09 Novembro 2024
Nos Estados Unidos há mais de 65 milhões de habitantes de origem latino-americana. Em 2012, 71% deles votaram em Obama; em 2020, apenas 59% escolheram Biden. Esse deslizamento para a direita está ligado à crise do catolicismo, que chegou em seu mais baixo nível histórico.
A reportagem é de Davide Longo, publicada por Il Manifesto, 06-11-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Erica Perez, 42 anos, vai aos cultos todos os domingos na Iglesia torreón fuerte em Henderson, um subúrbio de Las Vegas, Nevada. Ela é latino-americana, fala predominantemente espanhol e, depois de anos como imigrante ilegal, agora está muito perto de obter a cidadania. “Quando eu puder, votarei nos republicanos”, diz ela, segurando o bloco de notas no qual anotou todas as palavras do pastor. A congregação evangélica à qual ela pertence teve um papel importante no amadurecimento dessa ideia.
“Antes de frequentar a igreja, eu era bastante neutra em relação à política”, afirma a Sra. Perez. “Agora eu diria que sinto a responsabilidade de votar. Coisas como aborto e drogas legais vão contra aquilo em que acreditamos como cristãos.”
Milhares de latinos de religião cristã evangélica nos Estados Unidos pensam como a Sra. Erica Perez. Entre eles está o pastor de sua comunidade, Camilo Perez, um dos mais fervorosos apoiadores de Trump. Nascido na Medellín de Pablo Escobar, ex-apoiador arrependido de Obama, Camilo Perez não tem dúvidas: “Trump foi um bom guardião da Igreja e da moralidade e, embora no passado não fosse muito conservador, hoje ele se tornou um defensor de muitas posições conservadoras”. A posição do reverendo, que guarda zelosamente em seu celular algumas fotos tiradas com Trump durante um evento em 2015, reflete a influência que as posições nacionalistas cristãs do magnata têm sobre a comunidade.
Os latinos, os habitantes dos EUA de origem latino-americana, somam mais de 65 milhões, quase 20% da população total do país. Em cidades como Santa Fé, no Novo México, Los Angeles, na Califórnia, e Miami, na Flórida, constituem a maioria absoluta da população. Sua taxa de crescimento populacional (natalidade e possibilidade de trazer familiares) é de 28%, quatro vezes a média nacional dos EUA, e em estados indecisos como Arizona e Nevada, um em cada quatro eleitores se identifica como latino. Em geral, os latinos são vistos como democratas nos EUA, embora essa tendência agora pareça ter se invertido. Em 2012, 71% deles votaram em Obama; em 2020, apenas 59% escolheram Biden. Esse deslizamento para a direita está ligado à crise do catolicismo, em seu mais baixo ponto histórico, embora ainda seja uma religião de maioria relativa nesse grupo étnico, e ao crescimento dos evangélicos, tradicionalmente alinhados à direita, que agora representam cerca de 20% da comunidade.
No entanto, não devemos pensar que os latinos evangélicos sejam um bloco conservador monolítico. Embora 80% deles tenham votado em Trump tanto em 2016 quanto em 2020, não faltam as vozes fora do coro. Gabriel Salguero, pastor da igreja The Gathering Place em Orlando, Flórida, mantém posições muito mais equidistantes, limitando-se a observar como é difícil determinar quais tendências políticas prevalecem em sua comunidade. “Há uma suposição de que, como evangélicos, votamos nos republicanos; como latinos, somos democratas”, disse Salguero, que também é presidente da National Latino Evangelical Coalition, uma rede de milhares de igrejas evangélicas nos EUA. “Pensar que podem nos considerar voto garantido - para ambos os partidos - acredito que é um erro”. Mais explícita é a posição de Pero Ruiz-Cantù, fundadora da associação Renace, parte do pequeno, mas aguerrido movimento dos Evangelicals for Harris: “Deus diz para amar o próximo como a si mesmo, mas as palavras do ex-presidente Trump são palavras de ódio, especialmente contra imigrantes”.
Em suma, os latinos que se identificam como evangélicos são um bloco eleitoral consistente e heterogêneo, atravessado por profundas contradições, que se vê diante de um dilema que talvez não seja novo, mas que, diante da agressiva campanha eleitoral de Donald Trump, assume hoje um significado especial. Quem resume perfeitamente a questão, é o Rev. Arturo Laguna, líder espiritual da comunidade evangélica Casa di adoracion, em Phoenix, Arizona. Aqui, não é apenas o estado que está indeciso entre democratas e republicanos, mas também as almas dos fiéis do reverendo: “Estamos em um momento complicado porque, por um lado, somos contra o aborto e, por outro, estamos preocupados com a retórica cortante sobre a imigração e a falta de reformas. É uma escolha difícil”. Identidade étnica e experiências de migração, por um lado, e ideias religiosas, pelo outro: resta saber qual dos dois componentes influenciará mais os 10 milhões de latinos evangélicos dos EUA que irão às urnas nas próximas horas.