13 Dezembro 2015
“O Concílio Vaticano II conduziu uma reflexão aprofundada e forneceu ensinamentos importantes. Em todas as áreas, os conceitos de diálogo, de colaboração e de cooperação encontram-se no cerne desses ensinamentos”, destaca o teólogo.
Foto: blog.cancaonova.com |
Gilles Routhier, nascido em Quebec, no Canadá, é padre e teólogo católico. Obteve o título de doutor em Teologia pelo Instituto Católico de Paris e em História das Religiões e da Antropologia Religiosa pela Universidade Paris-Sorbonne. Especializado na recepção do Concílio Vaticano II, foi professor de Teologia Prática e Eclesiologia no Instituto Católico de Paris e atualmente ensina na Université Laval, do Canadá.
Por ocasião dos 50 anos do encerramento dos trabalhos do Conncílio Vaticano II, reproduzimos a entrevista de Gilles Routhier, publicada na revista IHU On-Line, nº. 401, de 03-09-2012, por ocasião do cinquentenário da abertura do mesmo.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em 11 de outubro de 1962, o Papa João XXIII abria oficialmente os trabalhos do Concílio Vaticano II. Pode-se dizer que o Concílio inaugurou um novo modo de ser Igreja? Por quê?
Routhier durante o Colóquio Vaticano II,
realizado em maio de 2015.
Foto: João Vitor Santos / IHU
Gilles Routhier – O Concílio teve, sem dúvida, uma influência duradoura sobre o modo de viver na Igreja (entre padres e leigos, entre bispos e padres, entre os bispos e o papa, etc.) e sobre o modo como a Igreja católica passou a pensar suas relações com o mundo (com a cultura, a sociedade e os Estados) e com os outros (cristãos não católicos, crentes de outras religiões, não crentes e ateus). Nesse sentido, o Concílio Vaticano II conduziu uma reflexão aprofundada e forneceu ensinamentos importantes. Em todas as áreas, os conceitos de diálogo, de colaboração e de cooperação encontram-se no cerne desses ensinamentos.
IHU On-Line – Para além do contexto europeu, em que medida se pode dizer que o Concílio foi um evento universal?
Gilles Routhier – Em primeiro lugar, pela participação de muitos bispos não ocidentais. Isso foi inédito. Em segundo lugar, por considerar, ainda que insuficientemente, tradições e culturas não ocidentais. Percebe-se isso já no primeiro documento aprovado pelo Concílio, Sacrosanctum concilium [1], principalmente em seus capítulos sobre as artes e a música sacra, mas também sobre a adaptação da liturgia e dos ritos às tradições e às regiões. Além disso, o Vaticano II foi o primeiro Concílio a refletir ex professo sobre a questão da cultura e a observar que o Evangelho deve expressar-se em diversas línguas e que esta é a lei de toda evangelização.
IHU On-Line – De maneira geral, olhando para a Igreja pós-conciliar, como foram acolhidas e postas em prática as novidades do Concílio?
Gilles Routhier – Indubitavelmente a Igreja mudou, e a mudança se deu em vários campos: na vida religiosa, na formação dos padres, no exercício da função episcopal, no ecumenismo, no diálogo inter-religioso etc. Por certo, muitas coisas ainda precisam ser feitas e aprofundadas. Mas a Igreja Católica não vive mais, como no século XIX, numa situação de fortaleza sitiada ou em gueto. Existem tentativas de retrocesso ou, às vezes, resistências às reformas, com uma nostalgia de restauração. No entanto, no longo prazo é impossível voltar à figura pré-conciliar da Igreja.
IHU On-Line – E atualmente, depois de 50 anos, como o Concílio Vaticano II pode continuar repercutindo na caminhada da Igreja?
Gilles Routhier – O Concílio Vaticano II não parou de produzir seus frutos. Precisamos, pois, considerar suas grandes intuições no momento em que se fala da nova evangelização. Ele queria justamente, de acordo com o desejo do Papa João XXIII, possibilitar uma nova forma de expressão da doutrina cristã. Este é sempre o desafio da Igreja. Do mesmo modo, o encontro com os não crentes ou com os crentes de outras religiões está cada vez mais em pauta na Igreja. Assim como a inserção do Evangelho em todas as culturas do mundo. Nesse sentido, as questões do Vaticano II continuam sendo as nossas e ele não está ultrapassado.
IHU On-Line – Analisando o atual contexto eclesial, como o senhor interpreta a recente decisão do Papa Bento XVI em reintegrar à Igreja o movimento lefebvriano?
Gilles Routhier – Essa preocupação não é nova para ele. Ele também se preocupou com isso quando era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé – CDF. Sua preocupação com a unidade o honra, mas, ao mesmo tempo, há o risco de desencorajar vários cristãos que, diante de tal fato, se isso significasse um retorno ou uma revisão de certos ensinamentos do Vaticano II ou de sua aplicação, deixariam tranquilamente a Igreja. Em suma, o perigo é criar novas tensões em seu seio.
“Eis então o desafio que isso representa para a Igreja: como ela pode reformar suas práticas e sua vida na continuidade?” |
IHU On-Line – Qual é a hermenêutica de Bento XVI em relação ao Concílio e quais as decorrências para a caminhada da Igreja?
Gilles Routhier – O que ele apresenta é uma hermenêutica da reforma. Ao menos, é o que propôs em sua alocução na Cúria, em 22 de dezembro de 2005. Não se trata simplesmente de uma hermenêutica da continuidade, como alguns sugerem. Eis então o desafio que isso representa para a Igreja: como ela pode reformar suas práticas e sua vida na continuidade? Refletiu-se pouco, desde Congar [2], sobre a reforma da Igreja e como pode haver reforma sem rompimento e respeitando a tradição.
IHU On-Line – O senhor poderia falar sobre a importância, como surgiu e os principais objetivos da página da web “Viva o Concílio”, que tem como um dos patrocinadores o Cardeal Martini?
Gilles Routhier – Eu sou membro do comitê de promoção desse site. Seu objetivo é divulgar o Concílio que é seguidamente ignorado, até mesmo por aqueles que o criticam ou o denigrem. Existem tantos discursos anticonciliares na web que precisamos, hoje, encontrar meios de promover honestamente o Concílio Vaticano II. Uma Igreja não pode dar as costas a um concílio ecumênico. Ele faz parte da memória da Igreja e, como dizia o Papa João Paulo II, ele mesmo padre conciliar, tem-se aí uma bússola confiável para conduzir a Igreja rumo ao terceiro milênio.
Por Graziela Wolfart e Luis Carlos Dalla Rosa | Tradução de Vanise Dresch
Notas:
[1] Sacrosanctum Concilium: constituição sobre a Sagrada Liturgia. Foi o primeiro documento aprovado pelo Concílio Vaticano II. Não foi objeto de muita controvérsia, pois a adaptação da liturgia já era frequente em muitíssimas comunidades eclesiais. Esta constituição foi o primeiro fruto do Concílio, por já estar, em boa parte, sendo posta em prática antes de ter sido discutida e aprovada. Foi promulgada pelo Papa Paulo VI no dia 4 de dezembro de 1963, final da segunda sessão conciliar. (Nota da IHU On-Line)
[2] Yves Marie-Joseph Congar (1904:1995): teólogo dominicano francês, conhecido por sua participação no Concílio Vaticano II. Foi duramente perseguido pelo Vaticano, antes do Concílio, por seu trabalho teológico. A isso se refere o seu confrade Tillard quando fala dos “exílios”. Sobre Congar a IHU On-Line publicou um artigo escrito por Rosino Gibellini, originalmente no site da Editora Queriniana, na editoria Memória da edição 150, de 08-08-2005, lembrando os dez anos de sua morte, completados em 22-06-1995. Também dedicamos a editoria Memória da 102ª edição da IHU On-Line, de 24-05- 2004, à comemoração do centenário de nascimento de Congar. (Nota da IHU On-Line)
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Vaticano II: bússola confiável para conduzir a Igreja rumo ao terceiro milênio. Entrevista especial com Gilles Routhier - Instituto Humanitas Unisinos - IHU