Os salmos do viajante. Artigo de Roberto Mela

Foto: Aaron Burden/Unplash

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19 Novembro 2025

"Para os crentes, os Salmos são a palavra que Deus nos fala, mas também constituem as palavras com as quais o homem pode se dirigir a Deus. Jesus frequentemente orava com os Salmos, que também foram usados ​​pelos autores do Novo Testamento para nos ajudar a compreender a própria pessoa de Jesus", escreve Roberto Mela, teólogo e professor da Faculdade Teológica da Sicília, em artigo publicado por Settimanna News, 10-11-2025.

Eis o artigo.

A citação de Agostinho de Hipona que o exegeta florentino – presidente da Sociedade Bíblica da Itália, grande especialista nos Livros Sapienciais e professor em Florença e no Pontifício Instituto Bíblico de Roma – colocou no início da Introdução ao seu volume dedicado aos Salmos 120-134 é belíssima:

Neles [os Salmos de Ascensão] ressoa a voz do homem que, com o coração repleto de piedade e amor, caminha em direção à Jerusalém celestial, a cidade que almejamos enquanto exilados e onde nos alegraremos ao final de nossa peregrinação. Para esta cidade ascende todo homem que progride; dela cai e cai todo aquele que cessa de progredir. Mas não tente ascender movendo os pés, nem acredite que movendo os pés você descerá; ascenda amando a Deus, caia amando o mundo. Esses salmos são, portanto, o cântico de pessoas apaixonadas, ardendo em desejos santos. Aqueles que os cantam ardem em seus corações, e a chama de seus corações também se revela em seu comportamento exterior, em sua boa conduta, em suas obras em conformidade com os mandamentos de Deus, em seu desprezo pelos bens temporais e em seu amor pelos bens eternos. (Exposição sobre os Salmos 126,1)

Os salmos das "ascensões"

Os chamados "salmos da ascensão" são os quinze salmos (Sl 120-134) que se acredita terem sido recitados pelos peregrinos, um a um, enquanto subiam os quinze degraus do altar em Jerusalém. Esses costumes não foram confirmados. Alguns os associam ao tema do retorno do exílio; os exilados são aqueles que "sobe" a Jerusalém.

A explicação preferida de Mazzinghi relaciona-se ao fato de que nunca se "vai" a Jerusalém, mas sempre se "sobe". Tanto que, ainda hoje, diz-se que aqueles que emigram para Israel fizeram "aliyah"/"ascensão".

Segundo o estudioso, os Salmos 120-134 são "salmos de peregrinação, compostos em um contexto sacerdotal como um 'manual' de orações para os filhos de Israel que sobem a Jerusalém durante as principais festas judaicas" (p. 8). São, em todo caso, cânticos de jornada, de uma "ascensão" que conduz das dificuldades da vida cotidiana a Jerusalém e ao templo: isto é, ao próprio Deus.

São os salmos do "viajante" (daí o título do livro).

Livro de Luca Mazzinghi, Os Salmos do Viajante. Canções Bíblicas das "Ascensões", Edições Qiqajon, Comunidade Bose, Magnano (BI) 2025. (Foto: Reprodução/  Edições Qiqajon) 

O contexto dos salmos de "ascensão" e as metáforas

No Saltério, os Salmos das "ascensões" foram colocados depois dos do "pequeno Hallel" (Sl 113-118), todos com foco em temas relacionados ao êxodo do Egito.

O Salmo 119, por outro lado, é uma longa meditação sobre a Torá, sobre a Lei/palavra de Deus entendida como o cerne da vida de Israel, recebida enquanto vagavam pelo deserto. "Uma vez recebida a Lei, é possível partir na jornada rumo a Jerusalém: assim, os salmos das peregrinações são como o ápice da jornada iniciada com o êxodo do Egito" (p. 10).

Os salmos que seguem os "salmos da ascensão" expandem a ideia de bênção e relembram a criação e o êxodo (Sl 135-136, o "grande Hallel"). Assim, a menção de Sião/Jerusalém nos "salmos da ascensão" é colocada num contexto mais preciso, o da criação e, ao mesmo tempo, da história da salvação.

Mazzinghi recorda como o seu — e o meu também… — grande professor, Luis Alonso Schökel, definiu os Salmos como orações em forma de poesia. É, portanto, necessário lê-los e rezá-los, prestando atenção à grande variedade de metáforas presentes neles. Elas fazem dos Salmos poemas que comovem, questionam, provocam e inspiram mudanças.

Para facilitar a compreensão do leitor e destacar a repetição mnemônica das metáforas e palavras mais importantes, Mazzinghi as apresenta em itálico ao longo de sua tradução pessoal dos salmos.

Estruturação concêntrica

Para os crentes, os Salmos são a palavra que Deus nos fala, mas também constituem as palavras com as quais o homem pode se dirigir a Deus. Jesus frequentemente orava com os Salmos, que também foram usados ​​pelos autores do Novo Testamento para nos ajudar a compreender a própria pessoa de Jesus.

Mazzinghi traduz os salmos à sua maneira pessoal, acrescentando pouquíssimas notas bibliográficas. Seu texto é deliberadamente simples, livre de qualquer jargão técnico (que o autor dominaria completamente).

A tradução pessoal dos salmos revela, mais de uma vez, peculiaridades interessantes. Assim, por exemplo, o Salmo 120:7 deveria ser traduzido como "Eu sou a paz" e não "Eu sou pela paz"; e da mesma forma, "quando eu falo, eles são guerra" (ibid.). O Salmo 122:6 não afirma pedir paz para Jerusalém, mas sim "Peçam a paz de Jerusalém".

O estudioso agrupa os quinze salmos da "ascensão" em três grupos de cinco, fornecendo também alguns títulos interpretativos muito úteis. A estrutura concêntrica dos três grupos destaca a centralidade de Jerusalém.

Apresentamos o diagrama que ele elaborou, na esperança de que seja útil ao leitor. E certamente é.

Salmo 120: Uma oração confiante com um tom de lamento. O ponto de partida: o exílio e uma situação de incerteza.

Salmo 121: O auxílio que vem do Senhor.

Salmo 122: Jerusalém, o objetivo, a cidade da paz. Menção a Davi.

Salmo 123 O desprezo dos orgulhosos; um pedido de ajuda.

Salmo 124: Reflexão sobre a história: o Senhor esteve conosco; primeira resposta ao Salmo 120.

Salmo 125. Uma oração confiante: o Senhor quebra o “cetro do ímpio”, protege Israel e dá paz.

Salmo 126: O retorno do exílio.

Salmo 127 Jerusalém, cidade e casa construída pelo Senhor; bem-aventurança.

Salmo 128 Bem-aventurado o homem justo na sua casa.

Salmo 129: Reflexão sobre a história: o Senhor quebrou "a corda dos ímpios".

Salmo 130. Uma oração confiante com um tom de lamento: das profundezas… Israel espera pelo Senhor.

Salmo 131: Entrega total a Deus. Que Israel espere no Senhor.

Salmo 132 Jerusalém, lugar de descanso de Deus. Menção de Davi.

Salmo 133 Primeira conclusão: a paz está na união fraterna.

Salmo 134 Segunda conclusão: a oração dos "servos do Senhor" continua noite adentro.

Nas páginas 127-128, Mazzinghi apresenta uma bibliografia concisa dos textos que utilizou em sua obra. Uma preciosidade, ela nos ajuda a apreciar a Bíblia como um texto literário e poético, permitindo-nos abrir-nos com confiança para ouvir a Deus e para orar com segurança ao seu Coração Paterno, que ouve e auxilia "o viajante".

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