01 Setembro 2020
"O mundo católico pode continuar em suas meritórias atividades educacionais, caritativas e culturais, mas deve saber que não tem e, muito menos, pode pretender uma posição privilegiada. Não se trata de fechar-se em si mesmo, mas de perceber que a raiz última da crise é apenas 'espiritual'", escreve Piergiorgio Cattani, em artigo publicado por Trentino, 31-08-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Até recentemente se temia que a presença cristã, cada vez mais rarefeita no Ocidente, fosse substituída pela islâmica, com mesquitas em vez de igrejas. Em vez disso, centros de convenções, resorts e hotéis substituíram conventos e mosteiros. Ettore Zampiccoli e Danilo Fenner, em dois editoriais publicados ontem, lembravam que essas estruturas, muitas vezes enormes e reformadas recentemente, estão se transformando em complexos multifuncionais para o turismo religioso, ou oásis de espiritualidade. Porém, mesmo esses novos destinos já estão em crise. Reservas úteis durante as férias para valorizar o patrimônio artístico ou para respirar artefatas atmosferas medievais.
O desaparecimento progressivo das principais ordens de frades e freiras do Trentino é um fato marcante. No momento da despedida, gastam-se promessas ilusórias de “ficar sob outras formas”, palavras tranquilizadoras em que ninguém acredita. Está em ato uma grande extinção em massa. Isso não será resolvido com a chegada de religiosos e religiosas "importados" de outras partes do mundo. Claro que nos habituaremos - já estamos habituados - a celebrantes com sotaque tipicamente africano ou a freiras de origem asiática. Essa não é a questão.
O impulso propulsor do Cristianismo parou. É difícil dizer quando. Demorou séculos para chegar à situação atual, mas o declínio da fé cristã tem se acelerado progressivamente. Quebramos a cabeça sobre as causas. Os documentos da Igreja italiana ou do Vaticano, ensaios pletóricos de sociologia eclesial (que deveria ser o Magistério católico!), planos quinquenais de renascimento, são vestígios antigos de uma época que já passou. A solução não existe. No final da leitura desses textos, nos quais muitas vezes não se consegue encontrar qualquer vestígio de Deus ou de Cristo, nos sentimos desanimados. Daria vontade de dizer, como Gino Bartali, “está tudo errado, tem que fazer de novo!”.
Voltemos então aos "sinais dos tempos", que não devem ser aceitos como inevitáveis, mas podem se tornar o "momento favorável". Basta ser sinceros, francos. Virtudes que não residem na esfera eclesial onde ecoam silêncios e meias-verdades, "para um bom propósito", naturalmente. O conceito de "fim da cristandade" poderia ser traduzido concretamente com algumas observações.
A comunidade cristã não pode mais se sobrepor àquela civil (o bispo não é equivalente à autoridade política ou o sacerdote a um funcionário público); o tamanho das paróquias não é medido pelo número de inscritos no bairro, mas por aqueles que se sentem pertencentes a ela; a Igreja não deveria dissertar sobre todo o “dissertável” humano, da lei eleitoral à robótica; a sociedade é democrática e deve ser construída harmoniosamente na pluralidade das visões éticas presentes (a Igreja não pode impor sua moral, nem mesmo apresentando-a como "bom senso" ou "lei natural"); o mundo católico pode continuar em suas meritórias atividades educacionais, caritativas e culturais, mas deve saber que não tem e, muito menos, pode pretender uma posição privilegiada. Não se trata de fechar-se em si mesmo, mas de perceber que a raiz última da crise é apenas "espiritual".
Por isso, a Igreja, envolvendo os leigos nos aspectos pastorais, litúrgicos, econômicos, deveria recomeçar pelo cuidado da dimensão religiosa dos seus fiéis, do seu caminho espiritual. Tratando-os como adultos, não como perenes crianças. As pessoas estão sedentas por isso. Elas têm um desejo de sentido, um anseio por transcendência e não das costumeiras obras mundanas que podem ser feitas por qualquer pessoa.
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A crise espiritual da igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU