Por: André | 06 Fevereiro 2015
Os mais ativos são os cardeais, os bispos e os teólogos que querem inovar a doutrina e a prática da Igreja sobre o casamento e a homossexualidade. Mas no primeiro lote de eleitos para o próximo sínodo são muito mais numerosos os defensores da tradição.
Fonte: http://bit.ly/1xsKTfG |
A reportagem é de Sandro Magister e publicada no sítio italiano Chiesa, 05-02-2015. A tradução é de André Langer.
Como anunciou o secretário-geral do sínodo dos bispos, Lorenzo Baldisseri (foto), foi divulgado o primeiro lote dos participantes da reunião de outubro próximo, eleitos pelas respectivas conferências episcopais.
Já era do conhecimento de todos a composição da delegação dos Estados Unidos. Os quatro nomeados são todos contrários à admissão à comunidade dos divorciados que se casaram novamente – ponto crucial do atual conflito –, ao passo que não foi eleito o pupilo do Papa Francisco, o progressista Blase Cupich, promovido há muito pouco tempo para a importante arquidiocese de Chicago.
Mais equilibrada aparece a delegação da França, na qual o progressista Jean-Luc Brunin, presidente da Comissão Episcopal Francesa para a Família, é o contraponto do cardeal André Vingt-Trois, arcebispo de Paris.
Entre os delegados da Espanha, o mais votado foi o arcebispo de Valladolid e presidente da Conferência Episcopal, o novo cardeal Ricardo Blázquez Pérez, grande defensor há anos do Caminho Neocatecumenal, o movimento católico mais comprometido na defesa do modelo tradicional de família. Ao passo que o predileto do Papa, o novo arcebispo de Madri, Carlos Osoro Sierra, entrou no grupo por muito pouco, superando apenas por um voto o conservador Juan Antonio Reig Plá, bispo de Alcalá de Henares.
Decididamente orientado no sentido conservador é o único representante da Holanda, na pessoa do cardeal Willem Jacobus Eijk.
O mesmo acontece com grande parte dos delegados africanos.
Surpreendente é o caso da Nova Zelândia, onde o novo cardeal John Atcherley Dew, defensor entusiasta das teses progressistas no sínodo de outubro passado, não foi reeleito para voltar para Roma como delegado de seu país.
Da mesma maneira não foi eleito, no Uruguai, nem sequer o outro novo cardeal Daniel Fernando Sturla Berthouet, arcebispo de Montevidéu, também ele progressista. Irá ao sínodo o bispo de Minas, Jaime Fuentes Martín, membro da Opus Dei e testemunha direta, há 15 anos, quando era capelão das irmãs adscritas à nunciatura, do escandaloso “ménage” entre o então conselheiro diplomático Battista Ricca – hoje agraciado pelo Papa Francisco, que o promoveu a prelado do IOR – e seu amante vindo da Suíça. Também o predecessor de Fuentes na diocese de Minas, o bispo emérito Francisco Domingo Barbosa da Silveira, esteve nas crônicas por ações análogas, que o obrigaram a pedir a renúncia em 2009.
A partir deste primeiro lote de delegados se pode prever, então, que no sínodo de outubro os defensores de mudanças audazes da doutrina e da práxis da Igreja em matéria de casamento e de homossexualidade não encontrarão caminho aplainado.
Isto não exclui que alguns deles estejam dando prova de um particular ativismo para apoiar sua causa.
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Nos Estados Unidos, por exemplo, o novo arcebispo de Chicago, Blase Cupich, não oculta que tem como seu farol o cardeal Walter Kasper, o líder dos inovadores, e age em consequência.
Como já fez em sua diocese anterior de Spokane, Cupich anunciou em uma entrevista concedida à revista Commonweal que deu de presente a cada um dos seus sacerdotes uma cópia da exposição de Kasper no consistório de fevereiro de 2014, em apoio da admissão à comunhão aos divorciados recasados e organizará seminários para que os próprios sacerdotes assimilem ao máximo os conteúdos.
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Na Alemanha, o arcebispo de Munique, Reinhard Marx, que também é um dos nove cardeais da consulta do Papa, vai ainda mais longe.
Em uma longa entrevista publicada na revista America, dos jesuítas de Nova York, disse que a comunhão aos divorciados recasados é apenas um primeiro passo, porque é sobre a doutrina do matrimônio que é necessário intervir, atualizando-a, e o mesmo vale para as relações homossexuais.
