Por: João Vitor Santos | 19 Dezembro 2023
Virou moda. Muitos eventos ou até ações cotidianas de diversas organizações passaram a ostentar que determinada atividade é carbon free. No bom português, significa “livre de geração de gás carbônico”. Mas, num português ainda mais claro, não quer dizer que não emitam CO2, mas sim que compensam esta emissão com o plantio de árvores. “Vamos manter os níveis de emissão e vamos compensar isso plantando árvores, enquanto as emissões continuam aumentando e enquanto não substituímos a matriz energética e avançamos sobre os sistemas naturais? Assim, daqui a pouco precisaremos plantar vários planetas terras para compensar as emissões”, provoca o professor e pesquisador Mário Soares.
Na entrevista a seguir, concedida por WhatsApp ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Soares alerta que, além dos riscos desta compensação de CO2 que já ouvimos falar, agora entramos em uma nova onda do chamado carbono azul. Este consiste na recuperação de ecossistemas marinhos, especialmente mangues, pelo seu alto potencial de absorção de gás carbônico. “O carbono azul, ou o sequestro de carbono em sistemas biológicos, não vai resolver o problema. Estamos, na verdade, entrando num jogo que criou o problema, que é o jogo do sistema financeiro capitalista”, dispara.
Soares e outros cientistas apresentaram na COP28 um documento que fala deste potencial do carbono azul, mas dos riscos de cairmos na cilada das lógicas compensatórias. “Convenhamos, o sequestro de carbono, como justificativa para a mitigação, não resolve o problema porque não o ataca em sua origem. Está, na verdade, atacando o sintoma, que é a concentração de CO2 na atmosfera. Não resolvemos um problema utilizando a mesma lógica que o criou. Com isso estamos dando uma carta branca para que continuem as emissões”, detalha.
Para ele, “precisamos pensar que nestas regiões florestadas, sejam de manguezais, seja o que for, existem populações tradicionais vivendo há gerações e séculos”. São populações que não têm sido ouvidas e acabam seduzidas por espertalhões. “São vários oportunistas se aproveitando de estudos que mostraram os potenciais de sequestro de carbono dos manguezais. Quando falo de oportunistas, me refiro ao poder público, empresas que estão vendendo uma cara de ‘sustentáveis’ e ‘verdes’ com projetos de carbono nos manguezais”, denuncia.
O professor também comenta, a partir da emergente necessidade de transição energética, as contradições da COP28. No caso do Brasil, alerta para os riscos da insistente exploração de petróleo na margem equatorial, na Foz do Rio Amazonas. “E não adianta se esconder atrás do discurso das mais avançadas tecnologias. Se não conseguimos conter um vazamento dentro da Baía de Guanabara, acha que vamos conter na Costa Equatorial? Não”, dispara.
Mário Soares (Foto: Arquivo pessoal)
Mário Soares é graduado em Oceanografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, doutor em Oceanografia (Oceanografia Biológica) pela Universidade de São Paulo – USP. É professor associado da Faculdade de Oceanografia da UERJ, onde coordena o Núcleo de Estudos em Manguezais – Nema/UERJ e é membro do Núcleo Estratégico do Observatório Interdisciplinar das Mudanças Climáticas – OIMC/UERJ. É professor e orientador no PPG em Meio Ambiente e no PPG em Oceanografia da UERJ. Também é líder do grupo de pesquisa do CNPq “Núcleo de Estudos em Manguezais: estrutura, função, dinâmica e conservação”.
A entrevista foi publicada originalmente pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU em 19-12-2023.
IHU – O que são os ecossistemas de carbono azul e como eles podem contribuir para a mitigação e adaptação frente ao desequilíbrio climático?
Mário Soares – Os ecossistemas de carbono azul são basicamente três: os manguezais, as marismas (que é o análogo aos manguezais em climas subtropicais e temperados) e as gramas marinhas (que é uma vegetação submersa e que ocorre em alguns lugares). O que se prega é que eles são sistemas que acumulam muito carbono, ou seja, que possuem uma grande capacidade de sequestrar e armazenar carbono.
O principal destes ecossistemas são os manguezais. Se pegarmos, por exemplo, um quilômetro quadrado de manguezal e um quilômetro quadrado de floresta tropical úmida terrestre, como a Amazônia, teremos mais carbono no manguezal. Ele tem o que chamamos de densidade de carbono muito alta. Isso ocorre porque o carbono, num ecossistema, pode ser alocado em três compartimentos principais: a biomassa acima do solo, que são os troncos, os galhos, as folhas; a biomassa subterrânea, que são as raízes; e o carbono que está no solo diretamente, sem ser a biomassa das raízes.
A biomassa aérea acima do solo dos manguezais e dos sistemas terrestres tem mais ou menos a mesma ordem de grandeza, só que o manguezal tem muito mais carbono na biomassa subterrânea e no solo. Por isso, acaba sendo um sistema com alta concentração e grande estoque de carbono. Só que, numa escala global, quando olhamos a área ocupada por uma floresta como a Amazônia, ela faz muito mais diferença do que a área ocupada pelos manguezais, pois estes compreendem apenas uma faixa litorânea. É isto que tem despertado interesse e toda essa corrida em termos do uso do carbono azul de manguezais para mitigação do aquecimento global.
Só que a adaptação é outra coisa. Adaptação é você se adaptar. Os manguezais contribuem para a adaptação porque eles podem reduzir a vulnerabilidade da zona costeira, pois uma das funções que o manguezal tem é de proteger a linha costeira. Assim, se garantimos a conservação destes manguezais frente a estas mudanças climáticas, podemos proteger a costa contra tempestades, eventos extremos, inundações. São os serviços ecossistêmicos que sabemos que os manguezais prestam.
Porém, para isto também temos que garantir a resiliência dos manguezais, ou seja, a capacidade de eles se adaptarem a um cenário de mudanças climáticas. Precisamos reduzir a vulnerabilidade dos manguezais para que eles possam exercer o serviço de diminuir a vulnerabilidade da zona costeira.
IHU – Quais os desafios para transformar os oceanos em grandes fontes de absorção de carbono?
Mário Soares – O desafio é promover a conservação destes ecossistemas marinhos. Podemos citar o microplástico. É importante, é um problema que está aí, mas quando falamos de sistemas costeiros como manguezais, temos problemas muito mais importantes.
O microplástico é um dos problemas, mas, na verdade, podemos falar de lixo de maneira geral como um problema. O esgoto é outro problema, a poluição industrial é outro problema, a expansão urbana é outro problema, assim como a portuária e a exploração de petróleo, a ampliação de complexos turísticos, fazendas para a criação de camarão marinho (carcinicultura). Para transformar este sistema de carbono azul realmente em potenciais acumuladores de carbono, temos que conservar estes sistemas e recuperar os que estão degradados.
IHU – Como conceber estratégias de financiamento para créditos de carbono azul?
Mário Soares – Particularmente, sou bastante cético a isso. O carbono azul, ou o sequestro de carbono em sistemas biológicos, não vai resolver o problema. Estamos, na verdade, entrando num jogo que criou o problema, que é o jogo do sistema financeiro capitalista. Este sistema viu a questão do carbono como forma de mitigação do aquecimento global, que é gerado por este sistema econômico baseado nos combustíveis fósseis, no uso e na degradação de terras e florestas. Foi este sistema que gerou este problema e começou a ver oportunidade de negócios numa estratégia que, teoricamente, viria para minimizar este dano. Acabamos jogando, na busca de uma solução, a lógica do mercado, do capital, que gerou o problema.
Na verdade, o capital se apropriou desta solução. Convenhamos, o sequestro de carbono, como justificativa para a mitigação, não resolve o problema porque não o ataca em sua origem. Está, na verdade, atacando o sintoma, que é a concentração de CO2 na atmosfera. Não resolvemos um problema utilizando a mesma lógica que o criou. Com isso estamos dando uma carta branca para que continuem as emissões, e temos visto que mesmo com a questão do mercado de carbono as emissões são crescentes. Ou seja, é um negócio. Sequestra-se carbono aqui, mas lá continuam emitindo. Isso não tem fim.
Vamos ficar a plantar árvores? Isso é outra questão, pois gerou um mercado de plantar árvores. Há pessoas que estão numa corrida desesperada para o plantio de árvores e manguezais no Brasil, onde temos muito poucas áreas em grandes proporções a serem restauradas.
Vamos manter os níveis de emissão e vamos compensar isso plantando árvores, enquanto as emissões continuam aumentando e enquanto não substituímos a matriz energética e avançamos sobre os sistemas naturais? Assim, daqui a pouco vamos ter que plantar vários planetas terras para compensar as emissões. Esta é a reflexão que temos que fazer. Precisamos romper esse ciclo. Precisamos mudar o paradigma.
IHU – O senhor faz parte de um grupo de cientistas que elaborou um documento sobre créditos de carbono azul e que foi apresentado na COP28 em Dubai. No que consiste este documento e qual o seu objetivo?
Mário Soares – O objetivo é alertar que isso não é uma solução em escala global e que também temos que pensar nos desequilíbrios, pois estamos trazendo uma lógica do norte, dos países desenvolvidos para o nosso quintal. Precisamos pensar que nestas regiões florestadas, sejam de manguezais, seja o que for, existem populações tradicionais vivendo há gerações e séculos. Existem pescadores, ribeirinhos, povos originários, quilombolas, uma infinidade de comunidades tradicionais que vivem ali em harmonia e que muitas delas não estão sendo ouvidas. Inclusive, estão sendo assediadas e usadas por empresas que vêm com projetos de implantação de mercados de créditos de carbono.
Então, o documento enfatiza que devemos, efetivamente, envolver todos os atores para discutirem essas propostas. É preciso aumentar a participação das comunidades tradicionais. Ou seja, temos que reduzir as emissões antes de partir para projetos de restauração e de sequestro de carbono. Temos que valorizar as outras funções que esses sistemas exercem, que são muitas e diversas, com importância ecológica, social e econômica.
Não podemos, por conta de uma pressão que vem do mercado, reduzir esses sistemas a apenas armazenadores de carbono. E volto a insistir: precisamos atacar o problema na sua fonte e isso implica em reduzirmos as emissões e mudarmos nosso modo de vida, de produção e de consumo e pensarmos mais na melhor distribuição dos benefícios e também dos impactos. Isso é uma postura em termos da justiça socioambiental em todas as escalas, desde a global até a local e regional, passando pela nacional.
Em relação aos financiamentos, é necessário que este financiamento garanta, sobretudo dos países do Norte, a redução das emissões. E, no caso do financiamento do Norte para o Sul, para os países se adaptarem também.
Essas são as questões que consideramos mais relevantes. Os principais emissores históricos de gases de efeito estufa precisam pagar essa conta para que aqueles países do sul, que pouco contribuíram para essa catástrofe, possam se adaptar. É uma questão de justiça e de sobrevivência.
IHU – Que outras ações acerca dos manguezais podem ser desenvolvidas visando mitigar a crise climática? No Brasil, 80% dos manguezais estão situados em unidades de conservação pública. Como estão estas áreas?
Mário Soares – Temos muitas áreas de manguezais e isso é uma particularidade do Brasil. Claro que temos vários problemas, principalmente locais, de expansão da degradação sobre os manguezais. Mas os manguezais, em linhas gerais, estão legalmente protegidos em boa parte do território.
Em relação à saúde dos manguezais, alguns não estão em boas condições de conservação, em especial aqueles que chamamos de periurbanos, associados a centros urbanos ou industriais. Quando falamos das ações que os manguezais podem desenvolver com vistas à mitigação da crise climática, eu defendo e acredito que eles podem sequestrar carbono, porém eles não são a solução da crise climática. Precisamos focar na conservação desses manguezais e, por conseguinte, de todo o reservatório de carbono que eles mantêm. Caso sejam destruídos, seria uma quantidade adicional de carbono que estaria sendo lançada na atmosfera.
Assim, temos que pensar em outra lógica que não a do simples sequestro de carbono, pois, como eu já disse, não esta é a solução. Devemos focar na lógica da conservação, na lógica das emissões evitadas. Mas claro que isso não implica abandonar as iniciativas de restauração dos sistemas degradados, pois isso só nos trará benefícios adicionais, inclusive para a manutenção de carbono aprisionado e dos diversos outros serviços que esses sistemas nos fornecem.
Volto a frisar: o que está acontecendo é que são vários oportunistas se aproveitando de estudos que mostraram os potenciais do sequestro de carbono dos manguezais. Quando falo de oportunistas, me refiro ao poder público, empresas que estão vendendo uma cara de “sustentáveis” e “verdes” com projetos de carbono nos manguezais. Há empresas que estão ganhando dinheiro vendendo projetos de mercado de carbono e cientistas também, muitos deles que não são especialistas – isso acontece no Brasil. Muitos nem conhecem os manguezais brasileiros e vêm fazer estudos aqui. Por quê? Porque está dando visibilidade, está trazendo recursos para pesquisas e aumentando o prestígio; tem todos esses aspectos envolvidos.
Cabe destacar também a estratégia em que temos que focar: ampliar a proteção dos nossos manguezais. Por quê?
Inicialmente, na lógica de evitar novas emissões – emissões evitáveis. Se eu sei que o manguezal tem três, quatro, cinco ou seis vezes mais carbono do que a mesma área de uma floresta tropical, se eu destruo esse manguezal, estou lançando mais CO2 na atmosfera. A lógica é de conservação para evitar novas emissões, ampliar as áreas e restaurar aquelas que precisam ser recuperadas.
Vale destacar que em muitas áreas de manguezal que foram degradadas, deixando-as protegidas, naturalmente elas se recompõem. Isso aconteceu no Rio de Janeiro, onde foi criada a Área de Proteção Ambiental de Guapimirim na década de 1980.
De lá para cá, a área de manguezal aumentou muito só pelo fato de ter estancado a degradação e criado uma área protegida. O manguezal tem se regenerado em área e em qualidade, saúde. Esse é o foco que temos que ter.
A conservação do manguezal traz outra coisa, não só em relação à mitigação e não só nas emissões evitáveis. Ela traz uma proteção e aumenta a resiliência da zona costeira, reduz a vulnerabilidade e protege a zona costeira de tempestades e inundações. Mais do que isso: existem vários serviços que os manguezais fornecem que vão contribuir para a redução da vulnerabilidade, sobretudo para as populações que vivem associadas aos manguezais, como fonte de renda e de alimentação. Tudo isso precisa ser considerado.
Precisamos entender que o manguezal é muito mais do que apenas carbono. Estamos trazendo essa lógica do carbono e estamos reduzindo um sistema que é reconhecido mundialmente pela ciência como um sistema com uma alta diversidade de funções e serviços. Estamos reduzindo isso tudo a uma função, que é a do carbono; ele é muito mais do que isso: o manguezal tem importância ecológica, econômica e social. Esse é o segundo foco que precisamos ter.
IHU – Voltando à COP, o combate aos combustíveis fósseis e as tensões para conversão energética foram temas centrais. Mas também houve resistências. Que avaliação faz da discussão havida nos Emirados Árabes Unidos?
Mário Soares – Particularmente, acredito que algum progresso pode acontecer, mas vemos que existe um lobby muito forte. Isto ficou particularmente explícito nessa COP, e não está num horizonte de curto prazo essa redução do uso do petróleo. Na realidade, existem projeções de aumento do uso de combustíveis fósseis.
Existe uma disputa de narrativas que estamos vendo na COP, dizendo que não existe conhecimento científico [sobre os efeitos para o meio ambiente do uso de combustíveis fósseis]. Existe outra narrativa de que é importante aumentar e manter a produção de petróleo porque vai contribuir para o levantamento de fundos para a transição energética.
É um cenário que está muito incerto e, infelizmente, pouco otimista em relação à transição, apesar do que temos vivido em 2023 em todo o planeta. Isso é muito preocupante. Temos que definitivamente romper essa lógica e, mais que isso, transpor o abismo que separa a retórica das ações concretas. Não há coerência entre o que ouvimos e o que vemos se concretizar, e isso só traz insegurança, desconfiança e descrença. Passa a mensagem que seguimos num “vale-tudo”.
IHU – Enquanto a delegação brasileira levou à COP uma série de ações tomadas para a mitigação da crise climática, por aqui seguem leilões para aumentar a exploração de petróleo na costa brasileira. Como o senhor analisa essas aparentes contradições? O quanto o nosso sistema de manguezais pode ser impactado por estas novas explorações?
Mário Soares – São contradições, como mencionei anteriormente: com uma mão resolvemos um aspecto e com a outra mão, mantemos outro aspecto. Ou seja, de um lado há uma redução do desmatamento, mas por outro busca o aumento da produção de petróleo; investimos em energia limpa e falamos de transição energética, mas estão querendo explorar petróleo na foz do Amazonas e em Fernando de Noronha, em sistemas extremamente delicados e importantes econômica, ecológica e socialmente.
Nós não podemos pensar que é um cenário simples. Ele é complexo porque a produção de petróleo envolve muito dinheiro, muitos interesses, não só interesses globais e nacionais, mas também locais e regionais. Não só interesses econômicos, mas também políticos. Não é simples. Ou assumimos com seriedade esse desafio ou vamos ficar na retórica e repetindo os mesmos erros que viemos repetindo ao longo de várias décadas.
Temos na costa Norte do Brasil um sistema ainda extremamente conservado, a possibilidade de testar outros modelos de desenvolvimento – não estou falando de crescimento econômico, mas de desenvolvimento – para substituir o modelo que já se mostrou totalmente inadequado na costa brasileira do Sul, Sudeste e Nordeste. Estamos repetindo os mesmos erros que já tivemos em outras regiões lá na costa do Norte, que envolve a Foz do Amazonas, onde temos a possibilidade de testar um modelo novo, buscar coisas novas, uma relação diferente. Isso é possível, mas é preciso ter coragem, vontade e uma coalizão do sistema econômico.
Não adianta olharmos só para um setor – estamos mirando só no petróleo –, estamos reduzindo e sendo míopes buscando explorar uma possibilidade que até pode gerar alguma riqueza. Mas para onde vai essa riqueza? Este tipo de riqueza inviabiliza outras possibilidades que podem ser relativamente mais distributivas de riqueza e mais sustentáveis.
Não adianta ficar pregando no discurso e, quando chega a hora da verdade, fazemos outra coisa. Precisamos ser mais inteligentes e efetivamente buscar outros caminhos. Estamos replicando uma lógica que já se mostrou suicida e estamos nos agarrando a um sistema arcaico, que já mostrou que está ultrapassado. Acredito que temos expertise e inteligência suficientes para virarmos essa página. Estamos perdendo a chance de liderarmos, como nação, essa busca por um novo modelo.
Quanto ao impacto que a exploração de petróleo gera no sistema de manguezais da costa brasileira, temos muitos exemplos. Um deles é a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Temos diversos exemplos de atividades do petróleo, da cadeia de produção do petróleo, na exploração, no transporte por meio de dutos ou navios e em refinarias, que afeta os manguezais.
No Norte do país tem um agravante, pois estamos falando da maior área de manguezais do Brasil – 80% dos nossos manguezais estão no Norte – e são muito mais desenvolvidos, com muito mais estoque de carbono. De um lado falamos do mercado de carbono, mas faz uma atividade que pode comprometer o principal estoque de carbono na zona costeira. Mais uma contradição.
Essa área de manguezais do Norte do Brasil, um cinturão que vai do Maranhão à foz do Amazonas, constitui a maior área contínua de manguezais do planeta. E ali temos áreas enormes de manguezais que são unidades de conservação do tipo reservas extrativistas, que mantém comunidades de pescadores e extrativistas, que movimentam uma cadeia produtiva na economia do Norte extremamente importante, que estará em risco. Essas são questões que precisam ser postas na mesa.
No Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil, quando temos um acidente, nós não conseguimos nem conter o óleo antes de chegar aos manguezais. Não adianta fazer proposta de escritório, eu quero ver alguém ir lá, ficar à deriva num barquinho, ao largo da Foz do Amazonas para ter uma noção da dimensão do problema.
Estamos falando, primeiro, de uma área enorme. Segundo, de um lugar onde as marés variam e a energia é muito grande. Para termos uma noção, no Sul e no Sudeste a diferença entre a maré alta e a maré baixa é inferior a dois metros. No Norte do Brasil temos locais onde a variação de maré chega a oito, dez metros. Ainda temos rios extremamente caudalosos, além da área enorme, tem correntes marinhas muito intensas. Portanto, além de ser um ambiente gigantesco, é um ambiente de alta energia. Um acidente, um evento de derramamento de petróleo, não será contido de forma alguma.
E não adianta se esconder atrás do discurso das mais avançadas tecnologias. Se não conseguimos conter um vazamento dentro da Baía de Guanabara, acha que vamos conter na Costa Equatorial? Não. A questão não é ter as melhores tecnologias ou os melhores cuidados, como dizem, mas sim de um aumento dos riscos. A questão não é se vai ter derramamento de óleo, é quando vai ter.
Para concluir, no caso de derramamento de óleo naquela região, temos um sistema de corrente muito intenso que vem ao longo da costa equatorial brasileira em direção a Oeste. Por mais que alguns falem que um acidente de óleo ali não vai atingir o Brasil, vai depender, porque um acidente de óleo nas bacias a Leste, a partir do Rio Grande Norte, Ceará e Piauí, atingem, sim, os manguezais a Oeste, no Pará e no Amapá.
No caso de exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, Pará, Maranhão, um vazamento de óleo pode não só atingir os manguezais e a zona costeira do Brasil, mas também os países vizinhos. Então, ainda há um problema de relações internacionais, transfronteiriço, pois esse óleo pode chegar à Guiana Francesa, ao Suriname, à Guiana, à Venezuela e até em algumas áreas do Caribe.
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Sequestro de carbono não resolve o problema climático, apenas entra na lógica de quem o causou. Entrevista especial com Mário Soares - Instituto Humanitas Unisinos - IHU