11 Março 2022
Andrea Riccardi, 72 anos.
O fundador da Comunidade Santo Egídio: "Precisamos um mediador de alto nível, Putin e Zelensky devem conversar um com o outro. A Rússia não deveria ter sido humilhada nas últimas décadas".
A entrevista é de Concetto Vecchio, publicada por La Repubblica, 10-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "estamos falando de seis milhões de pessoas de refugiados. É um número enorme, que será distribuído, e que não tem igual. Basta pensar que os húngaros que fugiram após a invasão de 1956 foram algumas centenas de milhares".
"Sinto meu coração cheio de indignação. Para que ele está fazendo tudo isso? - desabafa o historiador. Olhe, no final ninguém vai vencer. Só inicia uma espiral de violência que nunca termina. As guerras parecem não acabar nunca. É o caso daquela na Síria, que já dura o dobro da Primeira Guerra Mundial".
Andrea Riccardi, fundador de Santo Egídio, historiador, ex-ministro do governo Monti, que ideia faz do conflito na Ucrânia?
Uma guerra terrível, que será longa e com consequências por anos. E mesmo que os ucranianos sejam derrotados, os russos não vencerão.
O que precisa ser feito imediatamente?
Precisamos de um mediador de alto nível, que crie um mínimo de diálogo entre as delegações opostas. Eu tinha proposto Angela Merkel.
Ela não quer fazer isso?
Ele é uma pessoa séria e o fará, parece-me entender, se lhe for pedido: a começar por Macron e Scholz. Isso não aconteceu até o momento.
As negociações não estão indo bem.
Putin e Zelensky precisam conversar um com o outro. Por isso, é preciso um negociador com autoridade.
O que não funcionou até agora?
Mas todas as mediações devem sempre ser tentadas. Elas são complicadas. Já fiz algumas e sei como é. No final, porém, sempre se coloca algo de bom em movimento.
O que você observa após essas primeiras semanas?
Estamos em um novo tempo. Não é aquele da Guerra Fria, nem o mundo que se seguiu à queda do Muro. Abre-se uma temporada de incógnitas e ameaças.
Quais?
Está em curso uma remodelação, na qual muitos jogam o seu próprio jogo. Os países estão se movendo de modo totalmente desalinhado. Veja a Turquia. É membro da OTAN. Compra armas da Rússia, mas as vende para a Ucrânia.
O Ocidente, no entanto, por uma vez parece compacto.
É um resultado inesperado. Dois milagres aconteceram. A OTAN, da qual Macron havia decretado a morte cerebral, ressuscitou. Os ucranianos estão se mostrando extraordinariamente compactos, apesar do componente russófono e russófilo.
A Europa resistirá ao teste?
A prova é dada pelo acolhimento aos refugiados. Estamos falando de seis milhões de pessoas. É um número enorme, que será distribuído, e que não tem igual. Basta pensar que os húngaros que fugiram após a invasão de 1956 foram algumas centenas de milhares.
Você teme divisões?
Parece-me entender que os ingleses não são generosos. Veremos como será a evolução nos países de Visegrad. No momento, a Polônia se mostrou muito acolhedora, abrindo suas portas para um milhão de refugiados.
A Itália abriga uma grande comunidade ucraniana.
E esta comunidade está dando uma grande prova de dignidade e empenho. A cuidadora de minha mãe, originária de Lviv, que está na Itália há muitos anos com sua filha, passa o dia de folga na paróquia ucraniana de Santa Sofia para ajudar.
A narrativa de Putin de que eles não são um povo não é verdadeira.
Pelo contrário, é um povo que quer viver sua identidade também na diáspora. A aspiração à independência era forte também nos tempos da URSS. Nos anos 1980, fui a Lviv e lá me disseram que seu sonho era ser o Piemonte da Ucrânia.
Em que sentido?
Eles estavam se referindo ao Risorgimento, ao desejo de se tornar um Estado. No entanto, russos e ucranianos são povos irmãos, com um entrelaçamento entre si.
Então a aspiração de sufocá-los só poderá fracassar?
Durante a Primeira Guerra Mundial, Bento XV disse que as nações não morrem. É uma lição mais relevante do que nunca.
Você acredita que a OTAN tem suas culpas no alargamento para o Leste?
Toda reflexão é preciosa, porque produz pensamento, mas hoje se deveria pensar mais em como agir pela paz, mais do que nas causas que produziram a invasão. A Rússia não deveria ter sido humilhada nas últimas décadas.
Por que você está indo para Varsóvia e para a fronteira eslovaca hoje?
Para encontrar os amigos de (Comunidade) Santo Egídio que estão lá. Em Varsóvia administramos um campo de refugiados e cerca de cinquenta apartamentos, que oferecem refúgio aos que fugiram.
Como você explica a grande participação emocional da opinião pública?
Houve um amadurecimento político após a pandemia. A Ucrânia é próxima, mas isso não é suficiente. Retornou a vontade de entender para onde o mundo está indo. E, além disso, no mundo global, até eventos distantes nos afetam de perto.
Outras guerras também foram próximas.
Claro, a Líbia, e também a Síria, mas eram mais difíceis de entender e mais complicados de contar. E hoje é um momento diferente, diante de uma agressão que percebemos como dramática.
A disputa aqui é mais clara?
Sim, um estado invadiu outro.
O que exatamente Putin quer?
Expandir-se o máximo possível. E talvez ressuscitar uma parte da herança soviética.
E Zelensky?
Ele oscila entre propostas de mediação e anúncios de resistência.
Foi certo enviar-lhe as armas?
Não é a primeira coisa que eu teria feito, mas agora a decisão foi tomada. Zelensky depois declarou a Zona de Exclusão Aérea e a OTAN disse com razão que não, porque o conflito teria passado para outro nível.
Como se pode parar alguém que bombardeia até hospitais infantis?
Eu, como todo mundo, sinto meu coração cheio de indignação. Para que ele está fazendo tudo isso? Olhe, no final ninguém vai vencer. Só inicia uma espiral de violência que nunca termina.
Portanto você é pessimista?
As guerras parecem não acabar nunca. É o caso daquela na Síria, que já dura o dobro da Primeira Guerra Mundial.
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Ucrânia: “A guerra será longa. Estamos em um novo tempo. Abre-se uma temporada de incógnitas e ameaças”. Entrevista com Andrea Riccardi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU