"Parabéns governador, que agora quer aparecer como o herói, cobrando ações do governo federal até mesmo se for preciso brigar. Brigar com quem, governador? Lembrando sempre que Leite apoiou o governo Bolsonaro e o seu negacionismo", escreve Edelberto Behs, jornalista.
Eis o artigo.
Preparem a arca. Não foi um aviso dos céus. Foram dicas da natureza, como a cheia de setembro de 2023 no Vale do Rio Taquari, que avisaram autoridades municipais e estaduais. Sem esquecer o alerta enviado pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), pioneira, no Brasil, em ofício enviado no dia 26 de abril ao governador do Estado, Eduardo Leite, sob o título visionário “Alerta ao Estado do Rio Grande do Sul e aos Governador do Estado”, seguido pelo subtítulo: “Registro para fins de tomada de conhecimento sobre alertas emitidos há várias décadas”. Apenas três dias depois vieram as chuvas!
Agora, o governador do Estado, Eduardo Leite (PSDB), se mostra surpreso com a maior crise climática vivida pelo Rio Grande do Sul. Não foi por falta de alertas. A Agapan enfatizava no documento ao governador que a crise climática era divulgada pela ciência há várias décadas e que o problema estava vinculado ao “fator antropogênico como seus principais ingredientes de intensificação, sem desconsiderar outros de caráter cíclico e universal”.
O jornal Correio do Povo informava, no dia 25 de abril, “Cenário de perigo: RS terá chuva excessiva semelhante aos extremos de 2023, aponta Metsul”, seguida da linha de apoio “Episódio de instabilidade deve ocorrer entre o final de abril e começo de maio”. Mas parece que o governador não recebe de sua assessoria de imprensa alertas climáticos, mesmo vindos da Metsul.
O Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), do governo liderado pelo governador que procura aparecer agora como o bom mocinho, cobrando agilidade do governo federal via Twitter, aprovou, em 11 de maio, a resolução 455/2021, que regulamenta e estabelece procedimentos e critérios da emissão de Licenciamento Ambiental por Compromisso (LAC) para as atividades passíveis de licenciamento ambiental no Estado.
O LAC fico conhecido como auto licenciamento privado. A medida permite que 49 atividades econômicas, das quais 31 com alto e médio potenciais poluidores, sejam autorizadas independente do seu porte. Ou seja, permitiu que as raposas cuidassem do galinheiro!
No documento enviado ao governador, a Agapan alertava “a falta de atitudes para estancar e reverter processos que contribuem para o avanço da crise – a exemplo da liberação de mais venenos agrícolas, da autorização para destruir Áreas de Preservação Permanente (APP), da falta de uma política permanente de recuperação das matas ciliares, do incentivo anacrônico à construção de polos carboquímicos e de instalações de infraestrutura que não reconheçam os direitos das comunidades tradicionais, da falta de cuidados e ingerência dos recursos hídricos, entre outros – será motivo de proposta de Ação Civil Pública de nossa parte”.
O presidente da Agapan, Heverton Lacerda, lembrou, também, que já no primeiro mandato do governo Leite, em 2020, o governador aprovou na Assembleia Legislativa a Lei 15.434, chamada de Novo Código Estadual do Meio Ambiente, a lei suprimiu ou flexibilizou mais de 500 artigos do Código Estadual de Meio Ambiente, criado em 2020, afrouxando regras de proteção ambiental dos biomas Pampa e Mata Atlântica.
Com o desmantelamento do código ambiental do Estado, apontou o presidente da Agapan, “cresce o desmatamento e as chuvas têm jogado terra para dentro de leito dos rios. Isso faz com que eles transbordem e afetem moradias”.
Parabéns governador, que agora quer aparecer como o herói, cobrando ações do governo federal até mesmo se for preciso brigar. Brigar com quem, governador? Lembrando sempre que Leite apoiou o governo Bolsonaro e o seu negacionismo.
No portal Sul21, o sociólogo e ex-secretário municipal do Meio Ambiente, Gerson Almeida, frisou que “a tragédia atual no RS é de proporções inéditas, mas não imprevisíveis”. E arrolou: 2009 foi considerado o ano mais seco dos últimos 80 anos; em 2022, 96 municípios gaúchos decretaram situação de emergência devido à estiagem. Em 2023, o Estado passou pelo mais extremo fenômeno climático até então registrado, “um ciclone extratropical durante o qual 157 mil pessoas ficaram desabrigadas e 54 morreram”.
Entre 2013 e 2023, lembrou o presidente da Agapan, o Rio Grande do Sul foi o estado mais atingido por extremos climáticos no Brasil. Foram 2.758 decretações de situação de emergência e de estado de calamidade, segundo dados do Ministério de Integração e de Desenvolvimento Regional.
No ofício ao governador, que se surpreendeu com o volume das cheias, a Agapan afirma que não pode mais, por princípio de precaução diante da crise climática alertada há décadas, “ser complacente com governos que têm demonstrado pouca ou nenhuma sensibilidade para a situação, em especial, da população mais vulnerável, que primeiro sofre e sofrerá com a ampliação do ritmo de avanço das mudanças climáticas”.
Diz mais a Agapan: “O governo do Rio Grande do Sul vai na contramão da ecologia. Estamos regredindo na legislação ambiental enquanto estado que foi precursor na criação de leis ambientalistas”.
Então, governador...
Leia mais
- Presos em sua “bolha opaca”, governantes negligenciaram as previsões sobre a tragédia no RS. Entrevista especial com Heverton Lacerda
- Tragédia do Rio Grande do Sul. Um desastre previsto. Entrevista especial com Paulo Artaxo
- Subjugada no RS, crise climática está associada a maior enchente do Estado. Entrevista especial com Francisco Eliseu Aquino
- Maior enchente da história em Porto Alegre. RS está no epicentro dos eventos extremos de precipitação. Entrevista especial com Rodrigo Paiva
- Enchentes no RS: Eldorado do Sul poderá ser totalmente evacuada
- Saúde Única: um olhar sobre as enchentes do RS. Artigo de Túlio Batista Franco
- O que o desastre climático no RS e a dengue têm em comum
- Nível dos rios não cede e mantém enchentes em Porto Alegre e Região Metropolitana
- O problema não é o show da Madonna, é o desmatamento
- Não fomos surpreendidos
- Tragédia histórica expõe o quanto governo Leite ignora alertas e atropela política ambiental
- Porto Alegre não investiu um centavo em prevenção contra enchentes em 2023
- Tragédia no RS: 85 mortes e mais de 201 mil pessoas fora de casa
- Rio Grande do Sul: barragens são antigas e precisam ser reforçadas, diz engenheiro
- Momento de ajudar, pensar e agir! Artigo de Manuel Joaquim Rodrigues dos Santos
- Com tragédia climática, governo e Congresso costuram “orçamento de guerra” para reconstruir Rio Grande do Sul
- MetSul divulga fotos de antes e depois da enchente na região metropolitana de Porto Alegre
- Passado e futuro na tragédia gaúcha. Artigo de Aldem Bourscheit
- Governo federal antecipa pagamento de emendas parlamentares para o Rio Grande do Sul
- Rio Grande do Sul: governança para prevenir desastres climáticos
- Com 5 assentamentos submersos, MST lança campanha para apoio aos atingidos pelas enchentes no RS
- Uma catástrofe que lembra a devastação da Amazônia
- Enchentes já afetaram mais de 80 comunidades indígenas no RS; saiba como ajudar
- No Rio Grande do Sul, a tragédia é natural, social e ambiental. Artigo de Gerson Almeida
- Quase 850 mil afetados pelas chuvas no RS
- Chuva no Rio Grande do Sul e crise climática: ‘Até quando vamos correr atrás do prejuízo?’, pergunta Paulo Artaxo, membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
- RS: PL das barragens em área de proteção ambiental é inconstitucional e agrava a estiagem. Entrevista especial com Heverton Lacerda e Paulo Brack
- “Os oceanos nunca estiveram tão quentes como neste ano. O planeta mais quente altera a circulação oceânica e a circulação atmosférica”. Entrevista especial com Francisco Eliseu Aquino
- RS. Servidores da Fepam alertaram Leite para os riscos da irrigação em Área de Preservação Permanente
- Leite sanciona projeto que permite irrigação em Área de Preservação Permanente
- Porto Alegre: Enchente histórica de 1941 pode ser superada nos próximos dias
- Leite diz que desastre climático atual é o pior da história do RS
- Chuva não dá trégua e situação deve se agravar ainda mais no RS
- Clima extremo: chuvas voltam a matar e destruir no Sul
- Eventos extremos, mudança do clima e política ambiental. Artigo de Jeferson Aguiar
- Marina Silva: “Não basta mitigar e adaptar, precisamos transformar o modelo econômico”
- Rio Grande do Sul já tem 29 mortos e 60 desaparecidos pelas enchentes
- Chuvas deixam 19 barragens em estado de atenção no Rio Grande do Sul
- Sistema contra enchentes em Porto Alegre não foi projetado para eventos extremos
- Para não esquecer | Em meio de alerta vermelho por conta dos temporais extremos, o governo do Rio Grande do Sul não implementou projetos que poderiam amenizar tragédias. X-Tuitadas
- Pequena história futura das enchentes do rio Caí. Artigo de Caio Fernando Flores-Coelho
- O Guaíba à margem da lei e os desafios de reconhecer a natureza como sujeito de valor intrínseco. Entrevista especial com José Renato de Oliveira Barcelos
- Inundação do Guaíba mostra importância de preservar áreas como a Ponta do Arado, diz especialista
- Pesquisadores da UFRGS afirmam que potencial de desastre no Vale do Taquari poderia ter sido previsto
- As responsabilidades humanas pelos tornados. Eles não são “naturais”
- Ciclone é tragédia socioambiental, não somente natural. Artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)
- Tragédias climáticas: RS paga preço por não ter implantado sistema de gestão das águas. Entrevista com Arno Kayser, fundador do Comitesinos
- Reflexões frente ao desastre climático-ambiental das cheias do rio Taquari-Antas
- “Muçum não existe mais”
- Cheia em Porto Alegre é a maior desde a superenchente de 1941
- Inundação do Guaíba mostra importância de preservar áreas como a Ponta do Arado, diz especialista
- “Porto Alegre é uma cidade ambientalmente abandonada”. Entrevista com Rualdo Menegat
- Ignorando o Novo Regime Climático, RS quer enfrentar estiagem histórica apenas abrindo açudes e poços. Entrevista especial com Paulo Brack
- Aquecimento aumentará número e intensidade de ciclones tropicais
- “Os eventos climáticos se intensificaram no mundo, não seria diferente no RS”. Entrevista com Francisco Aquino
- Colapso climático e o deslocamento forçado de milhões de pessoas. Entrevista especial com Paulo Brack
- Greenpeace Brasil alerta: faltam políticas públicas para enfrentar emergência climática e evitar mais mortes
- Colapso climático e os seus impactos nas populações rurais e urbanas. Entrevista especial com Rafael Altenhofen e Álvaro Rodrigues dos Santos