A esperança de uma onda progressista que subverte um mar reacionário e conservador

Raúl Zibechi abordará os temas desigualdades, política e rebeldias na América Latina em conferência no próximo IHU Ideias quinta-feira, dia 03-11

Imagem: Pixabay

Por: João Vitor Santos | 31 Outubro 2022

Quando o mar está revolto e debaixo de uma tormenta que o faz mais assustador e capaz de destruir tudo, encarar a corrente e navegar em sentido contrário parece impossível. A metáfora nos serve para aludir o cenário político global que parece estar tragado forças reacionárias de uma ultradireita conservadora que, por alguma razão, se torna caudalosa no contato com o tecido social, destruindo todas as bases civilizatórias erguidas até então. Como nadar contra a maré revoltosa, reagir parece impossível. Mas, na perspectiva do jornalista e analista político uruguaio Raúl Zibechi, só parece. Isso porque ele crê numa potência insurgente muito particular entre os latino-americanos. “Na América Latina, os movimentos antissistêmicos apresentam algumas peculiaridades com relação aos do Primeiro Mundo, além de diferenças no que diz respeito às análises que a sociologia dos movimentos sociais tem produzido”, sugere, em artigo que apresenta seu novo livro Territórios em Rebeldia (Elefante, 2022), reproduzido pelo IHU.

Obra de Zibechi, lançada no Brasil em setembro de 2022 pela editora Elefante
Imagem: divulgação

Nesse seu livro, Zibechi insiste em que tenhamos um olhar próprio para nossa realidade e como reagimos a ela, abandonando por completo as lentes eurocêntricas. Afinal, se a Europa foi o berço da sociedade ocidental, e por óbvio incluindo a América Latina, essas sociedades já não são mais crianças tuteladas, podem já encarar e resolver seus próprios problemas. O que o autor demarca é que, embora o avanço dessa nova e mutante extrema-direita seja um movimento global, aqui na realidade latino-americana ela tem suas particularidades e as respostas, desde as insurgências locais, parecem ser mais apropriadas do que a importação de modelos. “Políticas de resistência social e cultural, nascidas nesta região, configuram a estrutura ideológica e cultural dos grandes movimentos: as comunidades eclesiais de base, vinculadas à Teologia da Libertação; a insurgência indígena, portadora de uma cosmovisão distinta da ocidental; a educação popular; e o guevarismo, inspirador da militância revolucionária”, aponta no artigo.

O autor reconhece que as correntes de pensamento que sustentam esses movimentos são as mesmas que sustentam outros, como as insurgências europeias ou em outros continentes pelo mundo. No entanto, chama atenção para ingredientes muito particulares que se fazem aqui nesse Novo Mundo, a exemplo de um dos principais movimentos ocorridos no encontro de povos por essas terras: a mestiçagem. Ou seja, originando-se novas correntes da fusão de lutas múltiplas de diversos povos. “Essas correntes não apenas nasceram na América Latina: encontramo-nas somente aqui, pelo que podemos dizer que, na segunda metade do século XX, afirmaram uma personalidade diferenciada e diferente, sobre a qual vêm sendo erigidas pautas emancipatórias heterogêneas em relação às herdadas das tradições eurocêntricas”, indica. 

 

É nisso que consiste a raiz comum entre correntes como zapatismo, Movimento Sem Terra – MST, pedagogia freireana, cosmovisão indígena e Teologia da Libertação, por exemplo. E mesmo que em toda parte sul do continente se tenha sofrido com esses retrocessos ultra reacionários e conservadores, Zibechi acredita que a experiência da América Latina tem ainda muito a inspirar. “O resultado é que, em todo o continente, vários milhões de hectares têm sido recuperados ou conquistados pelos pobres”, observa.

 

Olhando para esses territórios recuperados, percebe a esperança, pois é neles que esses movimentos “praticam formas de vida nas quais muitas vezes predominam relações sociais não capitalistas, já que o controle territorial  muito diferente dos espaços estudados por Henri Lefèbvre  lhes permite viver de outro modo: trata-se de um mundo de valores de uso em vez de valores de troca. Grandes movimentos, como os indígenas de México, Bolívia, Equador, Peru, Chile e outros países, além dos trabalhadores rurais e de algumas periferias urbanas, exibem em seus territórios projetos de grande fôlego, entre os quais se destaca a capacidade de produzir e reproduzir a vida”.

 

Toda essa reflexão é um dos caminhos pelos quais deve navegar o pensamento de Raúl Zibechi, sem esquecer um olhar sobre o resultado das eleições presidenciais no Brasil, em conferência promovida pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. O evento ocorrerá na próxima quinta-feira, dia 3-11-2022, dentro do tradicional espaço do IHU ideias, às 17h30. A transmissão será ao vivo, no formato live, pelo Canal do IHU no YouTube e pelas redes sociais do IHU. Confira.

  

Saiba mais sobre Raúl Zibechi

Nasceu em 1952, em Montevidéu, no Uruguai. É jornalista, escritor, ativista e analista político, profundo conhecedor dos movimentos sociais na América Latina. Entre 1969 e 1973, integrou a Frente Estudantil Revolucionária – FER, grupo estudantil vinculado ao Movimento Tupamaros de Libertação Nacional. Sob a ditadura militar, iniciada em 1973, foi ativista na resistência ao regime até que em 1975 se mudou para Buenos Aires, na Argentina, para se exilar em 1976, após o golpe militar naquele país, em Madri, onde esteve ligado por mais de dez anos ao Movimento Comunista em tarefas de alfabetização de camponeses e no movimento antimilitarista contra a OTAN.

Em meados da década de 1980, começou a publicar artigos em revistas e jornais de esquerda (Página Abierta, Egin, Liberación) e na mídia latino-americana (Página /12, na Argentina) e Mate Amargo (Uruguai). Ao retornar ao Uruguai, publicou no semanário Brecha, do qual se tornou editor. Também trabalhou na revista ambiental Tierra Amiga, entre 1994 e 1995. Desde 1986, como jornalista e ativista-investigador, percorreu quase todos os países da América Latina, com especial destaque para a região andina. Conhece boa parte dos movimentos da região e colabora em trabalhos de capacitação e divulgação com movimentos urbanos argentinos, camponeses paraguaios, comunidades indígenas bolivianas, peruanas, mapuche e colombianas. Todo o seu trabalho teórico visa compreender e defender os processos organizacionais desses movimentos. 

Raúl Zibechi 

Foto: ssb.org

A análise dos movimentos sociais latino-americanos o levou a afirmar que eles têm diferenças marcantes com os movimentos europeus e estadunidenses, pois são movimentos territorializados, onde os membros dos setores sociais que os compõem (indígenas, camponeses, setores urbanos populares) vivem de outra forma, enfatizando a diferença social e cultural como eixo da mudança social. Assim, acredita que nos territórios controlados pelos movimentos predominam as relações sociais não capitalistas. Ou seja, valores de uso sobre valores de troca, saúde e educação não são mercadorias e são praticadas de forma diferente da sociedade hegemônica, são criadas muitas vezes formas de poder não estatal, baseado na assembleia, que é o órgão de decisão coletiva, como as Juntas de Bom Governo em Chiapas, os conselhos nas regiões da Nasa na Colômbia e os quartéis aimarás no Altiplano boliviano, por exemplo.

 

Raúl Zibechi publicou diversos livros, entre os quais destacamos Dispersar el poder: los movimientos como poderes antiestatales (Tinta Limón, 2006), Territorios en resistencia: cartografía política de las periferias latinoamericanas (Lavaca, 2008), Brasil potência (Consequência, 2012), Los desbordes desde abajo: 1968 en América Latina (Desdeabajo, 2018) e Mundos Otros y pueblos en movimiento: debates sobre anti-colonialismo y transición en América Latina (Desdeabajo, 2022), muitos deles traduzidos para outros idiomas. E, agora, recentemente publicou no Brasil o livro intitulado Territórios em rebeldia (Editora Elefante, 2022). 

 

Entrevista concedidas ao IHU

 

 

Entrevistas e artigos reproduzidos pelo site do IHU

 

 

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