07 Março 2017
"Em minha opinião, essa situação de crise objetiva da fé do mundo e no mundo da juventude não pode ser imputada para a geração dos Millennials, mas recai sobre a geração de adultos que a geraram. Estamos no final de uma longa crise de fé. Trata-se, na verdade, de reconhecer que as dinâmicas fundamentais da correia de transmissão da fé, entre as gerações, estão emperradas. E essa é uma verdade que a comunidade de crentes tem dificuldade de entender, por causa da ênfase excessiva dada à organização paroquial dos caminhos de iniciação cristã, que, resumindo, colocaram em segundo plano a verdade (e sua concreta atualização e monitoramento constante) do contributo essencial dos pais na obra de transmissão da fé", escreve o padre Armando Matteo, professor de teologia fundamental da Pontifícia Universidade Urbaniana, em artigo publicado na revista Settimana News, 23-02-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Não é necessário nenhum levantamento sociológico para nos dizer que nas relações entre os jovens e o universo da Igreja Católica as coisas não procedem mais tão bem. É um fato, agora evidente para todos: falta uma parte à Igreja. Falta no domingo, falta nas programações pós-crisma, falta nos seminários, nos noviciados, nos lugares de discernimento pastoral; falta praticamente em quase todos os lugares ligados à anunciação, à celebração e à prática da fé no Evangelho. É justamente essa parte da Igreja que nos falta que será o foco das atenções da próxima Assembléia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, dedicada precisamente ao tema "Os jovens, a fé e o discernimento vocacional".
Algumas semanas atrás foi publicado o documento preparatório para esse evento, que trata sobre a questão mencionada acima da relação cada vez mais difícil dos jovens com a fé e a Igreja, texto sem meias palavras e que expressa claramente que: "... a pertença confessional e a prática religiosa se tornam cada vez mais características de uma minoria e os jovens não se colocam "contra", mas estão aprendendo a viver "sem" o Deus apresentado pelo Evangelho e "sem" a Igreja .... "
Os jovens estão aprendendo a viver sem Deus e sem a Igreja. Deve-se assimilar esse fato com muita paciência, mas também sem ressentimento e sem desânimo. A Igreja que se busca, à qual o Papa Francisco constantemente nos remete, deve encontrar aqui uma das suas principais e fundamentais razões de atuação.
As palavras nuas e cruas do documento preparatório sugerem agora uma reflexão cuidadosa, que segue três vertentes: primeira, verificar a veracidade de sua relevância no contexto italiano, a partir das inúmeras investigações realizadas até o momento sobre a experiência religiosa das novas gerações; em um segundo momento, tentar "justificar" as principais mudanças nesses jovens em relação à fé que seguem precisamente a esteira de um crescente descontentamento; por fim, começar a delinear as características de uma Igreja que saiba seriamente sair de seus padrões tradicionais, que já não são mais condizentes com a situação atual, e que consiga primerear (gíria papal NdT) - iniciar algo novo - no delicado e precioso terreno do compromisso pastoral dirigido à juventude.
As investigações sobre a relação entre os jovens italianos e a fé cristã são muitas e bem conhecidas entre os agentes pastorais, que sequer é necessário enumerá-las. Vale à pena, pelo contrário, focar-se na identificação dos elementos mais essenciais, os resultados mais evidentes.
1) A primeira constatação que se identifica é o chamado "conflito de gerações": ou seja, aqueles que nasceram depois de 1981 são a faixa populacional mais "afastada" do universo eclesial. Algumas pessoas falam em população "mais alheia" ao universo cristão, outras até a definem simplesmente como "geração pós-cristã", e outros ainda se questionam se não é realmente uma geração sem Deus. O dado refere-se à questão da autodeclaração da catolicidade, de profissão de fé, de assiduidade ao hábito da oração pessoal e, principalmente, à frequência aos cultos religiosos. A coisa que mais impressiona em uma análise diacrônica do levantamento é precisamente o afastamento que cresce nos últimos anos de forma progressiva, quase geométrica mais que matemática, entre a geração Millennials e a anterior.
2) O segundo elemento é que nas novas gerações já não há uma diferença substancial de gênero sobre a realidade religiosa; na verdade, as mudanças mais óbvias estão exatamente no quadrante feminino. Analisando de forma jocosa: como crescem as pequenas ateias! Esta é uma grande novidade para o nosso catolicismo. Não é apenas, portanto, um efeito do ciclo de vida, mas a manifestação de uma modificação mais profunda nessas novas gerações.
3) Aprofundando mais um pouco a análise, descobrimos que para as nossas crianças e os nossos jovens, a religião é quase sempre e quase apenas uma espécie de "ruído de fundo", mesmo tendo frequentado por muitos anos a paróquia, as catequeses, as associações, os movimentos e o ensino religioso na escola. Em suma, depois de 1000 minutos de sermões, 5000 minutos de catequese e 500 horas de religião na escola, para a maioria deles a religião praticamente não tem efeito algum sobre o processo de criação de sua identidade adulta.
4) Em muitos subsiste um anseio por espiritualidade, mas muitas vezes tem um caráter anárquico e muito centrado em si próprio; vai no sentido de uma espécie de bem-estar e suporte psicológico e não de abertura à alteridade. Em qualquer caso, essa busca de espiritualidade continua a ser, na maioria dos casos, mais um desejo do que um compromisso real e concreto.
5) Emerge com um vigor especial a centralidade do testemunho e do interesse religioso em relação a adultos relevantes e aos próprios pares, no caso de grupos religiosos de jovens, aonde é possível registrar a internalização de uma identidade religiosa integrada. Trata-se um percentual que chega a cerca de 10% da população jovem.
6) Muitos jovens afirmam que hoje é mais difícil ser crente do que no passado e que, portanto, as várias opções a respeito - da incredulidade ao compromisso convicto e assíduo na vida da Igreja - têm cada uma sua própria validade.
7) Evidentemente foram confirmadas algumas coisas amplamente conhecidas:
• um forte analfabetismo bíblico;
• uma forma de crença parcial em muitos conteúdos do dogma cristão e também na figura do próprio Jesus;
• o esforço para reconhecer um valor específico para o texto do Evangelho em relação a outros textos do passado;
• a alergia a uma moral que é baseada exclusivamente no preceito e na interdição;
• a indignação em relação a formas de riqueza e poder que ostentam ou que buscam alguns representantes da Igreja;
• um juízo negativo sobre a Igreja em geral, no qual são poupados apenas o papa Francisco e alguns agentes pastorais, embora raramente, entre os jovens entrevistados, tenha surgido alguma lembrança negativa sobre as experiências religiosas da infância e da adolescência, em termos de uma religiosidade repressiva e punitiva ou culpabilizante.
8) Os jovens, por fim, salientam que a novidade que trazem em termos de maior descontentamento com a religião tem raízes profundas: com certeza nos pais, mas - não é impossível - até nos próprios avós. Para usar um termo da moda, dizem que não são "a primeira", mas "a segunda" quando não a "a terceira geração descrente".
Os dados acima confirmam que estamos essencialmente diante de uma radicalização das dificuldades na relação entre a religião católica e o mundo da juventude. Confirmam precisamente que cresce, mesmo em Itália, aquele ateísmo juvenil mencionado no documento preparatório para o próximo Sínodo: o ateísmo de quem aprende a viver sem Deus e sem a Igreja; mas também recuperam a percepção de que os jovens nunca ficam parados: eles se movem, procuram alguma coisa, têm perguntas. Eles estão em busca de um sentido.
Em minha opinião, essa situação de crise objetiva da fé do mundo e no mundo da juventude não pode ser imputada para a geração dos Millennials, mas recai sobre a geração de adultos que a geraram. Estamos no final de uma longa crise de fé.
Trata-se, na verdade, de reconhecer que as dinâmicas fundamentais da correia de transmissão da fé, entre as gerações, estão emperradas. E essa é uma verdade que a comunidade de crentes tem dificuldade de entender, por causa da ênfase excessiva dada à organização paroquial dos caminhos de iniciação cristã, que, resumindo, colocaram em segundo plano a verdade (e sua concreta atualização e monitoramento constante) do contributo essencial dos pais na obra de transmissão da fé.
Torna-se essencial, portanto, uma reflexão mais ampla sobre a efetiva consistência da experiência religiosa dos Baby boomers, pais de nossos meninos e nossas meninas. O escasso testemunho que eles foram capazes de oferecer aos seus filhos, sobre a qualidade verdadeiramente humanizadora da fé cristã, convida-nos a compreender, por trás de uma identificação eclesial nunca negada e, aliás, sustentada e apoiada, uma profunda mudança no seu sentido de vida que efetivamente marginalizou em sua própria existência a referência à palavra do Evangelho.
Não é, de fato, essa geração que inventou e cultiva profusamente o mito da juventude, de renovação contínua, da mudança, da eficiência a todo o custo, de saúde total, da proeza sexual em todas as fases da vida, do prazer, da liberdade como disponibilidade para uma constante renegociação de cada escolha existencial? Não é essa a geração que, graças ao dom de um prolongamento de sua expectativa de vida sem igual na história, de forma eficaz, exorcizou e censurou do discurso doméstico e público qualquer referência às dificuldades da vida, junto com as carências, os limites, as doenças, a fragilidade e por fim a morte? E não são justamente estes últimos os eixos vitais, sobre os quais é edificado o possível encontro entre as gerações e a transmissão do conhecimento do ser humano, tocado e fecundado pela palavra do Evangelho?
Acreditamos ser possível afirmar, portanto, que os adultos que serviram de referência aos Millennials certamente buscaram para eles os sacramentos da fé, mas sem fé alguma nos sacramentos, frequentaram com eles à igreja, mas não levaram à Igreja para eles, insistiram para que rezassem as orações e lessem o Evangelho, mas nunca oraram ou leram o Evangelho juntos; também favoreceram o ensino religioso nas escolas públicas e privadas, mas no final reduziram a religião a uma questão da escola e da paróquia. Faltou um testemunho vivo do que significa "ser um adulto que crê" e é essa falta que explica o fato de que os jovens do nosso tempo estão aprendendo a viver sem Deus e sem a Igreja, ou seja, estão tendo cada vez mais dificuldade para entender como e onde colocar a experiência da fé em seu iminente ingresso na vida adulta. Afinal, se não essa resposta, o que mais seria o testemunho de fé dos adultos para com as novas gerações?
Com a proximidade do próximo Sínodo, a questão real, para os agentes pastorais, é a seguinte: como ajudar os jovens a encontrar o Deus e a Igreja de Jesus, sem contar em demasia com as dinâmicas familiares e da socialidade geral?
Enuncio aqui alguns princípios gerais:
1) Partir da verdade que crer hoje não é mais fácil para ninguém.
2) Empenhar mais energia para converter adultos na sua tarefa educativa.
3) Priorizar a iniciação à oração.
4) A Bíblia antes e durante a catequese.
5) Sair dos esquemas muito rígidos da iniciação cristã.
6) Combinar sacramentos e caridade.
7) Criar uma comunidade festiva.
8) Apostar na criatividade digital das novas gerações.
9) Imaginar de forma bem concreta o que significa "ser um adulto crente hoje na Itália".
Se a meta é clara, o caminho se abrirá por si só.
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