26 Novembro 2025
Textos do Objetivo Global de Adaptação, dos Planos Nacionais de Adaptação e do “Mutirão” avançam para uma nova arquitetura de regras e indicadores, mas deixam em aberto como garantir financiamento suficiente para tirar do papel as metas dos países mais vulneráveis.
A reportagem é de Meghie Rodrigues, publicada por InfoAmazonia, 25-11-2025.
A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) deixou claro que a adaptação — ou a adoção de estratégias para diminuir os impactos da mudança climática — entrou de vez na agenda das negociações.
O Objetivo Global de Adaptação (Global Goal on Adaptation, GGA), previsto no Artigo 7 do Acordo de Paris, busca definir indicadores para medir o progresso e orientar ações de resposta. Junto com os Planos Nacionais de Adaptação (ou National Adaptation Plans, NAPs) e o texto final do “Mutirão”, deu o tom das discussões, criando uma arquitetura de negociação mais clara — ainda que insuficiente para responder a todos os problemas enfrentados pelos países mais vulneráveis.
Esses três textos foram discutidos e deixaram um recado claro: ao menos no que diz respeito à adaptação às mudanças do clima, a intenção é medir o sucesso da implementação sem punir quem, no futuro, não conseguir cumprir as metas; avançar nos indicadores sem criar condicionalidades e, sobretudo, tentar destravar o gargalo do financiamento.
Um tema importante desde o início
Desde o início da Conferência, a presidência brasileira apostou nos chamados Indicadores de Belém, do GGA, como símbolo de ambição. A decisão final aprovou 59 deles para monitorar a implementação de ações de adaptação, escolhidos a partir de uma lista de 100 opções técnicas propostas por especialistas.
Esses indicadores organizam métricas sobre temas como água, agricultura, saúde e ecossistemas e agora passam a integrar formalmente a arquitetura do Acordo de Paris. Países africanos e latino-americanos temiam que esse novo conjunto pudesse, no futuro, ser usado como critério para acesso a financiamento — e boa parte da negociação foi dedicada a blindar o texto contra essa possibilidade.
Ao mesmo tempo, a decisão final incorpora alguns avanços, como a conclusão do UAE–Belém Work Programme, criado na COP28, com o objetivo de construir os elementos, indicadores e a arquitetura técnica do GGA. A COP30 também inaugurou a Visão Belém–Addis — que deverá refinar, até 2027, as metodologias e os metadados de adaptação, quando será realizada a COP32 em Adis Abeba, na Etiópia — e passa a integrar os indicadores ao ciclo de transparência do Acordo de Paris.
A COP30 também debateu a definição de dados de acordo com grupos sociais mais expostos a impactos, fortalecendo a atenção às desigualdades estruturais em adaptação. O resultado, porém, não agradou a todos. Para a representação do Panamá na sessão de encerramento, o GGA parece um rascunho feito às pressas: “não é assim que se alcança uma meta global de adaptação”.
Para Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa e membro do Conselho de Adaptação da COP30, a lista de indicadores a ser trabalhada no GGA é um avanço. Como a “COP da Adaptação”, Belém apresentou um pacote de decisões sem precedentes, diz.
“A adoção dos indicadores do GGA é um progresso real: pela primeira vez, mediremos a ação climática não apenas em toneladas de carbono evitadas, mas em vidas protegidas e infraestrutura capaz de resistir ao que está por vir. Se forem bem implementados nos próximos dois anos, eles proporcionarão ao próximo Balanço Global [processo da ONU que avalia o progresso coletivo das metas do Acordo de Paris] um retrato muito mais honesto da adaptação”, observa Unterstell.
Os planos de cada nação
Se, em princípio, o GGA trouxe um pouco mais de clareza técnica sobre o que significa “sucesso” em termos de adaptação, a decisão sobre os NAPs foi mais contida. O documento final registra que 71 países em desenvolvimento já submeteram seus planos, mas reconhece que o acesso a recursos é uma barreira importante para a implementação da maioria deles.
