15 Dezembro 2014
Diante da falibilidade humana podemos nos perguntar: e se a segunda união (como ocorre em muitos casos) fosse a que Deus verdadeiramente uniu?
A análise é do ativista italiano Enrico Peyretti, ex-presidente da Federação Universitária Católica Italiana (Fuci). O artigo foi publicado no sítio Fine Settimana, 11-12-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O risco de um cisma (como o lefevriano) é possível hoje na Igreja Católica por parte dos rigoristas que recusam toda misericórdia eclesial para readmitir à comunhão, prévio sinal de penitência, os divorciados em segunda união que o pedem, como ocorre em outras Igrejas. Tal oposição à linha pastoral que o Papa Francisco propõe é evidente e forte.
Giovanni Cereti, há muitos anos, estuda e documenta em vários livros a prática, sobre esse ponto, da Igreja das origens, ainda unida. Esses estudos de Cereti, citados pelo cardeal Kasper no consistório do dia 20 de fevereiro de 2014, encontraram uma violenta oposição direta também contra o Papa Francisco, que havia sugerido tal referência. Agora, Cereti republica essa síntese das suas pesquisas, com um prefácio de atualização também sobre o debate e sobre a literatura internacional.
"Hoje, não é mais possível negar a existência, na prática da Igreja dos primeiros séculos, de uma penitência dos divorciados recasados que não eram inocentes pelo seu divórcio" (p. XII). Para o Concílio de Niceia, de 325, é herético e se exclui da comunhão eclesial aquele que não aceita a comunhão com quem se casou pela segunda vez e com quem (os "lapsi") cedeu sob a perseguição, renegando a fé.
Essa posição dos cátaros, isto é, os "puros", é condenada no cânone 8, que também vale para a Igreja de hoje (p. 76). Foi uma decisão corajosa, na qual a Igreja comprometeu a sua própria autoridade. O erro dos rigoristas foi de não reconhecer à Igreja o poder – que é um dado de fé – de exercer "infinita misericórdia" (p 85) no nome de Cristo e de redimir todos os pecados, porque nenhum pecado é irredimível (p. 29, 77, 78).
Cereti espera que o Senhor não deixe cair nesse erro aqueles que, hoje, presumindo defender a fé, se opõem à reconciliação dos fiéis (p. XVII). Hoje, na consciência cristã, causa mais do escândalo a excessiva rigidez institucional do que o pecado contra o matrimônio. A indissolubilidade é para as pessoas, não as pessoas para a indissolubilidade. A Igreja não é apenas dos perfeitos (p. 100-101).
O livro descreve o ideal evangélico da monogamia absoluta, a possibilidade dos fracassos humanos no matrimônio, causa de grandes sofrimentos, e a disciplina relativa a tais casos, seja a vigente, seja a do primeiro milênio, ponto de referência para todas as Igrejas, para o qual um caminho penitencial da reconciliação teria um valor ecumênico.
Diante da falibilidade humana também podemos nos perguntar (p. 105): e se a segunda união (como ocorre em muitos casos) fosse a que Deus verdadeiramente uniu?
Por fim, o autor trata do problema pastoral da coabitação e dos casamentos civis, da mudança antropológica em relação à liberdade sexual (p. 107), com tal clarividência evangélica que não tira nada e, ao contrário, ilumina o objetivo (p. 28-30) de um amor tão fiel como o de Deus por nós.
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Divorciados: o risco de um cisma rigorista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU