27 Novembro 2025
"O fato é que a indústria da guerra e seus aliados do petróleo ainda são os senhores do mundo. Por mais carbono que seja fixado pelas formações naturais protegidas, as áreas degradadas em recuperação ou a agricultura regenerativa, sem a redução das emissões o que vamos seguir vendo é a revolta da Natureza com seus raios, suas chuvas diluvianas, seus ventos furiosos, secas dramáticas, derretimento de geleiras e pedras de gelo caindo do céu cada vez mais frequentes e violentos".
O artigo é de Arno Kayser, agrônomo, ecologista e escritor, em artigo publicado em seu blog, 25-11-2025.
Eis o artigo.
A COP30 chegou ao seu fim. Os resultados não foram os mais animadores. A despeito dos esforços do Governo Brasileiro, especialmente da Ministra Marina Silva (que foi muito aplaudida no seu discurso de encerramento do evento) e sua equipe. Especialmente na visão da grande mídia que, em geral, embora noticie os eventos como esses com grande destaque não têm o costume de aprofundar no que de fato tranca a pauta mundial no sentido da construção de uma agenda para um mundo sem emissões de combustíveis fósseis e movidos por energia limpa. Tão pouca busca valorizar os agentes sociais que trabalham por esse mundo.
O Brasil tentou aprovar a ideia do mapa do caminho para essa transição, mas não logrou sucesso por falta de apoio de alguns países. Em especial os produtores de petróleo e os grandes emissores de gases estufa e poluidores maiores (China e EUA).
Os povos originários tiveram grande presença no evento reafirmando sua visão de mundo como um exemplo de que é possível uma vida em harmonia com a natureza. ONGs ecológicas e sócio-ambientais também se fizeram presentes fazendo pressão por medidas urgentes para deter os avanços dos eventos climáticos extremos mundo afora. E ponto o dedo na ferida de quem realmente não quer abrir mão de seus lucros econômicos com a venda de combustíveis fósseis. Ou apoiam a manutenção da máquina de guerra mundial que garante a continuidade deste modelo em várias frentes de guerras pelo controle do domínio do comércio de combustíveis fósseis no mundo.
O evento foi na Amazônia, um bioma que é símbolo das lutas por um mundo saudável. Luta que passa pela preservação das formações naturais em terra e mar do planeta que também pode ser um grande fator de sequestro de carbonos da atmosfera. Foi aprovado um fundo mundial para apoiar quem protege as formações naturais ou promove a recuperação de áreas degradadas.
Ao invés de apontar esses fatos parte da grande mídia preferiu dar espaço a pautas que desviam a atenção da população mais leiga do foco real do problema. Foram muitas matérias bacanas sobre projetos legais que são realmente sustentáveis mescladas com criticas a organização do evento ou mancadas de alguns participantes governamentais presentes.
Primeiro deram um monte de destaque ao alto custo da hospedagem em Belém. Depois teve o incêndio no local do evento. Mas esse não rendeu muita crítica ao governo brasileiro graças à competência da organização (que escolheu materiais seguros para construir as tendas) e a eficiência dos bombeiros. Também gastaram um tempão com a gafe do dirigente alemão que declarou alívio de ter caído fora do Brasil rapidamente sem deixar claro que seu discurso foi um discurso xenofóbico feito para atrair o apoio ao seu governo da parte do eleitorado interno do seu país que apoia a extrema-direita no parlamento e critica todos os gastos com proteção ambiental e apoio a povos em situação de vulnerabilidade que a Alemanha ainda mantém.
No fundo tudo estratégias de distração do grande público para os temas não ter que apontar quem tranca esse processo de transformação tão urgente.
Muito pior que essas pequenas ocorrências foram à ausência dos chefes de Estado das nações mais poluidoras. Sobre esses praticamente nenhuma crítica relevante ou grande espaço na cobertura para explicar os motivos da ausência.
Muitos veículos, especialmente os vinculados aos partidos de extrema-direita tentado macular o lucro político advindo do evento ao governo brasileiro, foram por outras linhas mais alinhadas com suas teses já conhecidas. Esses preferiram atacar as ONGs como se elas fossem as culpadas dos atrasos mundiais numa transformação para um sistema energético livre das emissões de carbono fóssil e não os que mais denunciam esses problemas e mais cobram soluções. (A clássica solução de matar o mensageiro da notícia ruim ao invés de encarar o fato de frente.) Também houve ataque aos povos tradicionais com um discurso racista e cheio de preconceito e falta de respeito com essas populações. A própria ONU foi atacada por não conseguir impor um processo de transição como se na atual ordem mundial ela tivesse esse poder.
Nesse caso repetido um discurso, já bem batido por sinal, de parte da imprensa nacional. Nem de longe sendo críticos com quem tranca a evolução da questão. No máximo, nos mais eruditos, citam de leve como responsáveis pelo atraso os países da OPEP e dão um puxão de orelha nos europeus consumidores do gás russo. Mas não citam a ausência da China e EUA do evento que junto com os exportadores de petróleo são os verdadeiros responsáveis por impor uma agenda mundial pela continuidade do modelo energético baseado em combustível fósseis até a última gota da última reserva antes de cambiar o modelo.
Muitos servidores públicos brasileiros, presentes nessa e outras COPs deixam claro nas comunicações informais que é sempre a mesma coisa nesses eventos. Nos bastidores os lobistas do petróleo e da indústria militar trancam tudo.
A ONU merece lá suas críticas. Mas é ainda a melhor organização que temos no mundo para tentar construir algo melhor. Fora das soluções negociadas que ela trás ao debate a única possibilidade tem sido a guerra. Que infelizmente já se manifesta no Oriente Médio e na Ucrânia e alguns outros palcos menores do mundo. Como o que parece que já começou unilateralmente no Caribe.
O fato é que a indústria da guerra e seus aliados do petróleo ainda são os senhores do mundo. Por mais carbono que seja fixado pelas formações naturais protegidas, as áreas degradadas em recuperação ou a agricultura regenerativa, sem a redução das emissões o que vamos seguir vendo é a revolta da Natureza com seus raios, suas chuvas diluvianas, seus ventos furiosos, secas dramáticas, derretimento de geleiras e pedras de gelo caindo do céu cada vez mais frequentes e violentos.
Mas mesmo que se tenha saído da COP30 com um gostinho de frustração não podemos nos deixar abater e nem desistir da luta. Nem nos deixar contaminar com esse discurso conformista ou contrário aos movimentos sócio-ambientais de alguns setores da mídia.
Temos que olhar para o que escapa dessa visão, que tentam nos impor, e perceber que apesar de todos os problemas dos nossos dias cada vez mais pessoas, agentes governamentais, iniciativas privadas e órgãos internacionais estão construindo a transição energética necessária para reequilibrar o clima do planeta. Não podemos nos contaminar por esse discurso de valorização da frustração, pois ele só serve aos inimigos da natureza. A COP30 foi um momento de afirmação da existência dessas forças e desqualificar o evento é parte da estratégia de quem não quer ver essas forças seguirem na suas lutas. Temos que nos manter firmes e perceber que mesmo com reveses estamos avançando e que as forças naturais, ainda que meio irritadas no momento, estão do nosso lado. A vida no planeta já passou por coisas terríveis, mas sempre seguiu pela ação dos que acreditam na sua capacidade de constante renovação.
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