14 Março 2022
Desde que eclodiu a guerra na Ucrânia, chegaram ao Vaticano vários pedidos ao papa para que consagre a Rússia e a Ucrânia ao Sagrado Coração Imaculado de Maria, de acordo com os pedidos de Nossa Senhora de Fátima. Um apelo que também chegou dos bispos da Conferência Episcopal Ucraniana.
A reportagem é de Franca Giansoldati, publicada em Il Messaggero, 11-03-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Neste momento, ninguém respondeu do outro lado do Rio Tibre. Há muita cautela, até porque tal ato devocional teria também implicações e consequências políticas. O historiador da Igreja Daniele Menozzi, autor do livro “Il potere delle devozioni. Pietà popolare e uso politico dei culti in età contemporanea” [O poder das devoções. Piedade popular e uso político dos cultos na era contemporânea” (Ed. Carocci), explica por quê.
“Em geral – comenta o historiador – a consagração ao Imaculado Coração de Maria, ligada à mariofania de Fátima, assumiu diferentes conotações políticas ao longo do tempo. No início, ela pode ser rastreada até ao fim pacífico da Grande Guerra. Depois, o episcopado português a conectou à construção da ditadura nacional-católica de Salazar em uma chave anticomunista. E, em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, Pio XII realizou a consagração do mundo, ligando a devoção ao regresso da paz (que passava pela derrota do nazismo e do comunismo). Daí se chega a 1952, em plena Guerra Fria, em que se realiza a consagração da Rússia, atribuindo à devoção um valor anticomunista.”
Não é tudo. Depois do fim do Vaticano II, esse ato devocional se tornou até bandeira dos ambientes anticonciliares. “O discurso é mais complexo, mas, por baixo da consagração, há uma persistente visão religiosa que a vê como um remédio para a punição enviada por Deus aos homens pelo seu afastamento da Igreja: é o pecado da modernidade que esse tipo de piedade é chamado a redimir. Para os atuais defensores do culto – em geral, os ambientes tradicionalistas, apesar das cambalhotas interpretativas que fizeram ao longo das últimas décadas – a Rússia, mesmo não sendo mais soviética, é novamente o motor daquela punição que a Providência desencadeia para indicar que a alternativa é o apocalipse ou o retorno a uma ‘ortodoxia católica antimoderna’.”
No livro, o historiador Menozzi aprofunda essa manifestação particular da piedade mariana, ligada à bondade especial da Virgem – da qual o coração é o símbolo por excelência – com o singular privilégio que a distingue de toda criatura, ou seja, a concepção sem pecado original. “Portanto, ela manifesta um pedido urgente a Nossa Senhora para que interceda pelos homens em circunstâncias de dramática gravidade.”
Ainda hoje há políticos que recorrem ao uso político dos cultos. Na Itália, o fenômeno ficou evidente no discurso público proferido em várias circunstâncias pelo secretário da Liga, Matteo Salvini. No entanto, a questão tem uma extensão geral. Afeta tanto países europeus – da França à Polônia, da Áustria à Hungria – quanto países não europeus (é o caso do presidente Bolsonaro no Brasil).
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Consagrar a Rússia ao Imaculado Coração de Maria? Mais do que religioso, um ato político - Instituto Humanitas Unisinos - IHU