16 Dezembro 2023
Desde 7 de outubro, 63 jornalistas morreram na região, um número que ultrapassa o registrado em todo o mundo no ano passado, de acordo com o último relatório da Repórteres Sem Fronteiras.
A reportagem é de Ana Garralda, publicada por El Diario, 14-12-2023.
Em 19 de novembro, o veículo em que Bilal Jadallah viajava com seu cunhado, o farmacêutico Abdulkarim Abed, foi atingido pelo impacto direto da artilharia israelense. Eles estavam a caminho de se reunir com o resto de sua família no sul da Faixa de Gaza, onde centenas de milhares de deslocados se acumulam, seguindo a recomendação do Exército de Israel, fugindo dos soldados e bombardeios.
"[Bilal] acreditava firmemente que era seu dever moral contar ao mundo o que via e ajudar as pessoas necessárias no meio dessa crise humanitária", escreveu Ali Jadallah, irmão do jornalista e fotógrafo da agência de notícias turca Anadolu algumas horas após receber a "notícia devastadora". Poucos dias antes, os Jadallah haviam perdido seu pai junto com outros parentes nos incessantes bombardeios israelenses que assolaram Gaza desde 7 de outubro. Bilal queria se reunir com sua família, mas nunca chegou ao final de sua jornada.
Gaza se tornou uma grande boneca russa, onde o massacre de civis é a grande matrioska, e a morte de profissionais de saúde, trabalhadores humanitários e jornalistas são outras escondidas em seu interior. Mais de 18.600 pessoas morreram devido aos bombardeios (7.729 crianças), e milhares estão desaparecidas, de acordo com as autoridades locais em Gaza. 70% dos mortos são mulheres ou menores de 18 anos, e entre os civis há mais de 250 trabalhadores de saúde, pelo menos 130 funcionários da ONU e cerca de 89 jornalistas, de acordo com as mesmas autoridades.
O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) confirmou a morte de 63 jornalistas desde o início do conflito: 56 palestinos, quatro israelenses e três libaneses. Outros três estão desaparecidos e 11 estão feridos. O número ultrapassa o registrado em todo o mundo no ano passado, segundo a Repórteres Sem Fronteiras.
A ONU pediu na quinta-feira que seja feito o possível para garantir a proteção de jornalistas e meios de comunicação. "Jornalistas e trabalhadores de mídia, usando várias ferramentas, incluindo redes sociais, têm mantido o mundo informado em tempo real sobre os horrores que os civis em Gaza estão sofrendo. Sua dedicação merece homenagens. Mas um por um, esses olhos no terreno estão se apagando", diz um comunicado da organização que lembra os assassinatos de jornalistas e suas famílias em Gaza nas últimas semanas.
Para os jornalistas de Gaza, o primeiro mês deste conflito foi "o mais mortal para os repórteres em 30 anos", diz o CPJ. Apenas em 7 de outubro, dia do ataque do Hamas no sul de Israel, que deixou cerca de 1.200 mortos, seis jornalistas foram assassinados - três deles eram israelenses (um residente em um dos kibutz atacados, e outros dois estavam na festa de música eletrônica Supernova). Os outros três eram palestinos e foram mortos por tiros de soldados israelenses.
Segundo o CPJ, 18 de novembro foi o segundo pior dia, com a perda de outros seis profissionais de informação, todos residentes em Gaza. Dois deles, Sari Mansour, diretor da rede de notícias Quds, e Hassouneh Salim, fotógrafo independente, estavam juntos trabalhando no campo de refugiados de Bureij, no centro de Gaza, quando uma bomba israelense caiu sobre eles.
A comunidade jornalística do enclave ainda estava em choque com a perda de vários de seus colegas quando, um dia depois, chegou a notícia que a devastaria: o assassinato de Bilal, conhecido como "o padrinho". Bilal foi o fundador em 2012 da Casa da Imprensa Palestina, um espaço apoiado pela União Europeia dedicado à formação de jornalistas e que também servia como ponto de encontro para diplomatas, organizações internacionais, imprensa estrangeira ou simples recém-chegados.
Após sua morte, dezenas de condolências chegaram quase instantaneamente da Faixa de Gaza, especialmente daqueles jovens repórteres que esse mecenas havia ajudado a realizar seu sonho. "Bilal foi a primeira pessoa que me ajudou na indústria do jornalismo em Gaza, e por isso sempre serei grata", escreveu a jovem fotógrafa gazatí Plestia Alaqad em sua conta no Instagram.
"Pessoa honrosa, solidária, colaboradora, pai e amigo de todos sem exceção", disse de Ramala a jornalista e escritora palestina Buthaina Hamdan, que poucos dias antes tinha falado com seu colega pela morte de outro jornalista ligado à Casa da Imprensa, Ahmed Fatima, incendiado junto com vários membros de sua família por um míssil israelense lançado contra o prédio em que estavam.
"A ligação caiu. A sinal era fraco. Eu liguei para ele várias vezes, mas não obtive resposta. O que ele iria me dizer?!”, lamenta a autora, que anteriormente havia ministrado oficinas de treinamento sobre jornalismo humanitário e a imagem dos palestinos na mídia ocidental no Centro de Imprensa de seu colega de profissão.
A notícia do assassinato do "padrinho dos jornalistas" da Faixa de Gaza também chegou à mídia internacional. "Organizou muitos jornalistas [locais] para trabalhar com outros estrangeiros que chegavam [para cobrir a guerra entre Israel e o Hamas em 2014]. Foi um grande analista político", escreveu em sua conta no Twitter o comentarista norte-americano Sharif Kouddous.
"Profundamente entristecido pela perda do meu colega Belal Jadallah, um jornalista dedicado e uma alma bondosa", destacou Nathan Thrall, colaborador do jornal New York Times.
Mas não foram apenas os jornalistas locais ou internacionais que lamentaram a perda desse referente do jornalismo palestino. Diplomatas e representantes de várias agências da ONU também quiseram se despedir daquele que, outrora, não apenas foi beneficiário de alguns de seus programas de cooperação para a formação de novos repórteres, mas também a voz especializada que sempre os recebia quando viajavam para a Faixa de Gaza. "Um jornalista profissional, conhecedor e apaixonado que dedicou sua vida à liberdade de imprensa e à proteção dos jornalistas", escreveu Tor Wennesland, coordenador especial da ONU para o processo de paz no Oriente Médio.
"Estamos devastados ao saber que nosso querido amigo, o defensor da liberdade de imprensa Bilal Jadallah, antigo parceiro da Noruega, foi assassinado", disseram os representantes deste país na Palestina. "Continuaremos trabalhando para tornar realidade seu sonho de proteger os jornalistas em todo o mundo. Que sua alma descanse em paz".
We are devastated to learn that our dear friend, media freedom defender Belal Jadallah from Norway’s longtime partner @PressHouseGaza, has been killed. We will continue to work to fulfill Belal’s dream of protection for all journalists everywhere. May his soul rest in peace pic.twitter.com/0gleznWkcA
— Norway in Palestine (@NorwayPalestine) November 19, 2023
A quimera tão desejada por Bilal Jadallah parece estar mais distante do que nunca. Seu assassinato é mais um de uma série de ataques indiscriminados contra jornalistas palestinos e estrangeiros na região, aumentando a preocupação com a segurança dos repórteres e o impacto que suas mortes têm na livre divulgação de informações.
"Esse crime e os que o precederam confirmam que a ocupação (Israel) colocou os jornalistas entre seus objetivos: silenciar a voz da verdade e evitar que ela ressoe por toda a Terra", argumentam do Sindicato de Jornalistas Palestinos.
Por sua vez, as autoridades israelenses afirmaram no final de outubro que não "podiam garantir a segurança dos jornalistas em Gaza" em resposta a um pedido feito pela agência de notícias britânica Reuters e pela francesa France Presse (AFP), nas quais ambas as organizações exigiam garantias de Israel de que seus jornalistas não seriam alvos de seus ataques.
O pedido ocorreu dias depois de a artilharia israelense matar Issam Abdallah, um cinegrafista libanês empregado pela Reuters, e ferir outros seis jornalistas (um deles da AFP, gravemente) enquanto estavam perfeitamente identificados no sul do Líbano relatando os ataques que as Forças de Defesa de Israel (IDF) estavam realizando na zona de fronteira.
Uma investigação realizada na época pela Repórteres Sem Fronteiras (RSF) indicou que os jornalistas eram um "alvo explícito" das IDF. Por sua vez, a agência Reuters, criticada na época por sua tibieza após a morte de seu repórter, publicou um relatório abrangente afirmando que "o fogo de um tanque israelense matou o jornalista Issam Abdallah no Líbano".
A Anistia Internacional (AI) apontou em outra investigação, publicada no mesmo dia, que o fogo não vinha de tanques de guerra, mas de mísseis disparados por um helicóptero Apache que teria sobrevoado a área onde os jornalistas estavam nos 40 minutos anteriores ao incidente, identificando-os claramente como civis.
A Human Rights Watch publicou outra investigação que conclui que o ataque foi "aparentemente deliberado". A organização analisou vídeos, imagens e entrevistou testemunhas, concluindo que o primeiro ataque foi realizado a partir de um tanque de guerra e que a origem do próximo não pôde ser identificada. "Não é a primeira vez que, aparentemente, as forças israelenses atacam deliberadamente jornalistas com resultados mortais e devastadores", disse Ramzi Kaiss, pesquisador sobre o Líbano da HRW.
Seja como for, todos concordam: o ataque contra a imprensa foi perpetrado por Israel, o que a Anistia Internacional e a HRW consideram que poderia constituir um "crime de guerra".
"Durante um conflito armado, o papel dos jornalistas é especialmente importante para garantir a fiscalização do desenvolvimento das hostilidades e destacar possíveis violações", disse Aya Majzoub, diretora regional adjunta do Programa para o Oriente Médio e Norte da África da Anistia Internacional.
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Morte da informação em Gaza: “a ocupação colocou os jornalistas como alvos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU