13 Abril 2022
As declarações do Patriarca de Moscou Kirill em apoio ao conflito militar em curso na Ucrânia e a favor do presidente russo Putin estão causando um verdadeiro abalo no mundo ecumênico, tanto que muitos estão pedindo ao Conselho Mundial de Igrejas (CMI) para "expulsar" o Patriarcado de Moscou. O SIR dirigiu a pergunta diretamente ao secretário-geral interino, Rev. Ioan Sauca.
“Todos nos sentimos irritados, frustrados, desapontados e, humana e emocionalmente, tendemos a tomar decisões imediatas e radicais. No entanto, como seguidores de Cristo, foi-nos confiado o ministério da reconciliação e da unidade. Seria muito fácil usar a linguagem dos políticos, mas somos chamados a usar a linguagem da fé. É fácil excluir, excomungar, demonizar; mas somos chamados como CMI a ser uma plataforma de encontro, diálogo e escuta mesmo se e quando não estamos de acordo”.
As declarações do Patriarca de Moscou Kirill continuam a favor da guerra na Ucrânia e em apoio ao presidente russo Vladimir Putin. A última tomada de posição é um convite para combater os "inimigos internos e externos de Moscou". “Neste período difícil para nossa pátria, que o Senhor ajude cada um de nós a nos unir, inclusive em torno do poder”, disse ele.
“Assim surgirá a verdadeira solidariedade em nosso povo, assim como a capacidade de repelir os inimigos externos e internos e construir uma vida com mais bem, verdade e amor”. Não é a primeira vez que o Patriarca de Moscou apoia os propósitos militares da Rússia. Tem feito isso desde o início do conflito na Ucrânia. Estas são declarações que provocaram um verdadeiro abalo no mundo ecumênico, tanto que muitos pediram ao Conselho Mundial de Igrejas (CMI) para "expulsar" o Patriarcado de Moscou. O SIR dirigiu a pergunta diretamente ao secretário geral interino do organismo ecumênico, Rev. Ioan Sauca, da Igreja Ortodoxa Romena.
A entrevista é de M. Chiara Biagioni, publicada por AgenSIR, 11-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O CMI poderia tomar essa decisão?
A decisão de suspender uma Igreja membro do CMI não está na autoridade do secretário geral, mas do Comitê Central, o nosso órgão de governo. A Constituição do CMI estabelece claramente as condições para uma suspensão na Regra I, 6: “O Comitê Central pode suspender a filiação de uma igreja: a pedido da igreja; porque o fundamento ou os critérios teológicos de filiação não foram mantidos por aquela igreja ou; porque a igreja tem teimosamente negligenciado suas responsabilidades de pertença. Tal decisão é tomada pelo Comitê Central do CMI somente após sério discernimento, audiências, visitas e diálogos com as igrejas interessadas e discussões”.
Houve algum caso de suspensão ou exclusão do CMI no passado?
Sim, o CMI se confrontou com casos semelhantes no passado. O mais conhecido é o caso da Igreja Reformada Holandesa na África do Sul que apoiou, inclusive teologicamente, o apartheid. Isso criou fortes debates e condenações de outras igrejas membros do CMI. No final, foi aquela igreja que ‘se excluiu’ do CMI porque sentiu que não podia mais pertencer a ele. Portanto, não foi o CMI que a suspendeu ou excluiu. Entretanto, neste meio tempo, ela foi readmitida.
Outros casos, muito mais próximos dos nossos tempos, ocorreram na Assembleia de Canberra em 1991. Durante aquela Assembleia, a Guerra do Golfo havia se tornado um dos assuntos mais polêmicos. A grande maioria das delegações concordou unanimemente em afirmar inequivocamente que a guerra “não é santa nem justa”. Mas houve quem se opusesse ao pedido de um cessar-fogo imediato e incondicional que vinha principalmente das igrejas estadunidenses e da Igreja da Inglaterra.
Questões teológicas foram, portanto, colocadas sobre as igrejas que defendiam a guerra. A pergunta crucial era: “as Igrejas que defendem abertamente uma guerra podem ser membros de nossa comunhão”. Alguns pediram que fossem excluídas. Mais uma vez, o CMI não optou por uma solução radical, nem decidiu excluir essas igrejas no desejo mais forte de continuar o diálogo. A abordagem espiritual prevaleceu. A frase mais citada em Canberra foi aquela do secretário geral do Conselho das Igrejas do Oriente Médio. Quando perguntado de que lado da guerra está Deus, a resposta foi: “Deus está do lado dos que sofrem”.
E casos envolvendo Patriarcados e Patriarcas do Leste europeu?
Durante a guerra na Iugoslávia houve forte pressão para suspender a filiação à Igreja Ortodoxa Sérvia. Inicialmente, o Patriarca Pavle havia apoiado líderes políticos e a maioria das pessoas que viam a guerra como uma forma legítima de defender a identidade nacional. No entanto, quando percebeu que havia cometido erros na arena política, teve a graça de se desculpar publicamente.
Ele assumiu o risco de participar de grandes protestos antigovernamentais em Belgrado e teve a coragem de declarar publicamente: “Se uma Grande Sérvia tivesse que ser constituída cometendo um crime, eu nunca o aceitaria; … Podemos desaparecer, mas desapareceremos como seres humanos. E em todo caso não desapareceremos porque estaremos vivos nas mãos do Deus vivo”. Um pastor exemplar, um santo homem de Deus! Ele foi um testemunho corajoso dos valores da nossa fé cristã em uma situação difícil que poderia servir de guia e exemplo para o discernimento hoje.
Padre Ioan Sauca, qual é a sua opinião pessoal? O Comitê Central se reunirá novamente em junho: o que decidirá, na sua opinião?
Não posso prever a decisão do próximo Comitê Central, mas acredito que será uma das questões mais quentes na agenda. Minha opinião pessoal? Como muitos, sofro, particularmente como sacerdote ortodoxo. Os eventos trágicos, o grande sofrimento, a morte e a destruição estão em profunda contradição com a teologia e a espiritualidade ortodoxas.
Como vocês viram, fiz o meu melhor: condenei a agressão russa à Ucrânia, apoiando a declaração do metropolita Onufry que a chamou de "guerra fratricida". Escrevi ao Patriarca Kirill, chamei os dois presidentes para acabar com a guerra e uma delegação do CMI visitou as fronteiras da Ucrânia da Hungria e da Romênia para encontrar os refugiados. Todos nos sentimos sem esperança, com raiva, frustrados, desapontados e, humana e emocionalmente, tendemos a tomar decisões imediatas e radicais.
No entanto, como seguidores de Cristo, nos foi confiado o ministério da reconciliação e o tema da próxima Assembleia do CMI nos lembra a todos que o amor de Cristo impele o mundo inteiro à reconciliação e à unidade. Seria muito fácil usar a linguagem dos políticos, mas somos chamados a usar a linguagem da fé, da nossa fé. É fácil excluir, excomungar, demonizar; mas somos chamados como CMI a ser uma plataforma de encontro, diálogo e escuta mesmo se e quando não estamos de acordo. Isso sempre foi o CMI e eu sofreria muito se essa vocação se perdesse e a natureza do CMI mudasse.
Como o CMI pode cumprir plenamente essa missão enquanto uma guerra "fratricida" está em andamento?
Acredito no poder do diálogo, no processo de reconciliação. A paz imposta não é paz; uma paz duradoura deve ser uma paz justa. A guerra não pode ser justa ou santa; matar é matar e isso deve ser evitado através do diálogo e da negociação, ouvindo primeiro a vítima e depois o agressor. Acredito também que o autor do crime pode ser mudado, transformado pelo poder do diálogo e por obra da graça de Deus, responsabilizando-se pelas culpas, reparando os danos e avançando no caminho da justa paz.
Pode parecer idealista e utópico quando nos deparamos com evidentes sinais de crimes de guerra, mas as Sagradas Escrituras e nossa história nos dão muitos exemplos desse tipo. Para concluir: não deixarei de me manifestar contra qualquer agressão, invasão ou guerra; continuarei sendo profético e farei o meu melhor para garantir que o CMI seja fiel à sua missão, a de manter aberta a mesa do diálogo. Porque se excluirmos aqueles de quem não gostamos ou não estamos de acordo, com quem vamos falar, como podemos avançar rumo à reconciliação e uma paz duradoura e justa?
Além do conflito militar em curso, há também um "conflito" em curso entre as Igrejas Ortodoxas. O que o CMI pretende fazer para evitar rupturas?
O Conselho Ecumênico de Igrejas procura encorajar suas igrejas-membro a abordar suas divergências e divisões por meio de oração mútua, diálogo teológico e trabalho conjunto sempre e onde for possível. Embora o CMI não tenha autoridade legal sobre suas igrejas-membro, cria espaços ecumênicos nos quais se podem abordar o que as separa, se assim o desejarem. Os vários espaços ecumênicos criados na história pelo Conselho Ecumênico de Igrejas ajudaram a construir pontes e confiança entre as Igrejas Ortodoxas que estavam isoladas umas das outras por circunstâncias históricas.
Muitos falam da "morte do ecumenismo" devido à incapacidade das Igrejas Ortodoxas de falarem umas com as outras. Quanto a guerra afeta o diálogo ecumênico entre as Igrejas?
Não concordo com aqueles que falam da "morte do ecumenismo" devido à incapacidade de algumas igrejas ortodoxas falarem umas com as outras. A família ortodoxa não é a primeira e a única que hoje enfrenta tensões e divisões internas. Desentendimentos entre duas igrejas, por mais graves que possam ser, não matarão o movimento ecumênico. A busca da unidade cristã nasce da confissão de que a Igreja de Cristo é uma, apesar de nossas divisões humanas.
Empenhamo-nos no movimento ecumênico não porque esteja produzindo muitos resultados, mas porque é um imperativo evangélico. Portanto, não vejo este tempo como uma "morte do ecumenismo". Pelo contrário, vejo mais do que nunca a relevância e a importância de um órgão como o CMI. Resta o único espaço livre que reúne igrejas de todo o mundo, para dialogar e encontrar amizade juntos. Se não tivéssemos o CMI hoje em dia, teríamos que inventá-lo. É o único caminho rumo à reconciliação e à unidade.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“Deus na guerra está do lado dos que sofrem”, afirma Reverendo Ioan Sauca, secretário-geral do Conselho Mundial de Igrejas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU