natureza abstrata, mas também defendiam que os seres humanos podiam dominar a natureza. Essa visão mecanicista do mundo concebia a natureza como um mecanismo regido por leis e, portanto, suscetível de manipulação e controle.
Os conceitos e as práticas do tempo linear, do espaço abstrato e da natureza mecânica tornaram-se os pilares ideológicos da colonização capitalista do planeta. O colonialismo consolidou o tratamento de todas as coisas e seres vivos como elementos comparáveis, intercambiáveis e comercializáveis, assim como a interpretação mecanicista da natureza baseada no pensamento linear. Dessa forma, o saque do planeta era justificado pela ideia de que a terra, os recursos naturais, o trabalho das mulheres e dos povos colonizados e praticamente toda forma de vida existia para servir à humanidade (e, em geral, isso se aplicava apenas ao homem branco, que se arrogava sua propriedade). Em suma, todas essas categorias podiam ser objeto de posse, exploração e modificação a seu bel-prazer.
Esses enfoques foram reformulados a partir do século XVII, adotando um caráter secular. A ideia de progresso seguia uma narrativa linear que dividia as pessoas entre “civilizadas” e “primitivas” com base em parâmetros racistas, legitimando assim as expansões coloniais. No auge do imperialismo e nos primeiros discursos sobre o “desenvolvimento”, considerava-se que os países pobres precisavam da intervenção externa de especialistas europeus ou norte-americanos para acelerar seu “desenvolvimento”, seguindo um caminho linear de melhoria social e econômica. Já no século XX, e à medida que o progresso social universal se vinculava cada vez mais à expansão da produção, essa narrativa linear adquiriu um sentido mais econômico. Através do prisma do capitalismo, o crescimento se tornou a promessa secular da redenção.
A interpretação mecanicista da natureza também lançou as bases para que os economistas europeus do século XVIII entendesse “a economia” como um domínio independente dentro da vida social que é quantificável e previsível, atribuindo as irregularidades à esfera laboral. Ao longo do século XIX, esse setor da economia formal se caracterizou pela universalização do emprego remunerado como um domínio dominado por homens e separado do resto da vida. Ao mesmo tempo, o trabalho reprodutivo não remunerado se tornou o trabalho “doméstico” das donas de casa: desvalorizado, mas imprescindível para a reprodução da força de trabalho. Dessa forma, o trabalho reprodutivo não remunerado associado ao trabalho assalariado se invisibiliza e se expropria, um fato que até hoje continua a marcar as relações de gênero e o mundo do trabalho.
A proletarização do trabalho foi impulsionada por diferentes tecnologias disciplinares, presentes em instituições como fábricas, exércitos, prisões e escolas. Essa transformação na dimensão laboral levou à monetização de muitos outros setores da vida e trouxe consigo a supressão das relações de reciprocidade. A proletarização que surgiu do sistema de trabalho assalariado ocasionou um efeito dissuasório nas comunidades que anteriormente se baseavam na subsistência: a classe trabalhadora já não era capaz de sobreviver fora do sistema capitalista, pelo que também passou a depender do crescimento para satisfazer suas necessidades mais básicas.
O processo de implementação dos conceitos abstratos de tempo e espaço na sociedade levou séculos para se propagar por todo o planeta e representava de forma sintomática a lógica abstrata da modernidade capitalista: não apenas a prática da produção científica, mas sobretudo a econômica, que estabelece equivalências entre realidades específicas completamente diferentes. O fato de que a mão de obra, a terra e muitas outras coisas pudessem ser medidas e comparadas (em grande parte através de um padrão de comparação abstrato expresso em dinheiro) estabeleceu as condições para trocar qualquer coisa por qualquer outra. Nesse sentido, o crescimento também é um processo de mercantilização implacável e muitas vezes violenta, assim como de colonização reiterada da natureza, das diferentes esferas da vida e das atividades reprodutivas, que começaram a se transformar (e ainda se transformam) de acordo com as relações sociais mediadas pelo mercado.
As sociedades modernas se estabilizam de forma dinâmica através de um processo contínuo de expansão e intensificação em termos de espaço, tempo e energia. Isso significa que as sociedades modernas dependem intrinsecamente do crescimento para estabilizar suas instituições. Embora se baseie nos processos de apropriação e exploração que analisamos anteriormente, essa dinâmica de crescimento perpétuo proporcionou prosperidade material a um número cada vez maior de pessoas. Inicialmente reservada principalmente para homens brancos das classes altas e médias da Europa, também permitiu que lutas sociais e políticas prosperassem, facilitando o acesso a esse nível de vida material para uma proporção crescente da humanidade, tanto no Norte global quanto nas classes médias e altas do Sul global. Essa crescente democratização da prosperidade material (desde bens de consumo como açúcar e chá para trabalhadores europeus do século XIX até casas maiores, eletrodomésticos, automóveis e viagens no século XX) estabeleceu novamente as bases para uma aceleração ainda maior do crescimento econômico.
Em termos de sua qualidade como mecanismo estabilizador do capitalismo, a promessa do aumento do nível de prosperidade material devido ao crescimento econômico ajudou a apaziguar conflitos sociais e criar uma política tecnocrática, consensual e produtivista na sociedade do crescimento. Esse processo não se limita aos países centrais capitalistas. Mesmo as sociedades socialistas que existiram no século XX foram, em essência, sociedades de crescimento produtivista, embora em circunstâncias diferentes. Diante da pressão da competição entre os blocos ocidental e oriental, essas sociedades também precisavam de eficiência econômica e técnica, assim como de prosperidade material crescente, para garantir sua estabilidade social. Como examinaremos ao longo do livro, a promessa de uma vida melhor através do crescimento também legitimou e, portanto, instaurou a desigualdade de desenvolvimento em todo o mundo.
Além disso, a estabilização dinâmica vai além da prosperidade material. De fato, muitas das conquistas sociais e políticas das quais a população dos modernos estados de bem-estar desfruta hoje (como o direito ao voto, o salário mínimo, a assistência à saúde e a semana de trabalho de cinco dias) foram conquistadas por movimentos sociais e sindicatos que reagiram vigorosamente à modernidade expansiva dos combustíveis fósseis. Por exemplo, no século XX, o poder da greve estava intimamente ligado ao papel essencial que a mão de obra desempenhava nas instalações de extração, transporte e processamento de carvão, e, portanto, à sua capacidade de paralisá-las de forma eficaz. O historiador Timothy Mitchell chegou a designar as democracias representativas modernas como "democracias do carvão", ressaltando a profunda conexão entre as propriedades materiais do carvão (que permitiram que os trabalhadores do carvão liderassem um sólido movimento operário que lutou com sucesso por bem-estar e participação) e a democracia de massas que emergiu dele.
O historiador Dipesh Chakrabarty argumenta de forma semelhante: os movimentos de emancipação não estavam apenas intimamente ligados à dinâmica do crescimento por meio de combustíveis fósseis, mas estavam cimentados nela. Assim, "a mansão das liberdades modernas se assenta sobre uma plataforma de combustíveis fósseis cada vez mais extensa. Até hoje, a maioria das nossas liberdades exigiu um uso intensivo de energia". E afirmações semelhantes podem ser feitas em relação a outras conquistas do estado de bem-estar.
Além disso, as instituições públicas das sociedades modernas (incluindo o próprio estado de bem-estar, que visava pacificar e conter o capitalismo e que surgiu das grandes lutas emancipadoras dos séculos XIX e XX) se estabilizam através do crescimento econômico: surgiram em economias em expansão, contribuíram para elas e dependem estruturalmente delas. Isso inclui instituições como sistemas de pensões, seguros de saúde, benefícios de desemprego, seguros de cuidados a longo prazo, sistemas de educação pública, universidades e infraestrutura pública como estradas e ferrovias, redes de fornecimento de água e esgoto, redes elétricas e de telecomunicações. O aumento da produção gerou excedentes, o que desencadeou lutas pela distribuição da riqueza, redução da jornada de trabalho e sistemas de segurança social. Como também afirma Thomas Piketty, a tendência estrutural do capitalismo de aumentar a desigualdade pôde ser contrabalançada ao longo da história em fases de alto crescimento.
No entanto, é importante notar que a conquista desses direitos e liberdades não foi consequência direta do crescimento capitalista, mas das lutas de base. Como destaca a historiadora econômica Stefania Barca, "a saúde, a riqueza, a longevidade e a segurança não são o resultado do comércio mundial e do capital, mas das forças que se opuseram a eles". No entanto, essas lutas ocorreram no contexto do crescimento econômico e foram amplamente condicionadas por ele.
Durante os séculos XIX e XX, o modelo econômico e social da modernidade expansiva caracterizada pelo crescimento não triunfou apenas em termos materiais, mas também permitiu alcançar níveis cada vez maiores e até então desconhecidos de direitos e conquistas sociais, políticas e culturais. Esse impacto foi principalmente visível nos primeiros centros capitalistas industrializados, mas também em vários países emergentes e em escala global. Assim, e no contexto da modernidade expansiva e do crescimento, o progresso da sociedade se confundiu com o crescimento do PIB ao mesmo tempo em que foram conquistados importantes direitos democráticos, sociais e culturais. Isso lançou as bases de um poderoso sentimento comum baseado na experiência vivida de que, na verdade, as melhorias sociais exigem crescimento econômico e o correspondente desenvolvimento das forças produtivas.
Esse foi o caso do regime fordista que predominou nos países industrializados de 1920 a 1970. Mesmo após décadas de austeridade e cortes neoliberais em matéria de bem-estar, a memória social desse período ainda associa intensamente as esperanças de melhoria social ao crescimento. O fordismo consistia em uma constelação de métodos de produção e relações de poder baseados na padronização da mão de obra nas fábricas (composta em sua maior parte por homens), no aumento da produtividade (a partir dos combustíveis fósseis e da padronização) e no aumento dos salários (que permitiu que a expansão do consumo massivo absorvesse a crescente produção). Tudo isso apaziguou temporariamente o conflito entre capital e trabalho, especialmente nos países industrializados. Durante esse período, altas taxas de crescimento favoreceram a criação de uma sociedade de consumo estruturada em torno de uma ética de trabalhar e gastar, e amplos mercados para aumentar a produção, um fator chave para a expansão do capital. Como disse o próprio Henry Ford: "Os carros não compram carros". Ao mesmo tempo, as altas taxas de crescimento trouxeram uma certa democratização da prosperidade. Foi nessa época que se impôs o estilo de vida ocidental de construir casas nos subúrbios, dirigir carros e ter máquinas de lavar em todos os lares.
Essa experiência de democratização da prosperidade, tão vinculada ao crescimento, tornou-se a experiência formativa de gerações inteiras nos países industrializados. Recentemente, foi denominado "modo de vida imperial" para descrever como esse estilo de vida, que estabiliza os centros capitalistas, depende de uma estrutura desigual e imperial que garante acesso global a energia, mão de obra e recursos baratos, ao mesmo tempo em que externaliza seus custos ecológicos para as regiões do Sul global e para o futuro. O modo de vida imperial, com sua imagem disseminada pelos meios de comunicação em todo o mundo e com todas as suas comodidades baseadas em combustíveis fósseis e bens de consumo capitalistas, se tornou desde a década de 1990 um sonho global para muitas pessoas, alcançando até mesmo as regiões periféricas, que até então haviam trabalhado para assentar os fundamentos dessa prosperidade, mas haviam ficado excluídas de seus benefícios. É essa experiência de democratização fordista da prosperidade e esse apego a estilos de vida consumistas que hoje representam o grande desafio que a crítica ao crescimento deve enfrentar, ao menos nos países de mais antiga industrialização. De fato, a narrativa que legitima a natureza progressista do crescimento e o desenvolvimento das forças produtivas é tão poderosa que também determina parcialmente a mentalidade da esquerda. E a missão do crescimento como mecanismo estabilizador continua sendo um de seus principais argumentos.
No entanto, esse suposto senso comum vem perdendo força. Desde a década de 1970, o crescimento contemporâneo tem proporcionado cada vez menos retornos sociais. Nos centros capitalistas, o crescimento constante da produção econômica não se traduziu em um aumento proporcional do bem-estar nem em maior igualdade (exceto em algumas partes da Ásia), já que uma pequena elite mundial concentrou a maior parte dos benefícios. E o mais importante, o crescimento contínuo e a generalização de estilos de vida orientados ao consumo em todo o mundo estão causando estragos ecológicos e sociais cada vez mais devastadores. O crescimento contínuo estabiliza as condições sociais no centro capitalista (onde os benefícios se acumulam) e pode amenizar algumas das contradições de classe, especialmente o conflito entre capital e trabalho em relação à distribuição da produção. No entanto, isso tem seu preço, pois as contradições se transferem para outras esferas da vida e para o Sul global. Como resultado, a globalização do "modo de vida imperial" ameaça destruir os próprios resultados sobre os quais se sustenta seu poder ideológico. O crescimento é um poderoso mecanismo estabilizador da modernidade capitalista, mas também desestabiliza os fundamentos ecológicos da vida humana neste planeta.
A tendência a crises, inerente ao processo social de acumulação, juntamente com os diversos limites ecológicos, sociais e materiais do crescimento, torna seu futuro muito incerto. Enfrentaremos múltiplas crises simultâneas nas próximas décadas, todas resultantes de uma sociedade global baseada no crescimento e, progressivamente, em um crescimento em crise. Embora alguns esperem que o crescimento siga um caminho em direção a uma economia menos intensiva em recursos materiais ou a um PIB desvinculado dos impactos ambientais, isso está longe da realidade e não há evidências de que isso ocorrerá a tempo para evitar um aquecimento global catastrófico. Além das mudanças climáticas provocadas pelas emissões de carbono, grande parte do mundo enfrenta um colapso ecológico e uma crise de saúde pública devido à degradação dos ecossistemas, poluição (atmosférica e de plásticos) e altos níveis de toxicidade em alimentos e no meio ambiente. Todas essas crises ecológicas penalizam em primeiro lugar e com maior rigor as pessoas mais pobres, assim como as populações oprimidas por hierarquias interseccionais como raça, classe e gênero. Essas múltiplas crises são a consequência de um sistema dependente e impulsionado pelo crescimento.
Neste artigo, analisamos o crescimento como um processo social de forças de aceleração, aumento e intensificação que se reforçam mutuamente e se estabilizam dinamicamente. Em nosso livro, também exploramos em detalhes que o crescimento é uma ideia que surgiu recentemente e que teve repercussões novas e significativas em nossa forma de conceber a governança e o bem-estar. Também examinamos o crescimento como um processo material, uma interação metabólica entre a sociedade e a natureza que, a um ritmo cada vez maior, permite que cada vez mais recursos fluam através da "economia" para depois serem transformados em resíduos e emissões. O crescimento acaba por minar os fundamentos sobre os quais se assenta em relação a esses três aspectos. No entanto, a hegemonia do crescimento persiste. Portanto, é necessário enfrentar essas três dinâmicas inter-relacionadas para que a crítica ao crescimento tenha êxito.
Em primeiro lugar, devemos levar a sério a dimensão material do crescimento em toda a sua complexidade, enfatizando o que isso significa para um futuro de justiça global.
Em segundo lugar, devemos examinar cuidadosamente como superar a dinâmica de crescimento da modernidade expansiva, que se reforça a si mesma, sem colocar em risco os ganhos sociais, culturais e democráticos alcançados graças às lutas sociais, mas dentro do contexto das sociedades de crescimento.
E, em terceiro lugar, devemos nos comprometer de forma crítica a desmantelar, além de transformar, as promessas, os mitos e as esperanças associadas ao paradigma do crescimento. Entre todas as correntes intelectuais, o decrescimento é o movimento que criticou mais rigorosamente e ofereceu as alternativas mais relevantes a essa máquina de crescimento estabilizadora do ponto de vista dinâmico. Esse motivo deve ser suficiente para que os movimentos sociais de hoje se envolvam e se comprometam com o decrescimento com total honestidade.