22 Março 2018
As duas grandes igrejas na Alemanha têm cada vez menos fiéis: ao mesmo tempo, há anos, diminui também o número dos padres, de forma mais dramática na Igreja Católica do que em relação à evangélica. O que isso significa para quem é padre?
A reportagem é de Michael Schrom, publicada por Publik-Forum, 09-03-2018. A tradução é de Ramiro Mincato.
Às vezes, Hubertus Brantzen pensa no antigo Egito, no culto de Isis e Osiris, com seus templos e à história dessa religião durada 3500 anos. Então, o teólogo católico, que há muitos anos se ocupa da formação dos capelães no seminário em Mainz, pergunta-se se os últimos sacerdotes do culto de Osíris, proibido em 538 d.C., pelo imperador Justiniano, sentiam o que sentem muitos párocos hoje: de serem os últimos exemplares de uma espécie ameaçada de extinção.
Claro que é uma comparação não totalmente adequada. Em nossas latitudes, a influência das igrejas é socialmente assegurada por diferentes apoios. Atualmente, não há nenhuma outra religião à vista, capaz, intelectual ou espiritualmente, de causar uma transferência em massa. E nem mesmo um ditador que imponha uma nova religião. No entanto, a perda de importância do cristianismo, a transformação, o desaparecimento de muitas igrejas e a marcante falta de novos crentes não podem ser subestimados. Em ambas as igrejas, o número dos que desejam escolher a profissão de padre tem diminuído drasticamente há anos. Na Igreja Católica, ainda mais nitidamente do que na igreja evangélica. Normalmente, os pais não demonstram grande alegria quando o filho ou filha expressa o desejo de escolher a profissão de pároco ou pastor / pastora. O número daqueles que entram em seminários católicos pode ser contado com os dedos de uma mão e, muitas vezes, nem são necessários todos os cinco dedos. Isso abate o moral de muitos.
Andreas Unfried, pároco da unidade pastoral Sankt Ursula ad Oberursel, formada por oito comunidades paroquiais pré-existentes independentes, com 14.500 católicos, conhece as consequências da falta de padres. Unificou comunidades, acompanhou grupos que não tinham futuro, fechou casas canônicas e cancelou celebrações de missas. Na linguagem da organização empresarial isto se chama de desmontagem. Do ponto de vista psicológico corresponde mais ao conceito de elaboração do luto. "Nunca tive a impressão de estar em terreno sólido, onde poder construir", diz ele. No entanto, acrescenta: "Nunca estive tão perto do fascínio original pela profissão de padre como hoje". Trata-se de um otimismo finalizado? Para não aceitar a situação pelo que é? A linguagem corporal de Unfried diz algo mais. É uma pessoa cheia de ideias, ansiosa para tentar coisas novas e que não se deixa contagiar pelas queixas, mesmo que observe objetivamente a realidade.
O fato é que, em menos de duas décadas, dois terços dos sacerdotes católicos na Alemanha terão mais de 65 anos. Para a força de inovação de uma comunidade religiosa, esse envelhecimento excessivo é altamente problemático. Os adolescentes interessados em religião ou igreja, e os que ativamente estão trabalhando com jovens paroquianos, geralmente lidam apenas com padres já idosos. O efeito psicológico que isto pode ter sobre pessoas potencialmente interessadas em se tornar sacerdotes não deve ser subestimado. Faz diferença, se você é parte de um movimento jovem e crescente, ou se, desde o início, você percebe que construir unidades pastorais cada vez maiores é apenas uma segunda melhor solução. Mesmo um papa simpático não consegue reverter tal tendência. Além disso, o número de pessoas interessadas no ministério presbiteral é muito limitado. Paralelamente aos criativos e aos idealistas, há também um grande grupo de pessoas que negam a realidade, que não querem tomar conhecimento da nova situação. Hubertus Brantzen, na revista "Diakonia", fala de padres "fascinados pela forma", escondidos atrás de uma estética sacral de séculos atrás, fala de "submarinos conservadores", que introjetaram uma imagem pré-moderna de padre suportando com relutância a teologia moderna até o momento da ordenação. Fala também de jovens padres que, após tropeçar com a realidade e experimentar a solidão existencial, renunciam ao ministério pouco depois da ordenação.
Unfried sabe tudo isso. "Quando éramos jovens, queríamos tudo de imediato. Queríamos revolucionar a pastoral, com novas ideias", diz ele, sorrindo. Mas o grupo de padres a que eu fazia parte, hoje já não existe. E também admite tranquilamente que, mesmo um trabalho apaixonado de comunidade, encontra seus limites. Sim, está preocupado. Menos pela identidade da profissão de pároco, do que pelas comunidades, que frequentemente não têm ninguém que as reconheça e promova suas habilidades, que estimule, que enfrente as áreas cinzentas e que, juntos com elas, busquem ideias para inculturar novamente a Igreja. Mesmo só isso, representa um árduo trabalho. Acrescente-se a isso o fenômeno, cada vez mais generalizado, de que as celebrações religiosas são compreendidas hoje, mesmo por muitos batizados, apenas como uma oferta de serviços, durante momentos especiais da vida, mas que não exigem nenhum compromisso de sua parte.
Há um ano saiu o livro "Aus, Amen, Ende? So kann ich nicht mehr Pfarrer sein" [Fora, Amém, Fim? Assim não posso mais ser pároco] por Thomas Frings. Nele, o padre de Münster admite, depois de 25 anos como pároco: "Já não acredito de que a escolha de ser pároco de uma comunidade, um caminho que empreendi com alegria e entusiasmo, seja um caminho de futuro". O livro de Frings causou um grande alvoroço porque o autor abandonou o ofício, não - como a maioria - por causa de uma relação sexual ou por divergências em relação à doutrina católica. Não, Frings argumentou que "ser padre" deveria ser colmado pela vida cotidiana. Ao lado do crescente desinteresse pelo religioso, do abandono da tradição e do sangramento das comunidades, a preocupa-lo é acima de tudo uma mentalidade cada vez mais difusa de "distribuição de serviços”. Ele descreve esse fenômeno com o exemplo dos casamentos. "O noivo brinda na frente dos convidados com o cálice da comunhão, pronunciando em voz alta "prosit". Um fotógrafo deita-se no chão para fotografar, de baixo, a troca de anéis. Amarram às costas do cachorrinho uma almofada com as alianças, para trazê-los ao altar". Um pároco de Mônaco disse, há pouco, que se sentiu profundamente ferido pelo fato de que, dois meses depois de um casamento, bastante elaborado, com longas reuniões preparatórias, pedidos especiais e longos deslocamentos, os recém-casados deixarm a Igreja, sem sequer falar com ele pessoalmente. Claro, são exemplos de casos específicos. No entanto, quando 90% dos católicos e 95% dos protestantes não participam da celebração do domingo, e uma esmagadora maioria considere e celebre os ritos fundamentais, como batismo, casamento, primeira comunhão e confirmação apenas como uma festa familiar e não como uma expressão de atitude religiosa. É claro, isso interfere nos padres das paróquias. Enquanto isso, Frings voltou à atividade pastoral, mas a provocação permanece: por que continuar sendo padre? Apenas algumas gerações atrás, essa questão pareceria sem sentido, ou mesmo, herética. No entanto, uma vez que quase todos os principais conceitos religiosos, como vocação, alma, graça, missão, salvação, redenção, pecado ou mesmo "pessoas de Deus", emigraram para o museu de palavras esquecidas ou têm de ser laboriosamente traduzidos de maneira nova, até mesmo a definição de profissões como "padre" ou "pastor / pastora" aparecem como pesadas rochas erráticas arcaicas na paisagem.
Unfried e seu confrade proveniente da Índia, padre Xavier, sentem isso como uma oportunidade que abre novos espaços para a liberdade. Na Índia, diz o padre Xavier, o controle social ainda domina, e com isso, uma clara expectativa com relação aos padres como líderes da comunidade. Na Alemanha, por outro lado, onde a fé se baseia em uma decisão livre, seria possível, em sua opinião, uma atividade completamente diferente, um "estar juntos no caminho" realizado em comum e em busca. E isso o alegra muito. Por isso, decidiu de não voltar para a Índia, mas trabalhar como padre na diocese de Limburgo. Mas o colapso do mundo cristão não determina só uma nova liberdade criativa. Empurra o padre, em particular o padre católico, involuntariamente, ao papel de "pessoa singular", sobretudo por causa da especificidade de viver como celibatário. O que um professor de yoga ou meditação fazem, um assistente social, um funcionário de funerária ou um professor de religião, é claro para todos. Eles têm uma tarefa bem definida, são altamente especializados e se consideram capazes de oferecer um serviço que não é exigido pelo mercado ou pelo estado. Para uma pastora ou para um padre, a situação é diferente. É claro que existem muitos pontos em comum com as profissões acima mencionadas. Mas a essência do ser padre visa a outra coisa, algo que pode ser melhor expresso com as palavras antigas "vocação", "missão" e "sequela". Não é por acaso que na liturgia evangélica da ordenação é dito: "Em obediência à ordem que o Senhor deu à sua Igreja, e na confiança de sua promessa, nós o enviamos ao serviço da proclamação ...". E na ordenação sacerdotal católica, o bispo reza: "Dá aos diáconos que hoje ordenas presbíteros da Igreja, a graça de permanecerem fiéis e obediente à tua vontade".
Enquanto no contexto religioso a palavra "vocação" é entendida no sentido de que Deus escolheu pessoalmente uma pessoa para servi-lo como padre / pastor / pastora, hoje, geralmente, "vocação" é uma paixão, um talento particular para uma profissão. Na sociedade altamente profissionalizada e funcionalizada, não importa se alguém se sente chamado a algo ou uma missão, importante é saber que conhecimentos técnicos e habilidades traz consigo.
A exigência da sociedade por profissionais e especialistas também teve efeitos na igreja. Desde a década de 1960, estes últimos expandiram e profissionalizaram a pastoral. Provavelmente nunca houve tantos bons e bem preparados teólogos, teólogas e curadores de almas como hoje.
Ao lado do clássico pároco há interlocutores teológicos treinados e contratados pelas Igrejas para quase todas as situações da vida. Os chamados teólogos leigos se distinguem não só pelo fato de que eles não fazem parte do clero, mas também pelo fato de ter uma relação de trabalho muito normal com a Igreja. Isto é: tempo de trabalho regulamentado, salário contratual, áreas de atividade claramente definidas, nenhuma obrigação de residência na canônica e, ocasionalmente, fins de semana livres.
A aura da profissão de pároco consiste, em vez disso, no fato de que normalmente se espera do pároco identidade entre pessoa e profissão. Como "homens de Deus" ou como "mulheres de Deus", são generalistas, com disponibilidade sem horário, consciência da missão e empenho de seguir a Cristo ao longo de toda a sua existência, seja qual for o significado dessa expressão por parte das pessoas envolvidas. E, de qualquer forma, isso fez com que a figura do padre fosse objeto de obras literárias e cinematográficas, talvez até como herói falido. Que, dentro da situação, se possa ter tensões, é evidente. O que fazer quando os teólogos leigos pregam melhor do que certos párocos? Como fazer emergir carismas e habilidades diferentes? Como reagem os teólogos leigos, especialmente as mulheres, ao desafio de serem absolutamente excluídos do exercício da autoridade que a lei canônica prevê para os ministérios ordenados? Para o magistério católico as mulheres, em virtude de serem mulheres, não podem receber a ordenação. De acordo com o teólogo católico de Tübingen, Ottmar Fuchs, esta situação não pode ser definida senão como "racismo naturalista, não superado, impedindo as pessoas de receberem a graça do sacramento da Ordem".
Sobre a planilha paroquial de Sankt Ursula, os curadores das almas não estão listados de acordo com a função ou título, mas simplesmente em ordem alfabética. Unfried aparece como um penúltimo. Um pequeno detalhe, mas revelador. "Nunca me senti limitado em minha identidade pela presença de agentes pastorais competentes. Todo montanhista alegra-se se houver alguém que participe da escalada, com quem possa compartilhar a experiência dos picos". Unfried não pretende deixar-se arrastar para debates forçados sobre a identidade específica do padre. Em vez disso, sua energia é direcionada na tentativa de conectar eventos bíblicos com a vida das pessoas de hoje, em descobrir novos caminhos de fé para o futuro. A paróquia adquiriu uma van de três rodas, sobre a qual montou uma máquina de café, e com a qual perambulam para encontrar pessoas, parando onde existem playgrounds ou mercados de pulgas: convidam para tomar café, falam, informam ... Unfried já sabe que isso não ajudará a encontrar pessoas empenhadas na paróquia. Mas talvez surjam diálogos estimulantes sobre os ideais do ser cristão, sobre o significado da vida, sobre as esperanças religiosas, sobre o anonimato da cidade e sobre o que pode ser feito para superá-lo. Unfried acha isso apaixonante, o fato de ser, enquanto pároco, o primeiro buscador de Deus na comunidade, e não aquele que "leva Deus" para a comunidade.
Por que você ainda é padre? Um longo silêncio. Então, Unfried cita um poema de Silja Walter intitulado, "Oração do convento à margem da cidade": "Alguém deve estar em casa, Senhor, quando chegares. / Alguém tem que te esperar, lá embaixo no rio, em frente à cidade. / Alguém tem que te procurar, com o olhar, dia e noite ... "(Jemand muss zu Hause sein, Herr, / wenn du kommst. / Jemand muss dich erwarten, unten am Fluss vor der Stadt./ Jemand muss nach dir Ausschau halten und Tag Nacht ...)
Mas, em seguida, porém, se corrige: "Vigiar não é apenas tarefa do padre". Mais uma vez, silêncio. "Acima da minha cama tem uma imagem de Cristo. Ele olha para mim. Isso me lembra minhas responsabilidades. E isso me dá força.
"No final, é uma história de relacionamento, um relacionamento vivido. Presumivelmente, o futuro do cristianismo depende menos da teologia dos ministérios do que da capacidade de despertar relações autenticamente vivas.
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Por que ainda padres? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU