17 Agosto 2021
"O clericalismo corrói o tecido eclesial mais do que a traça mencionada no evangelho! Embora não confirmada, atribui-se a Mao Tsé Tung a célebre frase: “sexo é bom, poder é ótimo”! Não nos iludamos queridos padres! A base fétida e movediça por trás desta chaga, está na visão equivocada, e longínqua da Escritura, sobre os Ministérios, que durante séculos se encrostou na Igreja", escreve Manuel Joaquim R. dos Santos, presbítero da Arquidiocese de Londrina – PR.
Temos lido inúmeros artigos sobre uma erva daninha na Igreja católica, que a persegue desde tenra idade e que atende pelo nome de clericalismo. Como nos lembra o cardeal de Chicago, Blase Cupich, “quando o ministério ordenado se separa do fundamento batismal compartilhado com todos os católicos, então as ordens sagradas necessárias para a vida eclesial, são substituídas por algumas desordens profanas”. Conhecemos e estamos atentos, ao funcionamento dos mecanismos que conduzem e alimentam este clericalismo. São evidentes e nos envolvem como tentáculos de polvo gigante. Seduzem-nos e reduzem-nos a meros funcionários de uma Instituição, se não tivermos imunidade.
Há de fato, uma indisfarçável tentação de sermos melhores que os fiéis leigos em geral. Este é apenas o começo; mas quando temos um laicato “clericalizado” que nos ajuda nesse empreendimento, as coisas se complicam demais! Se é disto que estamos falando na Igreja universal, devemos corajosamente abrir o jogo nas nossas Particulares! O Vaticano II nos deu espaço para isso e o Papa Francisco nos estimula a avançar para caminhos, que embora desconhecidos, têm com certeza a marca do Espírito.
O nosso modelo formativo não é somente arcaico, mas está falido. Não se sustenta mais! Apesar de experiências pós conciliares (em alguns países ou até entre nós, no Recife) a Igreja com S. João Paulo II, reforçou o modelo tridentino de Seminários e é o que temos hoje. Jovens retirados de seus meios, vivendo uma vida artificial, repleta de “mordomias” e perdendo completamente a capacidade de dialogar com o diferente ou até de experimentarem as derrotas, inerentes a qualquer debate. Eles são “preparados” para dizer a última palavra! E isso é um desastre em termos atuais! Saem da formação considerando-se garantidores da ortodoxia eclesiástica, conhecedores da doutrina e experts em quase tudo! Para vincarem esta postura anacrónica e eu diria, fatal, apostam nas vestes e adornos litúrgicos que evidentemente os distanciam do sacerdócio comum.
Se achamos que o modelo de Trento está esgotado, ficamos ainda mais intrigados e preocupados, ao perceber que o apego ferrenho a essa performance formativa, representa uma autêntica fobia na adesão ao novo modus vivendi e operandi que a Igreja procura apresentar, no diálogo profícuo e legítimo com o mundo. Seminaristas medrosos e formados para uma consciência de que a missão da Igreja que dizem servir, passa pela autorreferencialidade! O cardeal João Braz de Avis chamou-a de “doença grave”, quando também disse que “não há lugar para uma Igreja de classes e castas”!
O clericalismo corrói o tecido eclesial mais do que a traça mencionada no evangelho! Embora não confirmada, atribui-se a Mao Tsé Tung a célebre frase: “sexo é bom, poder é ótimo”! Não nos iludamos queridos padres! A base fétida e movediça por trás desta chaga, está na visão equivocada, e longínqua da Escritura, sobre os Ministérios, que durante séculos se encrostou na Igreja. “Quem de vós quiser ser o maior, seja o servo de todos” (Mt 20, 26). Galgar o poder no usufruto de cargos com infelizes e enormes vantagens (inclusive financeiras), é um atrativo para quem adentrou no sacerdócio ferido por miopias insanáveis ou incuráveis. Não temos na formação atual como corrigir cirurgicamente estas distorções! Alguém poderia sublinhar o papel de formadores extraordinários. Concordo que no passado fizeram a diferença. Contudo, com trinta anos de padre, constatei a impotência de muitos deles, perante o atual sistema.
O Seminário para ser fiel ao que se propõe, não pode mais ser apenas, um lugar “retirado”! Há de se conjugar uma formação específica com uma inserção em meios acadêmicos laicos, que proporcione aos jovens candidatos saborear a vida real, onde em última análise irão exercer o seu ministério. A última metade do século passado já não comportava na Igreja, figuras autoritárias e fiadoras dos fiéis leigos. Hoje, não existe nenhuma concessão a esse modelo pré-conciliar! Portanto, formar padres para apresentarem respostas antigas a questões atuais, é contraproducente e tolerância com processos incubadores de autoritarismo e clericalismo!
O Presbitério de uma Igreja particular, tem o direito e o dever de refletir sobre este assunto. Há espaço e agenda para tal. Entendo, que o mal denunciado em várias publicações e de modo enfático pelo Papa Francisco, tolda, perturba e condiciona negativamente a ação evangelizadora. Tenho percebido uma tensão negativa no clero, sob o auspício da omissão de um profícuo debate e até de autoridade, que conduzissem ao saneamento do clericalismo entre nós. Não tenho nenhuma esperança, que os atuais seminários entreguem à Igreja pós-Francisco, pessoas que jamais digam “esta é a minha paróquia, ame-a ou deixe-a”! O mencionado cardeal Blase Cupich, afirma enfaticamente, que a cultura do clericalismo está na base de toda a crise que a Igreja atravessa. Ora, formarmos padres nesta cultura, é insistirmos em prolongar o que nos dilacera. Uma Igreja “hospital de campanha” exigirá líderes que caminhem “adiante, no meio e atrás” do rebanho. O Clericalismo representa exatamente o contrário!
Ninguém duvida que a Igreja de Francisco encontrará desafios gigantes no futuro. “Roma e Pavia não se fizeram num dia”! As resistências ao atual Papa e às suas reformas não são externas. Elas brotam de padres, bispos e cardeais que nunca assimilaram o Vaticano II. Acredito piamente, que o motor das mudanças que se fazem necessárias esteja na Igreja Particular. Como referi, o último Concílio deu o aval eclesiológico e o Papa argentino tem provocado as bases da Igreja, para que ajam sem medo nessa direção. Coragem e determinação é o que nos falta!
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Seminários e a cultura do clericalismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU