29 Junho 2022
“A América Latina vive uma mudança crucial, o que evidencia o declínio da agenda neoliberal, da qual o Equador ainda parece não ter rota de saída. Agora, resta esperar para ver qual será a reação das elites inclinadas à agenda neoliberal”, opina a jornalista Inna Afinogenova, em artigo publicado por Público, 28-06-2022. A tradução é do Cepat.
Parece que os protestos no Equador estão se tornando uma espécie de regra. A mudança de governo no Equador não significou a mudança de modelo, por isso hoje vemos tantos paralelos com a explosão social de outubro de 2019. Embora isso já tenha sido mencionado por Sara [Serrano], vale a pena relembrar o acontecido.
Após o acordo que o governo de Lenín Moreno assinou com o Fundo Monetário Internacional, veio o momento do primeiro pacotaço, reformas que, segundo Lenín Moreno (e apenas segundo ele, evidentemente), “criariam mais empregos e melhores oportunidades”.
Vejamos essas melhores oportunidades: cortes na saúde, cortes na educação, aumento de impostos, menos férias para os servidores públicos (passaram nada menos que de 30 para 15 dias por ano) ... além disso, que os servidores públicos trabalhem de graça um dia por mês.
Mas não pensem que todos os benefícios dessas brilhantes reformas para melhorar a vida do povo acabavam aqui. Não. Além disso, decidiram eliminar o subsídio aos combustíveis, em vigor há 40 anos, que era fundamental para a população mais pobre e especialmente para a população indígena, muito mais dependente para quase tudo do combustível e mais vulnerável a aumentos desse tipo.
O país ficou paralisado por cerca de 12 dias. Centenas de feridos, mais de uma dezena de mortos em consequência da repressão policial. Milhares de presos e meios de comunicação olhando de lado ou criminalizando os manifestantes. Ao final, houve uma mesa de diálogo e chegaram a um acordo que, surpreendentemente, no caso de um político tão fiel a suas ideias como Moreno, foi descumprido por seu governo.
E, aqui, conto para vocês porque tive que voltar quase 3 anos ao passado. Porque este é um padrão, não se trata apenas do Equador, nem somente do preço do combustível. Isso tem outro nome, e nada mais é que o neoliberalismo, cujas políticas afetaram por décadas, e continuam afetando, a América Latina.
Hoje, Chile e Equador são dois dos Estados mais desiguais do mundo. Os protestos que eclodiram lá, entre 2019 e 2021, foram fundamentais para propiciar a virada progressista que experimentaram posteriormente.
No Chile, a gota d’água foi o aumento do preço da passagem do metrô e, em um primeiro momento, ao menos na Europa, fomos surpreendidos por imagens de um milhão de pessoas se manifestando na Praça Itália e nas ruas vizinhas de Santiago.
Acontece que no oásis tínhamos um sistema previdenciário instaurado durante a ditadura de Pinochet, com um mecanismo de poupança individual colocado nas mãos de fundos privados que investem suas economias na Bolsa de Valores. Isso para todos, exceto para os membros das Forças Armadas, que, sim, tinham uma seguridade social como deus manda.
Na Colômbia, mais do mesmo com suas nuances: a reforma tributária de Duque foi o estopim dos protestos do ano passado. Desigualdade sistêmica, sistemas de saúde e educação deficientes, aumento de impostos para os setores mais vulneráveis.
Na Guatemala, vimos as imagens do incêndio do Congresso em 2021 porque o governo aprovou um novo orçamento no qual decidiu aplicar “ajustes” na educação e saúde (em plena pandemia, observe) e em questões como desnutrição infantil e, ao mesmo tempo, aumentar os fundos “para a alimentação dos deputados” e a compra de veículos. E nada disso é brincadeira.
Por parte do governo, um clássico que já mencionamos: a criminalização de manifestantes. Seguem fiéis à doutrina de segurança nacional, imposta pelo Departamento de Estado, nos anos 1960. Lemos no livro do professor colombiano Francisco Leal: “Nos anos 1960, os militares adotaram uma série de princípios que os levaram a considerar a maioria dos problemas sociais como manifestações subversivas”.
Naquele momento, então, havia o medo do temível germe do comunismo.
Mas a tradição é cumprida com todo vigor até hoje, por isso ouvimos de vários dirigentes que no Chile os protestos foram desencadeados por fanáticos do pop norte-coreano e por russos. Na Colômbia, pelas FARC e pelos russos, no Equador, por Rafael Correa.
Os manifestantes, tanto no Chile quanto na Colômbia, Equador e Guatemala costumam ser rotulados como vândalos e o foco midiático, em vez de se concentrar em suas reivindicações, dá destaque ao número de latas de lixo que derrubam ou nas vitrines que quebram.
A América Latina vive uma mudança crucial, o que evidencia o declínio da agenda neoliberal, da qual o Equador ainda parece não ter rota de saída. Agora, resta esperar para ver qual será a reação das elites inclinadas à agenda neoliberal, que não costumam se caracterizar por aceitar com disposição qualquer tipo de proposta alternativa às suas políticas. Especialmente, caso venham de qualquer tipo de esquerda.
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Equador, exemplo de como o neoliberalismo devora a América Latina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU