"A recuperação da processualidade teológica e antropológica do fazer penitência é condição sine qua non para recuperar o sentido da penitência eclesial e sacramental. Por outro lado, é igualmente urgente colocar à prova o conceito de perdão e de misericórdia com a leitura 'imediata' do sujeito humano, elaborada pelo pensamento moderno e com o próprio conceito de 'sujeito de direito', como abstração preciosa, mas condicionada por 'pressupostos materiais', indisponíveis e completamente decisivos", escreve o teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, em artigo publicado por Come Se Non, 13-07-2020. A tradução é de Luísa Rabolini.
O texto de Stefano Biancu ("Il massimo necessario. L’etica alla prova dell’amore”, em tradução livre: O máximo necessário. Ética à prova do amor, Mimesis, 2020), a que dediquei atenção há alguns dias, contém dois capítulos nos quais é proposto o esclarecimento do "perdão" e da "misericórdia" como "casos sérios" das "ações supererrogatórias", que, na sua qualidade de "máximo necessário", descrevem o âmbito da fraternidade humana e da revelação divina. A valorização de algumas das intuições fundamentais desse texto filosófico torna-se um momento de qualificação não apenas para uma boa "teologia da misericórdia", mas também para explicar de forma adequada e realmente fiel o "sacramento da penitência". Eu gostaria de tentar dar alguns passos nessa direção. Farei isso identificando, em primeiro lugar, algumas das "questões mais candentes" que hoje dizem respeito à penitência e ao sacramento da penitência (1); a seguir, retirarei do volume de S. Biancu algumas das "ideias-força" que ele apresenta à nossa atenção (2), para depois elaborar algumas perspectivas para o desenvolvimento da consciência penitencial da Igreja, também à luz dos recentes desenvolvimentos relacionados à "fase pandêmica", com seus prós e contras (3).
Sabe-se que, com o Papa Francisco, a categoria de misericórdia assumiu um papel central e, de certa forma, novo, pelo menos na tradição dos últimos séculos. É justo reconhecer, no entanto, que essa categoria não é simplesmente uma "parte" da doutrina cristã, mas de certa forma constitui seu centro e fonte, como o texto de Biancu bem ressalta e já havia feito alguns anos atrás Stella Morra em seu "Deus non si stanca".
Mas, talvez não muito curiosamente, essa "categoria" encontra dificuldade em "regenerar" uma experiência mais articulada e mais estrutural do "fazer penitência" eclesial. De fato, misericórdia e perdão não são simplesmente "nomes de Deus", mas processos humanos e cristãos de "mudança de vida", que envolvem mediações complexas, discursos articulados, percursos lentos, que hoje parecem escapar tanto da teoria quanto da prática. Ser perdoado e ser capaz de perdoar constitui o coração da fé em Cristo Senhor. A qualidade "generativa" da categoria da misericórdia deveria determinar, no plano litúrgico-sacramental, pelo menos três consequências, que hoje parecem muito difíceis:
- recuperar uma noção de "perdão dos pecados", que busque sua referência principalmente na experiência dos "sacramentos da iniciação cristã" (batismo, confirmação e eucaristia). Somente na segunda instância se refere aos sacramentos da cura, da qual faz parte o "sacramento da penitência";
- o próprio "fazer penitência" constitui uma experiência de "perdão recebido e oferecido" que atravessa toda a história humana e cristã. Se essa experiência "ampla" de fazer penitência não é obtida, o sacramento da penitência inevitavelmente tende a um automatismo objetivante muito seco e pouco evangélico;
- o Concílio de Trento usou uma expressão da época antiga ("batismo laborioso") que esclarece claramente a especificidade do sacramento da penitência, ou seja, o "trabalho", um processo de "elaboração da identidade" pelo sujeito penitente.
Diante desses desafios, que entram em profunda tensão com os hábitos e as inclinações eclesiais dos últimos dois séculos, é de grande utilidade recuperar no livro de Biancu algumas ideias-força totalmente decisivas para a renovação do "pensamento sistemático" sobre o sacramento da penitência.
a) Primeiro, uma recolocação de "perdão" para o centro da experiência ética. Não "aquém" ou "além", mas bem no centro. A transmissão de uma ideia credível de "irmandade" procede dessa retomada do perdão como o "centro" da experiência de dignidade e de identidade pessoal.
b) Para chegar a esse centro, no entanto, é preciso superar uma "antropologia dualista", na qual o homem é essencialmente sua interioridade. Uma referência privilegiada à interioridade - Biancu nos diz - em vez de potencializar o "senso de pecado", tende a anulá-lo.
c) Disso decorre uma terceira exigência: que a recompreensão da centralidade da misericórdia exige a superação daquelas antíteses fundamentais - entre interior e exterior, entre público e privado, entre imanente e transcendente - sobre as quais grande parte da cultura filosófica e teológica foi construída dos últimos séculos.
O "repensamento sistemático da penitência" implica, portanto, uma saída dos lugares comuns da cultura moderna, que podem ser superados tanto pela recuperação de categorias "mais antigas" quanto pela adoção de novas noções. Por exemplo, retomando de S. Tomás de Aquino uma noção "quádrupla" de penitência, entendida não apenas como sacramento, mas também como paixão, ação e virtude. A recuperação da processualidade teológica e antropológica do fazer penitência é condição sine qua non para recuperar o sentido da penitência eclesial e sacramental. Por outro lado, é igualmente urgente colocar à prova o conceito de perdão e de misericórdia com a leitura "imediata" do sujeito humano, elaborada pelo pensamento moderno e com o próprio conceito de "sujeito de direito", como abstração preciosa, mas condicionada por "pressupostos materiais", indisponíveis e completamente decisivos.
O contexto eclesial ainda não parece suficientemente disposto a se deixar verdadeiramente persuadir sobre a necessidade desse profundo repensamento. Aqui menciono apenas alguns exemplos de resistência:
a) direito canônico e imediatismo do perdão,
a figura do sacramento da penitência que o direito canônico tende a valorizar, com os cânones do código dedicado a ele, contribui de maneira extrema para a "formalização" de um perdão imediato, do qual são consideradas centrais apenas a confissão e absolvição. Todo processo, toda elaboração, toda transformação das consciências e dos corpos são pressupostos ou removidos. Justamente no nível institucional, quase sem que percebamos, a "banalização do perdão" corre o risco de ser seriamente apoiada, como se fosse precisamente essa formalização banalizante a garantia da tradição;
b) a custódia difícil da "pena temporal"
Talvez por causa das polêmicas também justificadas em torno do tema das "indulgências", o sentido do "processo temporal" que acompanha toda experiência de "pecado perdoado" não parece realmente amadurecido no corpo eclesial católico. Que cada perdão determine por si mesmo uma "elaboração sofrida" permanece verdadeiro para quase todos os âmbitos da experiência, exceto para a vida eclesial. A resposta da liberdade distorcida à graça renovada é sempre longa e articulada, merece acompanhamento, disciplina e doutrina, de uma forma nunca rígida, mas sempre precisa;
c) A árdua recuperação dos itinerários penitenciais
Todo perdão é antes de tudo o "início do itinerário", não apenas e não principalmente o fim de uma "excomunhão". Que o sacramento da penitência não seja um "ato jurídico imediato", mas "mediação eclesial de mudança de vida" é uma consciência que na Igreja não consegue amadurecer também devido a noções, imaginários e convenções que inclinam para leituras mecânicas e automáticas, nas quais o sujeito humano (e o sujeito divino) são substancialmente contornados, instrumentalizados e esvaziados. Uma verdadeira fraternidade nasce de uma experiência de perdão que coloca vidas em movimento, não as tranquiliza formalmente. O formalismo penitencial permanece, portanto, um dos piores inimigos de qualquer prática autêntica de perdão.
Assim, o livro de S. Biancu, especialmente em seu quarto e quinto capítulo, também solicita os teólogos a um profundo trabalho de repensamento das categorias fundamentais com as quais são pensadas e praticadas a misericórdia, o perdão e a penitência. Se não providenciarmos essa elaboração, a "generatividade" da misericórdia continuará sendo uma afirmação de princípio, da qual não seremos capazes de extrair não apenas escolhas vitais realmente convincentes, mas nem mesmo liturgias simbolicamente persuasivas e eficazes.