24 Abril 2018
Neste fim de semana o Papa Francisco vai ordenar onze novos sacerdotes para a Diocese de Roma. Em uma missa na Basílica de São Pedro em celebração ao Quarto Domingo de Páscoa, também conhecido como "Domingo do Bom Pastor", o Papa também vai ordenar cinco outros homens para duas ordens religiosas diferentes.
Mas apenas cinco dos 11 sacerdotes de Roma são italianos, com formação no principal seminário da diocese. Os outros seis que serão incardinados na diocese do Papa não são. Fazem parte do Caminho neocatecumenal.
A reportagem é de Robert Mickens, publicada por La Croix International, 20-04-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Eles fizeram a preparação para o Ministério no seminário Redemptoris Mater do movimento e devem ir para fora do país para atuar em uma de suas várias paróquias ou apostolados missionários.
A missa de ordenação ocorreu durante o 55º Dia Mundial de Oração pelas Vocações. Em uma mensagem previamente divulgada pela ocasião, Francisco disse:
"E cada um de nós é chamado – à vida laical no matrimônio, à vida sacerdotal no ministério ordenado, ou à vida de especial consagração – para se tornar testemunha do Senhor, aqui e agora”.
"Na diversidade e especificidade de cada vocação, pessoal e eclesial, trata-se de escutar, discernir e viver esta Palavra (de Deus) que nos chama do Alto e, ao mesmo tempo que nos permite desenvolver os nossos talentos, faz de nós também instrumentos de salvação no mundo e nos guia à felicidade plena”, declarou.
Resumindo, o Papa concentrou todos os vários tipos de chamados cristãos. Mas não disse nada sobre o que quase todo mundo reconhece hoje como uma "crise vocacional" muito palpável na Igreja – principalmente no que tange ao sacerdócio.
Há vários aspectos do que pode ser chamado de crise do sacerdócio. La Croix International publicou recentemente dois artigos analisando um desses aspectos – a mentalidade clericalista que parece ser uma doença (ou pelo menos uma tentação) inerente no próprio ethos da ordenação.
Se você ainda não viu, pode olhar os artigos “Get rid of the clergy – But keep Holy Orders” (Livrar-se do clero, mas manter as Ordens Sagradas, tradução livre), de Joe Holland, e “Clerical culture produces poor fruit” (A cultura clerical não produz bons frutos, tradução livre), de Andrew Hamilton.
Esses ensaios, evidentemente, lidam com um elemento subjetivo do sacerdócio e sua provável relação com a atual crise de vocações.
As pessoas debatem sobre se o clericalismo está afastando os jovens do chamado ao sacerdócio, ou se, por outro lado, está atraindo candidatos questionáveis que se deleitam com isso.
Existem outras questões subjetivas relacionadas à crise de vocações/sacerdócio que também precisam ser avaliadas urgentemente. E, pelo menos no papel, a Congregação para o Clero emitiu orientações justamente para ajudar os bispos e as pessoas envolvidas nos programas de formação.
Apesar de a qualidade dos seminários e os sacerdotes que produzem serem categorias amplamente subjetivas, a quantidade não é.
Objetivamente, os números não mentem. É fato que o número de jovens ingressando no seminário e sendo ordenados presbíteros não mantém o ritmo do aumento geral de católicos batizados. Em nenhum lugar.
Nem mesmo na África, onde algumas pessoas querem nos fazer acreditar que a situação não é tão grave e que a Igreja africana, repleta de "vocações", vai se tornar protagonista de uma nova "evangelização reversa" das Igrejas de antiga fundação, agora amplamente secularizadas, da evangelização reversa e do mundo desenvolvido.
Estão muito enganados.
O mais recente Anuário Pontifício estatístico publicado pelo Vaticano mostra que na África existem, atualmente, apenas 5.000 católicos para cada sacerdote. Na América Latina a situação é ainda pior, com uma proporção de mais de 7.000 para cada padre.
Já nas igrejas na Europa, na América do Norte e na Oceania os números giram em torno de 2.000 católicos para cada sacerdote.
Há uma série de medidas possíveis para diminuir essa diferença cada vez maior.
Mas a que tem mais chances de ser aceita atualmente, também por razões históricas e práticas, seria alterar os critérios de admissão para as Ordens, expandindo a densidade de candidatos ao incluir homens casados de virtude comprovada – os chamados viri probati.
Infelizmente, a maioria das Conferências Episcopais do mundo tem relutado ou teimado em se opor contra essa opção apesar do encorajamento do Papa Francisco e de Paulo VI.
Em vez disso, os bispos têm optado por um caminho mais fácil e seguro – importar sacerdotes de países onde, segundo o mito, acreditam que há abundância de vocações.
Por enquanto, vamos deixar de lado os motivos subjetivos, mas sérios, pelos quais isso pode ser muito perigoso – como a dificuldade que sacerdotes estrangeiros muitas vezes enfrentam para se adaptar a uma nova cultura, língua e normas sociais diferentes (e o efeito que isso tem sobre as pessoas para quem eles exercem o ministério) ou a tendência compreensível de sacerdotes de países desestabilizados e menos desenvolvidos de querer ir para um terreno mais seguro e mais próspero.
Novamente, há uma razão mais objetiva por que não é uma solução genuína para uma igreja de antiga fundação no Ocidente importar padres estrangeiros – principalmente das igrejas mais jovens da África, onde, apesar do rápido crescimento, ainda se vive em território de missão em grande medida não evangelizado.
"(Tal diocese) pode, é claro, aceitar receber uma ajuda temporária em períodos de dificuldades ou crises, mas nunca deve privar as jovens igrejas destes sacerdotes, que muitas vezes são os que têm melhor formação. É uma questão de justiça e sentido eclesial".
Essa foi a advertência emitida há quase 20 anos pelo Cardeal Jozef Tomko, que na época era prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos (Propaganda Fide).
No verão de 2001, seu escritório no Vaticano emitiu uma "instrução sobre o envio e a permanência no estrangeiro dos sacerdotes do clero diocesano dos territórios de missão”.
A instrução tinha por intuito "evitar a tendência, presente num certo número de sacerdotes diocesanos” nos territórios de missão de “querer abandonar o próprio país, muitas vezes com a motivação de continuar os próprios estudos, quando não também por outras razões não propriamente missionárias, demandando países da Europa ou da América do Norte”.
A instrução observava que um dos motivos não missionários dos sacerdotes que migravam era o fascínio por "melhores condições de vida", justificado pela "falta de clero jovem em algumas Igrejas de antiga fundação".
O documento lamentava que "tais motivos convencem o sacerdote a não mais voltar ao seu país, algumas vezes com o tácito consentimento do próprio bispo e outras desobedecendo ao pedido de regresso feito pelo mesmo”.
É um motivo diferente e legítimo, acrescentou a Congregação, para que os bispos enviem sacerdotes ao exterior para proporcionar cuidados pastorais a "emigrados do próprio país".
Na conferência de imprensa de apresentação do documento, Tomko, hoje com 94 anos, disse que na verdade é bom que os sacerdotes acompanhem seus compatriotas no exterior a fim de fornecer um ministério de acordo com suas necessidades espirituais.
Na verdade, em países com um longo histórico de aceitação de imigrantes – como Canadá, Estados Unidos e Austrália – sempre houve um fluxo constante de sacerdotes estrangeiros para cuidar espiritualmente dos recém-chegados.
E, mais recentemente, uma tendência semelhante está ocorrendo nos Estados Árabes, onde há muitos trabalhadores católicos advindos de lugares como as Filipinas ou a Índia.
Mas o cardeal Tomko reiterou a advertência da instrução do Vaticano.
Ele disse que os bispos dos países ocidentais mais desenvolvidos que "recorreram à solução fácil de agregar sacerdotes africanos, asiáticos ou latino-americanos às suas paróquias de bom grado" não estavam prestando atenção ao "possível dano que isso pode causar" para as dioceses de origem dos sacerdotes – ou seja, tirar de lá recursos ministeriais necessários.
"Algumas dioceses na África e na Ásia têm um terço ou metade do clero diocesano de outros países, por razões financeiras. Conheço uma com 83 padres no exterior, enquanto a evangelização está estagnada no interior do país”, lamentou.
A moral da história, segundo o cardeal, vai ao núcleo teológico e eclesiológico da questão:
"Uma comunidade que não consegue encontrar os ministros de que precisa no seu próprio povo deve refletir sobre as causas desta situação e como remediá-la, como o cuidado pastoral das famílias e das vocações e a valorização do ministério leigo", afirmou.
Ainda há outras possibilidades de remediar, claro. E é preciso refletir cuidadosamente sobre elas – no intuito de assegurar que os ministros da Igreja se encontrem nas suas comunidades já estabelecidas.
Não é preciso muita "criatividade pastoral" – usando uma frase de que o Papa Francisco gosta muito – para descobrir. Na verdade, o Papa já sugeriu uma maneira...
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Crise nas vocações da Igreja Católica: Importar padres estrangeiros não é a resposta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU