13 Dezembro 2021
Num mundo sem horizonte transcendente, a evidente crise da Igreja do Ocidente não deve ser considerada de forma matemática (declínio demográfico, curva das práticas religiosas, diminuição dos padres…). Segundo o teólogo canadense Gilles Routhier - convidado da Faculdade de Teologia do Trivêneto - o futuro da Igreja passa por se tornar um sinal no meio das pessoas: uma Igreja que se mistura com a vida de homens, mulheres e crianças.
A reportagem é de Paola Zampieri, publicada por Settimana News, 11-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Que futuro para as igrejas do Ocidente? Como “reinventar” a antiga Igreja, em um contexto cada vez mais global: esse é o tema sobre o qual o teólogo Gilles Routhier (professor titular da Faculdade de Teologia e Ciências Religiosas da Université Laval - Québec, Canadá, onde leciona eclesiologia e teologia prática) discursou na Faculdade de Teologia do Trivêneto no âmbito do curso de teologia pastoral do prof. Andrea Toniolo.
“Estamos perante a necessidade de elaborar, num tempo radicalmente novo, uma figura inédita da Igreja - começou -. Isso é fazer um ato de tradição, ou seja, expressar o que recebemos de novas formas. Não se trata de 'reinventar a antiga Igreja', mas de expressar o Evangelho, que recebido do Espírito, institui a Igreja em novas formas e dá uma nova figura ao Cristianismo.”
A operação não é simples de realizar e o tornar-se cada vez mais global da Igreja representa um desafio particular.
Gilles Routhier faz referência à Igreja de Québec, que hoje vive no contexto do que Charles Taylor chama de terceira secularização, ou seja, em um mundo onde Deus não faz mais parte do horizonte da vida e do discurso dos homens: “Nós nos contentamos com um mundo sem horizonte transcendente no qual se nasce, se vive e se morre sem abertura para o infinito. É o traço da cultura que, na minha opinião, determina a situação atual”, afirma o teólogo canadense.
Existe uma figura de Igreja que passa, que cai em ruína por divisões, clericalismo, falta de lucidez e determinação para realizar verdadeiras e autênticas conversões, abusos (autoritarismo, pedocriminalidade, abusos espirituais e financeiros ...). A pandemia tem sua parte, mas não se pode atribuir-lhe a totalidade do atual desmantelamento.
Sancionar o fim dessa figura de Igreja e renunciar à sua restauração é o passo necessário para pensar a Igreja do futuro, que Routhier vê como “uma Igreja frágil e pobre, não por escolha, mas por fatalidade; uma Igreja despojada e sem posses, privada de seus bens (econômicos, financeiros e imobiliários), pobre em recursos pastorais, privada de sua influência e de seu poder. Como no caso dos pobres - continua ele - será marginalizada, não será mais convidada nos lugares de poder, não será mais ouvida na mídia, não será mais considerada nos livros de história, será ridicularizada por suas opiniões". É nessa realidade, já às nossas portas, que devemos pensar.
Entre os recursos a que podemos recorrer para pensar a nova situação, Routhier aponta a figura evangélica do seviço, lembrando a Lumen gentium, n. 8 e a Ad gentes, n. 5. “Cristo não cessa, no decurso do seu ministério - explica -, de formar os seus discípulos para que adotem outra perspectiva; não uma visão de poder e domínio, mas uma perspectiva de serviço, de humildade, que inclui a marginalização, a perseguição, ser postos à morte. Só entenderão essa perspectiva depois de sua Páscoa”.
Ao lado disso, cita a experiência de monges trapistas na Argélia. “Despojada, esvaziada de qualquer pretensão de poder, a comunidade teve uma irradiação espiritual mais importante quando soube ser solidária com as pessoas atingidas pela crise: a comunidade não tinha outro papel senão o de ser um sinal, um sinal de comunhão e de reconciliação no meio das pessoas”.
Eis, pois, um ponto de partida para pensar a Igreja quando ela se torna marginal: ela deve se redefinir. “Essa reorientação - explica Routhier – não se concentrará mais sobre o quanto perde em número, em obras, em prestígio social, mas vai formular de maneira positiva um projeto: quem somos nós neste lugar? Para que somos chamados? O que podemos nos tornar? Se essas duas realidades – fazer número e ser sinal - forem confundidas, muitas vezes os projetos de evangelização resultam distorcidos. Não podemos pensar este futuro de forma matemática, com os olhos fixos nas evoluções demográficas, na curva das práticas religiosas e nas estatísticas do número de padres e membros”.
O projeto de se fazer sinal não pode ser empreendido como só o que sobra, mas deve ser abraçado voluntariamente, redescobrindo, como São Francisco, a alegria do Evangelho na pobreza. “Isto exige uma conversão - destaca - porque esse projeto pede que a Igreja desenvolva uma verdadeira solidariedade com o povo em que está inscrita”.
Essa solidariedade não consiste em dar algo, mas em viver com o outro. “Não se trata simplesmente de ser uma Igreja que doa, mantendo-se numa posição de superioridade, mas de tentar ser ‘uma Igreja pobre para os pobres’, segundo a expressão do Papa Francisco”. Portanto, é necessário focar em projetos em que se criem vínculos com as outras pessoas, ao invés de realizar obras que demandam muitos meios.
“Essa Igreja deixará de ser clerical - acrescenta - mas será formada por comunidades disseminadas: será uma 'Igreja de vizinhança', uma Igreja misturada, e não na margem, com a vida de homens, mulheres e crianças". Isso supõe - como escreve o Papa Francisco em relação à paróquia - “que realmente esteja em contato com as famílias e com a vida do povo, e não se torne uma estrutura complicada, separada das pessoas, nem um grupo de eleitos que olham para si mesmos. A paróquia é presença eclesial no território, âmbito para a escuta da Palavra, o crescimento da vida cristã, o diálogo, o anúncio, a caridade generosa, a adoração e a celebração” (EG 28).
“Na minha opinião - conclui Routhier -, a Igreja do Québec tem futuro. Não na restauração do passado, mas no desenvolvimento de uma nova figura que represente um encontro fecundo do Evangelho na cultura.”
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A Igreja do futuro? No meio das pessoas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU