24 Abril 2025
A freira, que viveu e trabalhou em Óstia, perto de Roma, por vários anos, acompanhou de perto os julgamentos dos ditadores latino-americanos do Plano Condor na Itália.
A informação é publicada por Página|12, 23-04-2025.
Uma freira de 81 anos conseguiu burlar o protocolo de segurança do Vaticano para a despedida do Papa Francisco, a fim de lhe dar um último adeus. Conforme registrado pelas câmeras, a mulher se aproximou do caixão — ao qual apenas cardeais e bispos tinham permissão de acesso — e começou a rezar, visivelmente comovida. Quem é ele e qual era sua relação com Jorge Bergoglio?
Uma das imagens mais comoventes do dia foi a da Irmã Genevieve Jeanningros, sobrinha da freira francesa Leonie Duquet, que junto com outra freira, Alice Dumon, foram sequestradas e desaparecidas durante a última ditadura civil-militar em uma operação de espionagem e sequestro da qual participou o repressor Alfredo Astiz.
Irmã Genevieve, que viveu e trabalhou em Óstia, perto de Roma, por vários anos, acompanhou de perto os julgamentos dos ditadores latino-americanos do Plano Condor na Itália, dos quais participou como testemunha.
Irmã Genevieve Jeanningros reza durante a procissão do Velório de Francisco (Foto: Captura de tela do Religión Digital | Reprodução)
Em agosto do ano passado, Francisco se encontrou com Jeanningros na comunidade à qual ela pertence, localizada no bairro romano de Óstia. Estas são as Pequenas Irmãs de Jesus de Charles de Foucauld, que realizaram um projeto humanista com pessoas da comunidade LGBT+, pobres e trabalhadores de circo nômades.
Segundo o Vaticano, os dois se cumprimentaram carinhosamente e sorriram diante dos poucos jornalistas presentes. O Papa a apelidou de "enfant terrible", reconhecendo seu caráter forte e trabalho incansável em prol dos mais desfavorecidos.
A divulgação do encontro por parte do Vaticano foi uma mensagem forte, já que naquele momento havia grande comoção na Argentina pela visita que os deputados mileístas Beltrán Benedit, María Fernanda Araujo, Guillermo Montenegro, Alida Ferreyra, Rocío Bonacci e Lourdes Arrieta fizeram aos genocidas detidos em Ezeiza, entre eles Astiz, o autor do desaparecimento da freira francesa.
Duquet, irmã da mãe de Jeannigros, foi sequestrada em 10 de dezembro de 1977, mantida em cativeiro na antiga ESMA e desapareceu junto com sua companheira Alice Domon, assim como vários membros da comunidade da igreja de Santa Cruz, onde Astiz liderava os esforços de espionagem.
Jeannigros, conhecida por viver em uma caravana perto do parque, onde também atende a comunidade circense local, criticou a cumplicidade da Igreja Católica com a ditadura. "Eu não podia aceitar o silêncio da Igreja ", disse ele em um dos volumes do livro A Verdade Vos Libertará. Mais tarde, ele reconheceu que "foi a proximidade e a ternura do Papa que me curaram de tanto sofrimento".
Em junho passado, em uma entrevista ao jornal do Vaticano L'Osservatore Romano, Jeanningros disse que costumava ir à Santa Sé às quartas-feiras para participar da audiência semanal do Papa. Em um desses dias, ela acompanhou Cláudia, Marcela e muitos outros transexuais para encontrar o Papa. "Uma delas foi assassinada logo depois. Eles tiraram uma foto com o Papa, eu levei para ele, e ele rezou por ela", contou a freira à imprensa do Vaticano.
Nesta quarta-feira, Jeannigros, carregando uma mochila, aproximou-se discretamente do local onde o caixão de Francisco havia sido colocado para rezar e chorar em silêncio. Embora não fizesse parte do protocolo rigoroso que exigia que cardeais, bispos e funcionários do Vaticano fossem os primeiros a se despedir do Papa, ninguém ousou dizer à freira que aquele não era o seu lugar, e ela permaneceu lá por vários minutos.