Entretanto, a Conferência dos Bispos da Alemanha tomou medidas para tornar público sua própria contribuição para o sínodo de outubro passado: um documento para apoiar a comunhão aos divorciados recasados, subscrito pela grande maioria dos bispos e de fato em grande medida já colocado em prática.
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Na Bélgica, o bispo de Antuérpia, Johan Bonny, ex-colaborador do cardeal Walter Kasper no Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos e aspirante número um à sucessão do atual arcebispo de Bruxelas, o conservador André-Joseph Léonard, enriqueceu a carga, já muito pesada, de suas propostas inovadoras que pedem à Igreja a plena aprovação da “relação” entre homossexuais, em uma entrevista concedida ao jornal De Morgen.
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Ao passar dos bispos para os teólogos, um destes, o italiano Giovanni Cereti, citado pelo cardeal Kasper como seu primeiro autor de referência na reconstrução da prática da Igreja antiga sobre os divorciados recasados, não apenas voltou a confirmar as próprias teses rechaçando em bloco qualquer crítica, mas as aumentou, admoestando que quem nega a Eucaristia aos divorciados recasados corre ele mesmo o risco de se colocar “fora da comunhão da grande Igreja”.
De fato, é o que ele escreve no prefácio à recente reimpressão de um livro seu sobre o tema, Divorziato risposati. Um nuovo inizio è possibile? [Divorciados recasados. É possível um novo começo?], editado pela Cittadella de Asis:
“Quem não reconhece a possibilidade de que se possa conceder a estas pessoas a reconciliação sacramental, negando à Igreja o poder de exercitar a misericórdia em nome de Cristo e de perdoar todos os pecados, recai no erro dos novacianos. Eles excluíam da reconciliação e da comunhão até mesmo no leito de morte os responsáveis pelos pecados de apostasia, de homicídio e de adultério, entendendo com este último as pessoas assinaladas deste modo no evangelho (nunca os viúvos que casaram novamente). A grande Igreja tomou consciência muito rapidamente de ter recebido do Senhor o poder de absolver qualquer pecado e, portanto, admitia-os à penitência, e concluído o tempo de penitência readmitia-os na comunhão eclesial e na Eucaristia. Que o Senhor não permita que aqueles que, em nome da defesa da fé, se opõem hoje à reconciliação dos fiéis que se encontram em tal situação caiam no erro novaciano, correndo o risco de colocar-se fora da comunhão da grande Igreja”.
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Do Japão, um jesuíta espanhol, Juan Masiá, vai muito além, em uma fluida entrevista concedida ao sítio espanhol Religión Digital, que o apresenta como “um dos maiores especialistas em bioética do mundo”.
Não apenas ele que quer o sacerdócio para todos, inclusive para as mulheres, como evidencia o título da entrevista. Sobre o ponto específico do casamento e do divórcio pede que não nos detenhamos em inovações apenas práticas, como aquelas sugeridas pelo demasiado prudente Kasper, mas que, finalmente, se faça o que nem sequer o Concílio Vaticano II nunca se atreveu a fazer: mudar a doutrina, inclusive o dogma da indissolubilidade do matrimônio. Quanto à Humanae Vitae, tão apreciada pelo Papa Francisco, Masiá corta em seco. Diz que é inútil tomá-la em consideração; ela simplesmente deve “ser esquecida”.
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Menos brilhante no tom, mas não menos radical na substância é também a linha adotada pelo mosteiro de Bose, cujo fundador e prior Enzo Bianchi tem uma longa ascendência sobre amplos setores do catolicismo não apenas italiano, mais ainda desde que o Papa Francisco o promoveu a consultor do Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos.
O vice-prior de Bose, Luciano Manicardi, em uma erudita entrevista ao Osservatorio delle libertà ed istituzioni religiose, invoca que também a Igreja católica, como antes faziam as Igrejas ortodoxas, admite a dissolução de um casamento e consequentemente a possibilidade de um segundo casamento, não apenas pela morte de um dos cônjuges, mas simplesmente pela “morte do amor”.
Aqui apresentamos o que o vice-prior de Enzo Bianchi disse sobre este ponto:
“Na Relatio Synodi faz-se referência também à ‘diversidade da disciplina matrimonial das Igrejas ortodoxas’, que prevê a possibilidade de novas núpcias, não apenas em caso de viuvez, mas também de divórcio, acompanhadas por um caminho penitencial e, em todo o caso, não mais além da terceira vez (cf. também a relatio ante-disceptationem, parágrafo 3). Se, no momento, parece difícil a introdução na Igreja católica do modelo ortodoxo que prevê também o reconhecimento de causas justas de divórcio (no mundo ortodoxo, com efeito, desde o cânon 9 de Basílio de Cesareia retomado pelo Concílio ‘in Trullo’ de 691-692, toma-se como verdadeira exceção a exceção mateana explicitada na indissolubilidade matrimonial que encontramos em Mt 5,32 e 19,19), no entanto, desde o momento em que a Igreja católica já prevê a possibilidade de novas núpcias sacramentais no caso de morte de um cônjuge, reconhecendo assim uma quebra irreversível do primeiro matrimônio sem que o princípio da indissolubilidade tenha sido infringido, pode-se pensar que ela poderia acolher a possibilidade de novas núpcias diante da evidência de fracassos irreversíveis por causa da morte do amor, da morte da relação, da transformação da vida juntos em um inferno cotidiano. Isto certamente associado a uma disposição penitencial e à vontade de um reinício sério em uma nova união. E isto como medida pastoral e ‘oikonomica’ que narra a misericórdia de Deus, seu amor mais forte que a morte, e que vai ao seu encontro compadecendo-se da fragilidade humana. Certamente, esta solução, apresentada por um teólogo como Basilio Petrà, que surpreende não ter sido visto entre os especialistas do sínodo de 2014, teria consequências no plano ecumênico, na medida em que representaria uma indiscutível aproximação de posições com a prática de outras Igrejas”.
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Diante deste denso desenvolvimento de forças, os defensores do matrimônio indissolúvel são menos ruidosos e menos chamativos.
A seu favor se pode citar o artigo no Die Tagespost de 22 de janeiro do vigário-geral da diocese de Coira, Martin Grichting, uma das raras vozes dissonantes do coro pró-Kasper dominante na Alemanha e na Suíça.
Grichting exorta a enfrentar o problema dos divorciados recasados com o mesmo estilo do apóstolo Paulo, rico de compreensão, mas perfeitamente inequívoco, até o martírio, ao dar testemunho da verdade.
O cardeal Gerhard Ludwig Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, por sua vez, manifestou-se mais de uma vez contra a “sutil heresia” de separar a doutrina da prática pastoral, modificando esta última até desmoronar a primeira, embora dando mostras de defendê-la em palavras.
Por último, pode-se assinalar a “súplica filial” dirigida ao Papa Francisco por 100 personalidades católicas e por mais de 30 associações pró-vida e família para que pronuncie “uma palavra esclarecedora” contra a “generalizada desorientação causada pela eventualidade de que, no seio da Igreja, se abra uma brecha que permitiria o adultério – com o acesso posterior à Eucaristia por parte de casais divorciados e recasados – e inclusive uma virtual aceitação das uniões homossexuais. Todas estas práticas são condenadas categoricamente pela Igreja como contrárias à lei divina e natural”.
Entre os que subscrevem este pedido figuram os cardeais Raymond Leo Burke, Walter Brandmüller e Jorge Arturo Medina Estévez; os bispos Wolfgang Haas (de Vaduz, Liechtenstein) e Athanasius Schneider (de Astara, Kazaquistão); os professores Josef Seifert, Wolfgang Waldstein e Luke Gormally, da Pontifícia Academia para a Vida; Robert Royal, presidente do Faith and Reason Institute, os italianos Roberto de Mattei e Pietro De Marco, e o exilado cubano Armando Valladares, o ex-embaixador dos Estados Unidos na comissão da ONU para os Direitos Humanos.
O cardeal Camilo Ruini, em uma entrevista que concedeu ao jornal Corriere della Sera, em 22 de outubro passado, disse que o poder midiático dos críticos de Francisco é mais fraco do que o poder das publicações laicas que colocam o Papa do seu lado e se apropriam dele: “Uns têm os seus rifles de carregamento manual; os outros têm a aviação”.
No intervalo entre os dois sínodos sobre a família parece que acontece algo similar. Os inovadores têm a aviação e os defensores da doutrina e da prática tradicional têm rifles de carregamento manual.
Mas, como já aconteceu na reunião de outubro passado, também no próximo sínodo se poderá mudar o rumo.
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Entre um sínodo e outro, a batalha continua - Instituto Humanitas Unisinos - IHU