22 Junho 2021
O Papa Francisco está no oitavo ano de pontificado. Muitos processos, no sentido de novos caminhos, foram iniciados. Basta pensar, por exemplo, na belíssima carta sobre a fraternidade universal, assinada com o grande Imã Ahmad Al-Tayyeb, que inspirou a grande encíclica “Fratelli tutti”. Sem falar na "Laudato si". Tudo isso é um grande enriquecimento para a Igreja Católica. Mas, internamente, existem inquietações e "lamentações" (críticas).
Francesco. La peste, la rinascita
Por exemplo, teve grande repercussão recentemente um posicionamento, bastante duro, de um importante intelectual católico, o professor Alberto Melloni. O historiador da Igreja escreveu um artigo, que foi publicado no La Repubblica, com um título muito significativo: Francisco e o junho negro da Igreja. No artigo, são focadas algumas decisões do papa (da carta ao cardeal Marx, até o caso de Bose e de Becciu). “Existe um fio condutor entre esses atos? (...) Mesmo que fossem eventos não relacionados, seu acúmulo é um fato que preanuncia uma tempestade”.
Mas como é o estado da Igreja Católica? Falamos sobre isso, nesta entrevista, com o especialista em Vaticano Marco Politi.
Politi foi vaticanista do "La Repubblica" durante vários anos e atualmente é colunista do "Il Fatto Quotidiano". Ele é autor de vários ensaios. O último foi publicado pela Laterza: Francesco. La peste, la rinascita (pp. 114, 2020).
A entrevista é de Pierluigi Mele, publicada por Confini, 21-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Marco, o que você acha da análise de Melloni?
Não creio que a grande massa de um bilhão e trezentos milhões de católicos espalhados em todo o mundo esteja ciente deste junho chamado de negro. A praga do Covid está em pleno andamento em muitos países, 70 por cento dos londrinos estão vacinados, enquanto na África apenas 2 por cento. Só para mostrar a dramaticidade da situação. Nos países do Primeiro Mundo, onde a situação está melhor, há uma economia a reconstruir, desigualdades crescentes a superar. Em muitas regiões da Ásia, a escravidão está aumentando; em outras, a exploração brutal do trabalho infantil está aumentando. Quem vai ligar para uma recognitio à Congregação do Clero, uma auditoria no Vicariato de Roma ou uma busca na diocese de Ozieri, da qual a maioria dos próprios italianos ignora a existência.
O que conta então?
O que desperta a atenção do mundo católico são os acontecimentos fundamentais. A expulsão do Cardeal Becciu de seu posto na Cúria porque a má administração não pode ser tolerada no vértice da Igreja. A inaudita oposição do ex-papa Ratzinger e do cardeal Sarah à hipótese de um clero não celibatário. O gesto de Francisco que acolhe no Vaticano um transexual espanhol com sua parceira: gesto que permanecerá quando a resposta do Santo Ofício sobre a proibição de bênçãos para casais homossexuais já terá caído no esquecimento.
Qual é o limite da tomada de posição de Melloni?
Cada análise é uma contribuição valiosa. Mas acredito que a perspectiva deve ser invertida. É inútil fixar o olhar apenas no pontífice reinante. Os papas não são onipotentes. Seu poder é ou parece absoluto apenas quando são conservadores. Quem reforma se depara com resistências, medos, preguiças mentais. O olhar está virado para a magmática transição em curso há mais de meio século dentro do catolicismo. O antigo modelo tridentino não funciona mais, o modelo sinodal, aberto às profundas transformações da psique social, ainda não foi delineado e muito menos afirmado.
O ataque de Melloni foi retomado pela ala ultraconservadora da Igreja. Um deles, Antonio Socci, um dos mais duros e hostis ao Papa Francisco, afirmou que a análise de Melloni é o sinal de que os progressistas estão "descartando” Francisco. Socci conclui seu artigo com a exortação ao Papa Francisco "para retomar o caminho heroico do Papa Wojtyla e Ratzinger". O que você acha dessa afirmação?
Os falcões conservadores não criam o futuro e não entendem o presente. O manifesto sobre a liberdade da Igreja, assinado pelo cardeal Mueller e o ex-núncio Viganò, para se opor às medidas sobre o Covid foi um fracasso. O essencial hoje é tentar compreender não o que está acontecendo entre os "generais", mas na massa do catolicismo.
Por que não houve um movimento de protesto entre os padres italianos - como nos países do norte da Europa - contra a proibição da bênção de casais homossexuais? Por que entre os bispos italianos não teve nenhum que tenha pedido que uma personalidade como Enzo Bianchi fosse novamente valorizada? Por que não houve posicionamentos públicos entre os bispos e cardeais do mundo contra a patrulha conservadora internacional (incluindo Ratzinger) que quis amarrar as mãos do Papa Francisco quanto às medidas almejadas pelo Sínodo sobre a Amazônia? Por que três quartos dos bispos estadunidenses neste momento estão se opondo à linha papal, fixados na ideia de punir com a exclusão da Eucaristia Biden e outros políticos que admitem a legislação sobre o aborto? Por que é que a maioria dos episcopados mundiais não quer implementar um sistema rigoroso para combater e desmascarar os abusos sexuais na instituição eclesiástica? O grito de alarme de Marx não vale apenas para o caso da Alemanha.
Vamos analisar alguns problemas. Por exemplo, sinodalidade. A Igreja alemã está demonstrando grande protagonismo sinodal. Sabemos que esse protagonismo preocupa o espírito ultraconservador da Igreja. Como está a situação?
Prefiro perguntar qual a contribuição dos episcopados do mundo para as questões cruciais postas na Alemanha: poder e divisão de poderes na Igreja, o papel das mulheres, a vida sacerdotal hoje, relações e sexualidade. A resposta é: publicamente quase zero. Mas as viradas, como o Concílio Vaticano II, não acontecem porque um papa emite um decreto ou porque uma única conferência episcopal escreve um documento. As mudanças são feitas porque existe um ativo movimento de reforma internacional como na década de 1960.
O balanço dos últimos anos mostra que um movimento a favor das reformas tão maciço ainda não surgiu.
Era tão necessária a excomunhão para quem ordena as mulheres sacerdote?
Não era urgente nem necessário. Todos nós sabemos que mais cedo ou mais tarde a Igreja Católica também terá mulheres-sacerdote e também sabemos que isso não vai lotar mais as igrejas na missa dominical. Mas, de qualquer forma, é historicamente necessário. No entanto, devemos ser francos: para as reformas eclesiais mais ousadas, o Papa Francisco não dispõe de uma maioria de dois terços dentro do episcopado mundial.
Em termos de cúria, como anda a reforma?
A reforma da Cúria entrou em sua fase final, mas em última instância não será um evento primário. Muito mais importante foi a reforma dos bens financeiros e imobiliários da Santa Sé feita por Francisco: no sentido da centralização da gestão (APSA) e da centralização dos controles pela Secretaria da Economia.
Apesar das dificuldades, este pontificado deu à Igreja elementos cheios de futuro. Já mencionamos a fraternidade e a ecologia integral. No plano da fé, que elemento o Papa Francisco está trazendo?
O Papa Bergoglio continua sendo um marco do "processo de transição" eclesial, porque defende um cristianismo que não se limita a ser identitário, mas cuida do próximo e da criação. Porque fala de um Deus pai de todos - homens e mulheres de cada religião e filosofia - e não apenas dos batizados. Um Deus misericordioso ao lado dos seres humanos, distante do clericalismo e da idolatria monárquica do aparato vaticano. O próximo Sínodo mundial dos bispos, que acontecerá ao longo de dois anos, começando em outubro de 2021 passando do plano diocesano, depois para aquele continental, chegando finalmente em 2023 ao nível universal, será o teste do estado de saúde da Igreja Católica hoje. Falar-se-á da missão da Igreja no século XXI, da participação, da sinodalidade. Ou seja, de tudo. Quase um concílio.
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“O próximo Sínodo Mundial dos Bispos será decisivo para a Igreja Católica”. Entrevista com Marco Politi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU