01 Mai 2025
Se invertermos esse estado de coisas, vigiando mais de perto os ricos, sustenta Kerr, podemos entender melhor a desigualdade. Os ricos devem ser obrigados a compartilhar o que sabem, especialmente quando causam danos sociais, como, por exemplo, ao contribuir de forma desproporcional para o aquecimento global.
O artigo é de Elaine Coburn, publicado por LSE Review of Books e reproduzido por Nueva Sociedade.
Elaine Coburn é professora associada de Estudos Internacionais na Universidade de York, em Toronto. Seus textos tratam das desigualdades injustas. Publicou nas revistas International Feminist Review of Politics, Philosophy Today e Political Studies, assim como em Herizons, Literary Review of Canada e Philosophy Now, entre outras.
Os governos fazem o suficiente para enfrentar as crescentes desigualdades ou se limitam a consentir com as elites da riqueza? Em dois livros de recente publicação, Max Steuer e Sarah Kerr abordam essa questão de maneiras diferentes. Enquanto a relação entre os super ricos e o poder político formal se torna cada vez mais evidente, esses livros explicam por que uma política econômica responsável é imprescindível para construir sociedades mais justas.
Como avançar para a equidade econômica em uma sociedade justa? Isso é possível, quando as desigualdades econômicas são descontroladas e poucos ricos exercem um tremendo poder sobre a maioria?
Dois livros muito diferentes convidam os leitores a refletirem sobre as questões econômicas como chave para alcançar uma sociedade justa: Dangerous Guesswork in Economic Policy [Política econômica baseada em conjeturas perigosas], do distinto economista sênior Max Steuer, e Wealth, Poverty and Enduring Inequality: Let’s Talk about Wealtherty [Riqueza, pobreza e desigualdade perdurante. Vamos falar sobre wealtherty], da socióloga política Sarah Kerr. O que está em jogo na disciplina econômica é tanto a justiça quanto a democracia, que devem ser arrancadas das garras da minoria rica, no contexto da ascensão de perigosos populismos. Ambos os autores são pessimistas, e com razão, pois a riqueza está intimamente ligada ao poder e os ricos resistirão a políticas que reduzam suas liberdades e influência. O conhecimento econômico não é suficiente, mas é necessário para nos dar a capacidade de trabalhar eficazmente em prol de sociedades mais equitativas e um mundo mais justo.
Além desse terreno compartilhado, os autores divergem em aspectos importantes. O estilo de Steuer é claro, direto, às vezes taxativo no tom. Ele sustenta que os economistas são conselheiros técnicos desinteressados e necessários para uma elaboração responsável das políticas governamentais: "Os economistas são facilitadores. Me diga o que você deseja e eu te direi como alcançá-lo". Os economistas teorizam, depois desenvolvem modelos simplificados e, a partir deles, criam políticas que moldam nossa vida social em questões tão variadas e vitais como desigualdade, aquecimento global, pandemias. Precisamos do conhecimento econômico especializado para nos afastarmos das conjeturas populistas sobre a economia, que são amadoras, perigosas e, por vezes, francamente desonestas — se ao menos os conselheiros políticos de alto nível ouvissem.
Em contraste, Kerr escreve com um estilo elíptico — para ser franca, às vezes complicado —, a partir de uma perspectiva interdisciplinar. Para ela, a desigualdade, especialmente o problema da alta concentração de riqueza em meio à pobreza, é um tema para quem elabora políticas sociais, não para economistas. Com um desejo de alcançar um amplo público, ela começa e termina com um Manifesto, que inclui declarações como esta: "A riqueza deve ser transformada em um problema social". Kerr instiga pesquisadores, formuladores de políticas e o público a deixarem de focar na pobreza, para entender melhor os ricos e a forma como eles transformam sua riqueza em poder. Isso significa problematizar nosso estado contemporâneo de wealtherty (riquezapobreza), um contexto social em que a extrema concentração de riqueza molda nossa política e legislação, nosso conhecimento e nossa ignorância, e, por fim, nossas formas de ser. Hoje, os pobres são vigiados e disciplinados, convocados a falar e divulgar suas experiências. Os ricos, por sua vez, são deixados em sua privacidade, autorizados a calar-se ou, se escolhem falar, recebem crédito por oferecer perspectivas importantes. Para mudar essas realidades injustas, precisamos de uma melhor ciência social — começando por reconhecer a riqueza como um problema — e uma melhor política social.
Considerando essas diferenças, quais são as forças e limitações particulares dos argumentos de Steuer e Kerr? De que forma eles apresentam as questões econômicas, especialmente a desigualdade, como importantes para quem se preocupa com uma sociedade justa e democrática?
Em Dangerous Guesswork, Steuer se baseia em décadas de erudição para explicar a disciplina econômica aos políticos. O mercado não pode ser deixado a si mesmo; a ideia de que os mercados se autorregulam é uma afirmação indefensável, sendo apenas "ideologia que enlouqueceu". Os conselheiros que não são economistas costumam ser perigosos. O sucesso dos empresários é tomado como evidência de sua habilidade em navegar pelas relações econômicas. Mas, mesmo nos melhores e mais desinteressados casos, o conhecimento dos empresários geralmente se limita a um campo particular, ao contrário do economista profissional, que lida com a economia de forma ampla. Como explica Steuer: "Observar, prever e apreciar tendências na moda e nas preferências de consumo é diferente de prever desemprego ou crescimento econômico", e apenas economistas são treinados para isso.
Na descrição de Steuer, o economista é um cientista que mantém uma "mente aberta" ao considerar diversas teorias e modelos, utilizando-os para gerar evidências e, assim, desenvolver políticas informadas. Quando as políticas econômicas não funcionam, ele aperfeiçoa as teorias e modelos à luz das evidências.
Os economistas compartilham importantes pontos de vista básicos. Todas as economias são uma mistura de atividade dos mercados, políticas governamentais e trocas informais (às vezes ilegais). A especialização, como o conhecimento sobre comércio internacional, coexiste necessariamente com o reconhecimento da "economia mais ampla" e de diferentes tipos de mercados, incluindo as economias rurais e urbanas. As economias nacionais não são autônomas, mas estão interligadas "através do comércio, dos movimentos de capital e da migração". Para Steuer, os economistas profissionais baseiam suas análises nessas verdades compartilhadas, fazendo isso pelo maior bem-estar das economias e, portanto, das sociedades em que vivem.
Steuer foca na economia neoclássica, mas admite que não o faz "por nenhum bom motivo". Muitas teorias econômicas alternativas são testadas — por exemplo, extraindo lições de experiências históricas ou focando na complexidade como característica fundamental da economia — e com razão. Embora Steuer reconheça o pluralismo necessário na disciplina, ele não reserva seus julgamentos. John Maynard Keynes está "profundamente errado" ao afirmar que a economia é como a encanamento, só importando quando não funciona. Ao contrário, a economia é parte da vida cotidiana e merece atenção séria e constante. As decisões econômicas, como financiar uma boa educação básica, podem fomentar virtudes individuais e sociais como curiosidade e coragem.
Pelo mesmo motivo, quando Thomas Piketty afirma que a disciplina econômica frequentemente está demasiado separada de outras formas de investigação social, Steuer concorda abertamente, pois "a economia está intimamente interconectada com o sistema social total". O economista sofisticado, em oposição ao político ingênuo, ao ideólogo, ou pior, ao charlatão, compartilha essa visão.
Steuer explica por que a desigualdade econômica é uma questão chave, inevitável, com sua decisão característica:
"Mas é injusto que 1% da população possua mais da metade da riqueza? Não é uma pergunta científica, alguém poderia dizer, equivocadamente. A maioria das pessoas tem algo que se aproxima de um senso comum de equidade. Se algo transgride esse senso, isso é um fato da vida, como a velocidade da luz."
As questões econômicas dizem respeito à sociedade justa, e a sociedade justa não pode tolerar os altos níveis de desigualdade que caracterizam nossos países e o mundo hoje. Para evitar os danos e desincentivos decorrentes da extrema desigualdade, são necessárias políticas tributárias paliativas, entre outras; e para isso, é necessário o conhecimento especializado dos economistas, e não a influência dos líderes empresariais ricos.
De maneira geral, Dangerous Guesswork é uma introdução clara, admiravelmente sucinta e frequentemente vivaz à economia dominante. Abordagens-chave, como a econometria, e conceitos importantes, como as vantagens comparativas, são explicados brevemente e ilustrados com exemplos úteis. A tendência de Steuer ao julgamento terminante é menos atraente e enfraquece seu argumento de que existe uma pluralidade de abordagens razoáveis para as questões econômicas. Sua decisão de usar o pronome masculino "quase em todos os lugares" é desanimadora. No estilo e nas práticas de citação, Steuer deixa a impressão de que o "clube da economia" é composto por homens brilhantes, com a adição de Janet Yellen, ex-presidente do Federal Reserve dos Estados Unidos. Mais oportuno é o argumento apaixonado de Steuer em defesa do argumento fundamentado e do recurso à evidência contra os populismos, ou pior, as conspirações, e sua defesa da necessidade de relações econômicas mais igualitárias para a sociedade justa.
Em Enduring Inequality, Kerr considera as longas histórias que moldam o presente, marcado por amplas desigualdades e a concentração de riqueza nas mãos de poucos. Punimos os pobres, vendo-os como irresponsáveis e suspeitos por sua pobreza. Isso era assim no século XIX, quando as mulheres eram vigiadas e punidas nos asilos para pobres. Kerr recorda de uma mulher, Hannah Joyce, que em 1845 foi acusada de matar seu bebê, porque se presume que mulheres pobres são más mães; ela foi posteriormente absolvida. De forma menos extrema, aqueles que buscam emprego são vigiados e punidos, assumindo-se que são irresponsáveis e provavelmente trapaceiros. O acesso ao Crédito Universal, disponível apenas para quem tem menos de 16.000 libras esterlinas (algo em torno de 20.000 dólares), depende de uma “pressão cruel e constante para assumir mais tarefas”, independentemente de quão mal remuneradas sejam ou de quantos pequenos empregos diferentes sejam necessários para completar as 36 horas de trabalho exigidas.
Enquanto isso, os ricos são ou deliberadamente ignorados ou considerados atores e conselheiros honoráveis e conhecedores. A informação incorreta fornecida em um formulário de impostos não é considerada fraude, como seria para uma pessoa pobre, mas sim um "erro"; um sistema complacente de “cutucões e avisos” fomenta uma divulgação mais completa e precisa. Os proprietários ricos são deixados em paz, mesmo que suas práticas de aluguel prejudiquem inquilinos menos favorecidos ao criar “condições de moradia inseguras”. Eles têm acesso ao Estado, onde são bem-vindos como interlocutores confiáveis, influenciando diretamente as políticas estatais.
Se invertermos esse estado de coisas, vigiando mais de perto os ricos, sustenta Kerr, podemos entender melhor a desigualdade. Os ricos devem ser obrigados a compartilhar o que sabem, especialmente quando causam danos sociais, como, por exemplo, ao contribuir de forma desproporcional para o aquecimento global.
Infelizmente, o livro de Kerr — escrito a partir de sua tese de doutorado — ainda é lido como uma exploração desordenada de ideias sobre desigualdade econômica de uma doutoranda entusiasta, mais do que como um argumento claro e fundamentado. Existem inconsistências importantes. Kerr insta os leitores sem ambiguidade a "parar de falar sobre a pobreza", afirmando que "falar sobre a pobreza direciona a atenção para os sintomas do problema", apenas para, em seguida, apresentar vários capítulos focados nos pobres, desde os asilos para pobres do século XIX até as experiências de mulheres que hoje se veem forçadas ao trabalho sexual para sobreviver. De fato, o que Kerr quer dizer, e diz em outras partes, é que devemos estudar os ricos em relação aos pobres. Evitar slogans equívocos e argumentos inconsistentes é importante em um livro que busca intervir nos debates políticos e persuadir o público.
Infelizmente, Kerr tropeça no uso de conceitos chave ao longo do texto. Tomando emprestado de outros acadêmicos, por exemplo, distingue "riqueza ordinária", ou o que é minimamente necessário para uma boa vida, como "segurança", da "excessiva" ou "sobrante" riqueza, ou seja, a concentração de ativos muito acima do necessário para satisfazer as necessidades. Uma vez estabelecida, essa distinção não se sustenta nem neste capítulo nem no restante do livro. Muitas vezes Kerr se refere simplesmente a "os ricos" e "os pobres", mas em outros trechos descreve os ricos como "capitalistas", recorrendo a uma linguagem marxista da economia política da qual, de outra forma, (em geral) ela se distancia. Não se trata de um traço inevitável da interdisciplinariedade, mas de uma confusão significativa em torno de um conceito chave.
A maior parte da discussão de Kerr sobre a "wealtherty" poderia ter mais impacto se fosse apresentada de forma mais direta. Considere-se esta afirmação:
"A wealtherty é uma nova estrutura para o estado em que nos encontramos, pois coloca a análise crítica da riqueza no centro dos debates de política social. Cria um novo espaço para pensar. Vamos parar de falar sobre a pobreza e falar sobre a wealtherty se quisermos confrontar a desigualdade."
Por que não escrever simplesmente: "Em vez de focar na pobreza, os debates de política social devem considerar a relação entre riqueza e pobreza, se quisermos confrontar a desigualdade"? Ou até mesmo: "Em vez de focarmos apenas na pobreza, vamos falar sobre desigualdade"?
Por fim, o neologismo "wealtherty" é desnecessário, e o que é pior, distrai ativamente do que (pelo que interpreto) é o argumento principal de Kerr: vivemos em uma sociedade injusta, caracterizada por uma alta concentração de riqueza e poder político em meio a uma terrível pobreza e impotência associada. Estudamos e disciplinamos os pobres, invocando suas vozes, mas sem ouvir suas perspectivas, enquanto damos crédito aos ricos como atores conhecedores, quando não os deixamos simplesmente em paz para que desfrutem de sua privacidade. Isso deve terminar. É necessário entender melhor a desigualdade e, em particular, os muito ricos e como produzem e mantêm relações de desigualdade. O livro de Kerr traz ideias importantes; o original merecia uma revisão mais rigorosa e um processo de edição que apoiasse seu argumento.
Essas intervenções são oportunas e necessárias. No Reino Unido, Rishi Sunak (primeiro-ministro entre 2022 e 2024) possui uma fortuna estimada em 730 milhões de libras esterlinas (cerca de 950 milhões de dólares). Jeff Bezos, Tim Cook, Elon Musk, Sundar Pichai e Mark Zuckerberg, cinco bilionários, sentaram-se juntos na segunda posse de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, em 20 de janeiro de 2025, diante do gabinete de Trump. A relação entre os muito ricos e o poder político formal nunca foi tão evidente. Nesse contexto, os livros de Steuer e Kerr insistem de maneira proveitosa que a desigualdade econômica é um problema importante e que as questões econômicas nos dizem respeito a todos. Acertadamente, eles nos convidam a confrontar as desigualdades e a concentração de riqueza. Se nos importa viver em sociedades justas e democráticas, é o mínimo que podemos fazer.
A versão original deste artigo, em inglês, foi publicada na LSE Review of Books em 26/01/2025 e está disponível aqui. Tradução: María Alejandra Cucchi.