17 Agosto 2016
"Ao sugerir que a baixa densidade populacional da Amazônia seria justificativa para a construção das hidrelétricas no local, além de relativizar os direitos constitucionais de milhares de cidadãos impactados direta e indiretamente por essas obras, Goldemberg não leva em consideração os problemas socioambientais desses empreendimentos". A afirmação é do Greenpeace em resposta ao artigo do professor José Goldemberg, publicado por Greenpeace, 16-08-2016.
Eis a reposta.
Em artigo de opinião intitulado “Transgênicos e hidrelétricas”, publicado na última segunda-feira, dia 15, no jornal O Estado de S. Paulo, o professor José Goldemberg, presidente da Fapesp, defendeu que, tanto no caso das culturas transgênicas quanto no caso da ampliação de hidrelétricas na Amazônia, os ambientalistas estariam realizando um superdimensionamento de problemas.
O artigo parte da perspectiva de que a posição contra as hidrelétricas e os transgênicos seria sustentada por ambientalistas mal informados. No entanto, o próprio autor faz mau uso de informações em seus pontos de defesa em relação a ambos.
Ao sugerir que a baixa densidade populacional da Amazônia seria justificativa para a construção das hidrelétricas no local, além de relativizar os direitos constitucionais de milhares de cidadãos impactados direta e indiretamente por essas obras, Goldemberg não leva em consideração os problemas socioambientais desses empreendimentos. Vale lembrar que as usinas em biomas frágeis como a Amazônia alagam importantes áreas de florestas ainda muito conservadas que abrigam fauna e flora raras ou até em extinção e causam graves consequências para o equilíbrio ecológico do bioma.
Proteger a Amazônia é importante não só para quem vive ali, mas também para o resto do Brasil e do mundo. Não por acaso, hidrelétricas recentes como Belo Monte enfrentaram enorme oposição de pessoas ao redor do mundo. E mais de 1,2 milhão de pessoas também se posicionaram contra a construção da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós. Trata-se de uma população urbana que questiona a viabilidade desses empreendimentos e pede por soluções mais sustentáveis – e verdadeiramente limpas – como a solar e a eólica, que, felizmente, já são realidades possíveis.
Sobre as hidrelétricas com reservatórios, é importante ressaltar que o que as impede de serem construídas hoje em dia na Amazônia são as próprias restrições técnicas por conta do nível da queda d’água dos rios da região, e não apenas os protestos – legítimos – dos removidos para dar lugar ao lago, como faz entender Goldemberg. Além disso, mesmo os grandes reservatórios estão sujeitos a riscos hidrológicos cada vez mais frequentes (redução de 25% a 55% na vazão no caso de Belo Monte e 20% a 30% no Tapajós até 2040, conforme relatório da Secretaria de Assuntos Estratégicos). Vale lembrar que este déficit hidrológico provocou considerável aumento no uso das térmicas nos últimos verões, o que se reverteu no aumento da conta de luz paga pelo cidadão brasileiro.
Desta forma, concordamos que cabe ao poder público avaliar os interesses do total da população, mas isso deve ser feito no sentido de garantir que a energia que chega à casa dos brasileiros seja verdadeiramente limpa e sustentável e apresente transparência e economicidade, ao contrário do que vimos nos projetos de Belo Monte ou mesmo de Angra 3, que feriram o caixa da União com desvios milionários de corrupção.
Vale lembrar ainda que o setor elétrico e as empreiteiras, que têm interesse nos grandes projetos de hidrelétrica na Amazônia são muito bem organizados para empurrar as hidrelétricas a qualquer custo para a população, enquanto os que são afetados por essas obras muitas vezes têm seus direitos violados sem sequer conseguirem ter acesso à Lei. A tentativa de desqualificar ou criminalizar a atuação dos movimentos sociais não é o melhor caminho, principalmente em se tratando de um contexto em que denúncias de violação de direitos humanos são recorrentes, como pôde ser visto em Belo Monte.
A despeito da sobra temporária de energia e sobrecontratação de usinas no Brasil, a discussão sobre a transição da matriz elétrica rumo a energias verdadeiramente limpas segue na pauta. É possível almejar uma matriz elétrica que atenda ao consumo que o país precisa sem fontes fósseis, energia nuclear ou novas hidrelétricas na Amazônia e garantindo a segurança de suprimento com uma boa distribuição de eólicas, solares e biomassa pelo território. Esta proposta será apresentada na nova edição do relatório Revolução Energética, do Greenpeace, no próximo dia 23.
No que diz respeito aos organismos geneticamente modificados, a regra no Brasil é a liberação de transgênicos comerciais por meio de processos em que a ciência é, muitas vezes, relativizada e predomina a aprovação ‘custe o que custar’. Para se ter uma ideia, até hoje a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), órgão responsável pela deliberação sobre liberação de transgênicos no Brasil, nunca negou a aprovação comercial de nenhum transgênico, assim como também não fez uma análise séria da situação de biossegurança no Brasil, mesmo após mais de 10 anos de existência como instância deliberativa. Um bom exemplo desta situação é o eucalipto, cujos riscos apontados por especialistas (incluindo um pesquisador da própria Universidade de São Paulo, de onde vem o professor Goldemberg) foram ignorados.
O suposto sucesso do uso de transgênicos mencionado por Goldemberg deve ser olhado com muito cuidado. A resistência de plantas indesejáveis nas lavouras cresceu enormemente, e com isso cresceu a quantidade de agrotóxicos aplicados. Não à toa somos os maiores consumidores globais de agrotóxicos, dos quais quase a metade vai para lavouras transgênicas (relatório Dossiê ABRASCO, 2015).
Sobre a carta dos cientistas que receberam o Prêmio Nobel, voltamos a dizer que o chamado arroz dourado (que conteria doses de vitamina A) sequer existe fora dos laboratórios, apesar de mais de 20 anos de estudo. É uma cultura que se mostrou inviável por si só.
O descaso com a situação dos transgênicos no país é tanto que nem mesmo existem dados oficiais sobre a área plantada com transgênicos, utilizando-se, via de regra, as estimativas da própria indústria. Tudo isso leva organizações como o Greenpeace (e muitas outras) a questionarem os organismos geneticamente modificados. De fato, esperamos que a ciência sobre avaliação de impactos de transgênicos avance no Brasil.
Por fim, é fundamental que o óbvio seja dito: o Greenpeace não se opõe à ciência. É ela que nos alerta sobre os riscos de um planeta mais quente, dos efeitos de um desastre nuclear ou do custo da perda de nossa biodiversidade. A organização também reafirma sua posição de compromisso com o princípio da precaução, que, como colocado pelo próprio professor, já se mostrou útil para prevenir desastres ambientais e sociais.
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Sobre transgênicos, hidrelétricas e o mau uso de informação. Greenpeace responde artigo de José Goldemberg - Instituto Humanitas Unisinos - IHU