A lacuna financeira, que já era grande, só aumenta. Países em desenvolvimento precisam, em média, de US$ 310 bilhões por ano até 2035 para implementar ações de adaptação, segundo o Adaptation Gap Report 2025, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Enquanto isso, os fluxos internacionais públicos destinados à área foram de apenas US$ 26 bilhões em 2023 — menos de 10% do necessário.
O texto final fala em triplicar o financiamento para adaptação, mas, sem uma quantia de referência sobre a qual aplicar essa multiplicação e sem metas anuais ou cronogramas de implementação, o “como fazer isso” fica aberto à interpretação.
Enquanto isso, o Fundo Verde para o Clima (Green Climate Fund, ou GCF), fundo global da ONU que apoia países em desenvolvimento no financiamento de projetos de mitigação e adaptação, já aprovou US$ 6,91 bilhões em iniciativas alinhadas a NAPs, além de cerca de US$ 320 milhões em subsídios para a formulação de novos planos nacionais. Apesar da escala crescente, esses valores continuam muito abaixo da demanda.
O papel do ‘Mutirão’
Curiosamente, é o “Mutirão” — texto político mais amplo que resume a decisão final — que reintroduz parte da ambição perdida nos documentos técnicos sobre o GGA e os NAPs. Ele convida os países que ainda não apresentaram seus planos a fazê-lo até o fim do ano e a demonstrar ações concretas até 2030.
O Fundo de Adaptação também passou por revisões substanciais no “Mutirão”. Apesar da mobilização diplomática em Belém, as promessas somaram apenas US$ 134,93 milhões — menos da metade da meta anual de US$ 300 milhões definida pelo próprio Conselho do Fundo.
Ainda assim, o texto final aprovou mudanças importantes: o limite de financiamento por país dobrou de US$ 20 milhões para US$ 40 milhões; o teto para projetos nacionais saltou de US$ 10 milhões para US$ 25 milhões; e o teto para projetos regionais foi ampliado de US$ 14 milhões para US$ 30 milhões.
No front do Mutirão, é importante lembrar que o texto final pede o aumento da liberação de recursos pelo Fundo de Adaptação até 2030, tomando como base os níveis de 2022. Ao lançar o Acelerador Global de Implementação e a Missão Belém 1.5, o texto articula uma narrativa de urgência: a adaptação precisa deixar de ser apenas planejamento e se tornar ação. Mas a velocidade continua aquém da necessária.
“Este texto não parece responder à urgência que os países em desenvolvimento vêm pedindo, especialmente tendo em conta que os compromissos climáticos nacionais não são suficientes para manter o limite de 1,5ºC ao nosso alcance”, diz Melanie Robinson, diretora do Programa Global de Clima, Economia e Finanças do World Resources Institute.
Belém entregou avanços significativos na definição de processos, métricas e mandatos. Mas a distância entre arquitetura e capacidade financeira permanece grande — e continuará sendo o maior desafio dos próximos ciclos. O período entre 2026 e 2028 será decisivo: é quando as metodologias dos indicadores serão refinadas, e o Fundo de Adaptação começará a operar sob as novas regras e o sistema será testado em sua capacidade real de transformar promessas em implementação.
Apesar de não ter entregue tudo o que era esperado, a COP30 representa um avanço, diz Jiwoh Abdulai, ministro do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas de Serra Leoa. “Há um reconhecimento mais claro de que aqueles com responsabilidade histórica têm deveres específicos em relação ao financiamento climático, e o financiamento público permanece no centro da adaptação, não sendo um mero apêndice do capital privado. Fizemos progressos em uma transição justa, em tecnologia e em capacitação, mas ainda não na escala que a ciência e a justiça exigem”, resume.
Para Unterstell, o simples fato de mais uma Conferência das Partes ter acontecido já é uma vitória. “Em um ano em que a polarização poderia facilmente ter congelado as negociações, o simples fato de os países terem se mobilizado é a prova de que o multilateralismo não está morto e que o Brasil agora tem um mandato para elevar a ambição rumo à COP31”, diz.
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