Durante a Guerra do Yom Kippur em 1973, os produtores de petróleo árabes interromperam as exportações para os aliados de Israel. No entanto, diante da atual guerra de Israel contra Gaza, os estados do Golfo descartam a ideia de usar a "arma do petróleo" — um indicativo de quanto eles abandonaram a causa palestina.
"Os Estados do Golfo afirmam que não estão abandonando o apoio aos palestinos (...). No entanto, (...) os Acordos de Abraão – e outras iniciativas de "econormalização" que criam a ponte para acordos com Israel sobre energia e água – resultaram em mais repressão contra os palestinos."
O comentário é de Hafawa Rebhi, jornalista tunisiana, em artigo publicado por Jacobin, 10-12-2023. A tradução é de Arthur Lersch Mallmann.
Em 8 de novembro, o ministro de investimentos saudita Khalid Al-Falih participou do Fórum da Nova Economia da Bloomberg em Singapura. A editora sênior de economia da rede, Stephanie Flanders, questionou-o sobre como as autoridades sauditas poderiam responder à guerra no Oriente Médio:
Stephanie Flanders – Você consideraria a utilização de instrumentos econômicos, como o preço do petróleo, para alcançar o cessar-fogo em Gaza?
Khalid Al-Falih – [Ri e hesita um instante] Em primeiro lugar, isso não faz parte do meu mandato hoje...
SF – Vai ficar só entre nós.
KAF – Posso dizer que isso não está em consideração hoje. A Arábia Saudita está buscando a paz por meio de discussões pacíficas.
Até o momento deste diálogo, Israel, com o apoio dos Estados Unidos e de importantes países europeus, já vinha bombardeando indiscriminadamente a população civil de Gaza por um mês inteiro, em resposta ao ataque liderado pelo Hamas em 7 de outubro. A pergunta de Flanders certamente fazia sentido no contexto de uma guerra que capturou a atenção da imprensa mundial, com cerca de dez mil mortes civis palestinas até o momento dessa discussão. Também fazia sentido dada a precedência histórica do fornecimento de petróleo sendo usado como arma política.
Então, por que a pergunta dela causou risos?
O episódio citado pela jornalista britânica remonta há exatos cinquenta anos. Em 1973, treze anos após a sua fundação, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) possuía e controlava a maior parte da produção e do comércio internacional de petróleo. A maior parte de seu poder para determinar a produção e o preço estava nas mãos de seus membros árabes, uma vez que os estados do Golfo eram, na época, a principal fonte de extração de petróleo e gás.
Em 6 de outubro daquele ano, em meio à Guerra Fria, o Egito de Anwar el-Sadat e a Síria de Hafez al-Assad lançaram uma ofensiva para recuperar parte de seus territórios que Israel havia ocupado durante a guerra de junho de 1967, a saber, a península do Sinai e as Colinas de Golan.
Em retaliação à decisão do presidente dos Estados Unidos à época, Richard Nixon, de apoiar Israel durante a guerra contra os palestinos e os árabes, os Estados árabes da OPEP, incluindo a Arábia Saudita do rei Faisal bin Abdulaziz Al Saud, impuseram um embargo nas exportações de petróleo bruto aos Estados Unidos e seus aliados.
Em uma reunião no Kuwait, em 17 de outubro de 1973, os membros árabes da OPEP decidiram bloquear as exportações para os estados ocidentais e reduzir a produção de petróleo em 5% ao mês até que os israelenses se retirassem dos territórios árabes ocupados. O preço de um barril de petróleo quadruplicou. Foi o primeiro choque do petróleo, que resultou em pesadas perdas nas economias ocidentais.
Nos Estados Unidos, o aumento nos preços de importação de petróleo teve efeitos devastadores na economia geral. O Produto Nacional Bruto (PNB) caiu cerca de US$10 a US$20 bilhões, e meio milhão de pessoas perderam seus empregos em apenas seis meses, de acordo com o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos. O mesmo departamento observou também que o embargo da OPEP levou ao aumento significativo da fatura total de petróleo dos Estados Unidos e, consequentemente, erodiu consideravelmente o saldo de pagamentos dos EUA. Na França, enquanto em 1970, 10% das receitas de exportação eram suficientes para pagar a conta de petróleo, em 1974 esse valor subiu para 24%. Mesmo que o embargo da OPEP tenha sido suspenso em março de 1974, deixou danos econômicos duradouros nos Estados Unidos e ao redor do mundo.
Em 1973, os membros árabes da OPEP decidiram bloquear as exportações para os estados ocidentais e reduzir a produção de petróleo em 5% ao mês até que os israelenses se retirassem dos territórios árabes ocupados. O preço de um barril de petróleo quadruplicou. Foi o primeiro choque do petróleo. (Fotos: Wikimedia Commons)
Evidentemente, a Guerra Árabe-Israelense de outubro de 1973 difere da Guerra de Gaza de 2023. Enquanto a primeira envolveu dois exércitos regulares contra um exército de ocupação, com fortes aliados apoiando cada lado, essa guerra recente é extremamente assimétrica, colocando um dos exércitos mais poderosos e bem equipados do mundo contra os recursos que a resistência do Hamas pode reunir.
No primeiro conflito, o bloco dos países árabes contava com o apoio das nações árabes produtoras de petróleo. Na guerra em curso, a população civil de Gaza, que era de 2,3 milhões antes do início do ataque genocida israelense, fica entregue à própria sorte, enfrentando bombardeios indiscriminados contra áreas residenciais, mesquitas, igrejas, hospitais e escolas das Nações Unidas.
Nos cinquenta anos entre essas duas guerras, o mundo mudou. Guerras e tréguas, invasões e retiradas de tropas, tratados de paz, acordos de normalização das relações, sanções econômicas, o declínio de várias potências mundiais e a ascensão de outras. E o Golfo, por sua vez, também mudou.
Então, o que são essas transformações e como elas impediram os árabes do Golfo de usarem hidrocarbonetos para defenderem os árabes de Gaza contra os incessantes massacres sionistas?
A primeira transformação ocorreu no nível do próprio mercado de petróleo, como Adam Hanieh explica na sua contribuição para o livro Dismantling Green Colonialism: Energy and Climate Justice in the Arab Region (em tradução livre, O desmonte do colonialismo verde: justiça energética e climática na região árabe)
A linha do tempo levantada por Hanieh cobre a evolução do petróleo desde as suas origens. Contudo, de sua análise emergem três estágios. O primeiro é a onda de nacionalização durante as décadas de 1970 e 1980, que permitiu aos governos do Golfo assumirem o controle direto da produção a montante, com empresas nacionais de petróleo como a Saudi Aramco, a Abu Dhabi National Oil Company e a Kuwait Petroleum Corporation encarregadas da exploração, extração e exportação do petróleo na região do Golfo.
O segundo estágio decisivo começou no fim da década de 1990, com a abertura da China para a economia mundial e a sua colocação como centro da manufatura global.
A terceira fase, que começou na década de 2010, viu a confirmação da China como "a oficina do mundo". Em 2019, cerca de 45% de todas as exportações mundiais de petróleo estavam indo para a Ásia, com mais da metade delas destinadas apenas à China. "A maioria desses suprimentos de petróleo teve origem no Oriente Médio, com os estados do Golfo e o Iraque fornecendo coletivamente quase metade das importações de petróleo da China até 2020 (um aumento de cerca de um terço em 2001)", explica Hanieh, acrescentando que isso é uma "tendência pan-asiática" com cerca de 70% de todas as exportações de petróleo bruto do Oriente Médio (principalmente do Golfo)... atualmente destinadas à Ásia".
Os Estados Unidos, que foram abalados durante a crise do petróleo de 1973, desde então se tornaram o principal produtor de petróleo do mundo. A lembrança dos campos de petróleo do Texas que, há cinquenta anos, não puderam compensar a diminuição de importações foi tão amarga que os americanos procuraram diligentemente novas fontes de petróleo no Golfo do México, no Mar do Norte e no Alasca. Washington também fez de tudo para enfraquecer o domínio da OPEP sobre o petróleo, minando, por meio de guerras e sanções, alguns de seus membros mais proeminentes, incluindo Iraque, Irã, Líbia e Venezuela.
De acordo com um relatório recente da US Energy Information Administration (Administração de Informações sobre Energia dos Estados Unidos), "desde 1977, as parcelas percentuais das importações totais de petróleo e petróleo bruto dos Estados Unidos de países da OPEP diminuíram". Em 2022, a Arábia Saudita, o maior exportador de petróleo da OPEP para os Estados Unidos, foi responsável por 7% das importações totais de petróleo e 7% das importações de petróleo bruto dos estadunidenses. Dentre os países do Golfo Pérsico, a Arábia Saudita também é a maior fonte de importações de petróleo dos EUA. Cerca de 52% das importações totais de petróleo da grande potência norte-americana vieram do Canadá.
Embora a arma do petróleo possa ser ineficaz contra Washington, ela poderia ter dissuadido vários governos europeus de seu apoio incondicional aos crimes de Israel em Gaza e na Cisjordânia.
A União Europeia (UE) se viu carente de suprimentos de energia confiáveis desde o início da guerra na Ucrânia em fevereiro de 2022 e a proibição das importações marítimas de petróleo bruto e gás russo. De acordo com dados do Eurostat, as importações da UE de petróleo bruto da Arábia Saudita cresceram de 6,3% para 8,8% do comércio em valor entre o segundo trimestre de 2022 e o segundo trimestre de 2023. No mesmo período, a participação russa no gás importado pela UE diminuiu, enquanto a participação argelina aumentou de 7,2% para 16,5% do comércio em valor. Tanto a Arábia Saudita quanto a Argélia são importantes membros árabes da OPEP, e seu peso poderia ter feito diferença no mapa de fornecedores de energia da UE e em sua política externa em relação a Israel e Palestina.
A segunda razão pela qual o ministro saudita pode ter dado risadas frente à pergunta da repórter é que Israel, que foi um inimigo de Riad no passado, agora se tornou um amigo. Enquanto o rei saudita Faisal demonstrava seu ódio ao sionismo, hoje altos funcionários e líderes políticos nos Estados do Golfo veem Israel como um aliado estratégico com quem podem trocar palavras de elogio e visitas amigáveis.
Após selar os acordos de paz com Egito e a Jordânia em 1978 e 1994, respectivamente, o governo sionista de extrema-direita de Benjamin Netanyahu conclui o chamado Acordos de Abraão com os Emirados Árabes Unidos (EAU), Bahrein, Marrocos e Sudão.
Os Acordos de Abraão são acordos bilaterais sobre a normalização árabe-israelense assinados entre Israel e os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein em 15 de setembro de 2020. (Fotos: Wikimedia Commons)
Os Acordos de Abraão são um tratado de normalização intermediado pelos EUA que, por sua vez, também busca reforçar as relações de normalização (já existentes) com outros países árabes que não fazem oficialmente parte do acordo. Isso inclui aqueles países que têm laços diplomáticos formais com Israel, como Egito e Jordânia, e aqueles que ainda não formalizaram suas relações de longa data com Israel, como Arábia Saudita e Omã.
Os Estados do Golfo afirmam que não estão abandonando o apoio aos palestinos. O ministro das Relações Exteriores dos Emirados Árabes Unidos explicou, antes de assinar o acordo em Washington em 15 de setembro de 2020:
"Este entendimento nos permitirá continuar apoiando o povo palestino e realizar suas esperanças por um estado independente dentro de uma região estável e próspera. Este tratado se baseia em acordos de paz anteriores assinados por nações árabes com o Estado de Israel. O objetivo de todos esses tratados é trabalhar para a estabilidade e o desenvolvimento sustentável".
No entanto, ao contrário das alegações do ministro dos Emirados, os Acordos de Abraão – e outras iniciativas de "econormalização" que criam a ponte para acordos com Israel sobre energia e água – resultaram em mais repressão contra os palestinos.
A acadêmica palestina Manal Shqair, em seu capítulo em "Dismantling Green Colonialism" dedicado à econormalização, analisa as repercussões que tais projetos árabe-israelenses vigentes têm sobre os palestinos – na Cisjordânia ocupada, na Faixa de Gaza, nas Colinas de Golã sírias anexadas e até nos territórios palestinos colonizados em 1948, onde o brutal apartheid é generalizado.
Para Shqair, "não importa quais formas os projetos de energia no Mediterrâneo e Israel assumam, dois fatos importantes permanecem". Em primeiro lugar, ela vincula a violência e a desumanização enfrentadas pelos pescadores palestinos e pelo povo sitiado em Gaza às reservas de gás altamente militarizadas que Israel controla no Mediterrâneo e aos projetos a eles vinculados, nos quais os petrodólares do Golfo são um grande ativo. Em segundo lugar, ela argumenta que a União Europeia mais uma vez mostra sua hipocrisia: ao importar gás israelense como parte dos esforços para responsabilizar a Rússia por sua invasão da Ucrânia, as nações europeias estão tratando de forma flagrante os povos palestino e Jawlani (ou seja, os povos das Colinas de Golã) como menos humanos do que os ucranianos.
Através de seus acordos com Israel, os estados árabes "normalizadores", como Egito, Jordânia, Bahrein, Emirados Árabes Unidos e Marrocos, "estão agora participando abertamente da desumanização sistemática de palestinos e sírios nas mãos tanto dos sionistas quanto dos governos europeus", argumenta Shqair. Portanto, "A desumanização dos colonizados e a cumplicidade dos estados árabes nisso são mascaradas de verde pela UE e Israel, enquanto colaboram no que é retratado como uma transição para um futuro mais verde e uma economia de menor emissão de carbono".
O riso do ministro saudita foi, diriam alguns, apenas uma risada. Mas é um sinal sombrio do cinismo dos estados do Golfo e de outros regimes árabes, que continuam a testemunhar o massacre sionista dos árabes palestinos com indiferença cúmplice, covarde e criminosa.