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Oitenta anos de Frei Tito de Alencar e a resistência ao autoritarismo. Artigo de Gabriel Vilardi

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13 Setembro 2025

Seja bendito, Tito de Alencar, frade amigo que se engajou até as últimas consequências por um país livre e democrático. Teu sofrimento indizível, jamais querido pelo Deus-irmão, não terá sido em vão! Nós cristãos e cristãs, homens e mulheres de boa-vontade, não permitiremos que o “pau de arara” e a “cadeira do dragão” voltem a atormentar os militantes políticos desse Brasil. A violência, o exílio e a censura não terão a palavra final na ainda jovem democracia brasileira.

O artigo é de Gabriel dos Anjos Vilardi, jesuíta, bacharel em Direito pela PUC-SP e bacharel em Filosofia pela FAJE. É mestrando no PPG em Direito da Unisinos e integra a equipe do Instituto Humanitas Unisinos – IHU. 

Eis o artigo.

“O mesmo Jesus que diz a respeito de si mesmo: ‘Eu sou a luz do mundo’, diz a seus discípulos: Vocês são a luz em toda sua vida enquanto permanecerem no chamado”, ensinou um grande cristão que também resistiu aos horrores do arbítrio, o alemão Dietrich Bonhoeffer. “E, por sê-lo, não poderão ficar ocultos, mesmo que o quisessem”, continua o mártir luterano. “Os seguidores são a igreja visível, seu discipulado é ação visível por meio da qual eles se destacam do mundo, ou então não são discípulos” (Malschitzky, 2005, p. 58), conclui. E certamente Frei Tito de Alencar Lima foi um desses fieis discípulos de Jesus, que, neste 14 setembro de 2025, completaria oitenta anos de vida.     

A Igreja do Brasil e toda a sociedade civil democrática possuem um débito com a Ordem dos Dominicanos. Efetivamente, vários de seus membros se engajaram na resistência contra a opressão dos anos de chumbo. Inegável reconhecer, inclusive, o apoio dado pelas autoridades responsáveis pelo governo da província brasileira da ordem religiosa. Ou seja, não se trata aqui de mera participação de alguns elementos isolados e marginais do grupo religioso.

Frei Tito de Alencar Lima foi um desses fieis discípulos de Jesus, que, neste 14 setembro de 2025, completaria oitenta anos de vida - Gabriel Vilardi

Foram inúmeros e muito respeitáveis os dominicanos que pagaram o alto preço da fidelidade ao Evangelho. Um deles foi o Frei Carlos Josaphat, fundador do jornal independente Brasil Urgente, o que lhe custaria trinta anos de exílio na Europa. “Já em 1965, o governo do marechal Castelo Branco pensara em expulsar a Ordem Dominicana do país” (Betto, 2021, p. 89). Os conventos de Belo Horizonte e São Paulo foram invadidos, seus membros tiveram que responder a processos e houve a prisão do prior, o Frei Chico (1967). Sinais de que a corajosa profecia não estava circunscrita aos jovens frades.

Os anos eram obscuros e a truculência dos militares imperava, mas alguns setores da sociedade brasileira se insurgiram. Entre eles estava alguns dominicanos em formação, tais como os Freis Fernando de Brito, Ivo Lesbaupin, Carlos Alberto Libânio Christo e Tito de Alencar Lima. De acordo com Frei Betto (2021, p. 72), “quiçá houvesse ali boa dose de romantismo”, uma vez que “o futuro parecia estar logo ali, à mão”:

“Um grupo de estudantes da Ordem Dominicana, em São Paulo, aderiu àquele movimento de resistência, atuando como base de apoio aos que lutavam na linha de frente, em especial à ALN (Ação Libertadora Nacional), comandada por Carlos Marighella. Alguns frades engajados na militância política lograram escapar da repressão policial-militar refugiando-se no exílio. Outros, no entanto, forma presos a partir de 1º de novembro de 1969, na capital paulista, na noite de 4 de novembro” (Betto, 2017, p. 11).

Como sempre é preciso reafirmar, a ditadura civil-militar, imposta em 1964, significou um grande atraso para o país. “O golpe que colocou os militares no poder não foi um movimento conspiratório apenas, mas, ao contrário disto, uma campanha bem elaborada do ponto de vista ideológico, político e militar, organizada por grupos multinacionais e associados dentro do complexo Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipes) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) (DREIFUS, 1981)” (Vieira, 2019, 14). Quer dizer, a elite econômica endossou e financiou o golpe. Além disso, o apoio dos Estados Unidos foi primordial para desestabilizar a democracia e depor o presidente legítimo João Goulart.

Os anos eram obscuros e a truculência dos militares imperava, mas alguns setores da sociedade brasileira se insurgiram - Gabriel Vilardi

Não se pode negar ainda que “a hierarquia da Igreja desempenhou um papel fundamental na criação do clima ideológico favorável à intervenção militar, engajando-se na campanha anticomunista sustentada pelas elites conservadoras” (Arquidiocese, 2011, p. 172). Entretanto, já desde o início havia oposição à deriva antidemocrática como assevera a obra “Brasil: nunca mais”:

“Mas essa não era uma postura monolítica de toda a Igreja. Embora minoritários, já existiam bispos, sacerdotes, religiosas e leigos que assumiam uma atitude contrária, de apoio às lutas pelas Reformas de Base. Bispos como D. Helder Câmara já começavam a ser conhecidos como identificados com as pressões por mudanças nas estruturas sociais injustas, segundo compromissos assumidos durante o Concílio Vaticano II, Movimentos leigos como a Juventude Universitária Católica (JUC) e a Juventude Operária Católica (JOC) aprofundavam seu envolvimento com a luta dos oprimidos. Do mesmo modo que se começava a falar, com certo exagero, na existência de ‘generais do povo’ e ‘almirantes do povo’, simpáticos às bandeiras nacionalistas, começara a ser referida, também, a existência de ‘sacerdotes do povo’, como o Padre Alípio, o Padre Lage, Frei Josafá e muitos outros” (Arquidiocese, 2011, p. 172).

Em tempos em que a extrema-direita voltou a ser uma alternativa política real para uma parcela assustadora da população brasileira, as provocações de Frei Betto são pertinentes: “como os frades dominicanos assumiram, no Brasil, posições de esquerda? Abandonaram a fé e abraçaram o marxismo? Lobos travestidos de cordeiros de hábitos brancos?” (Betto, 2021, p. 69). Se até o Papa Francisco foi acusado de comunismo e heresias, quanto mais os bravos freis dominicanos que ousaram desafiar o arbítrio do regime ditatorial.

A então nova geração de frades dominicanos passou a se dedicar ao mundo operário e ao vibrante movimento estudantil. Afinal, poucas décadas antes (1925) havia sido fundada na Bélgica, pelo Padre Joseph Cardijn, a Juventude Operária Católica (JOC) e a Ação Católica. Alguns desses religiosos foram estudar na Universidade de São Paulo (USP) e ali “devido à repressão da ditadura, os estudantes passaram da denúncia à contestação, do debate ao enfrentamento, dos grêmios e diretórios às organizações de esquerda” (Betto, 2021, p. 72). Os ventos conciliares sopravam forte. Nesse sentido explica o religioso a influência recebida:

“As novas vocações dominicanas brasileiras eram enviadas à França para cursar filosofia e teologia. À semelhança dos jovens de Vila Rica remetidos, no século XVIII, à Universidade de Coimbra, retornavam com a cabeça prenhe de ideias progressistas. Imbuíam-se da filosofia de Maritain e da teologia do padre Congar; do pensamento militante de Emmanuel Mounier e dos exemplos de ação conjunta de marxistas e cristãos na Resistência francesa” (Betto, 2021, p. 69).

Tito de Alencar Lima nasceu no dia 14 de setembro de 1945, em Fortaleza, no Ceará. Estudou com os jesuítas e engajou-se na Juventude Estudantil Católica (JEC), tornando-se um dos dirigentes regionais, em 1963. Mudando-se para Recife, conviveu com os líderes da Ação Católica e passou a viajar por todo o Nordeste. Inquieto vocacionalmente, pensou em se juntar aos Irmãozinhos de Charles de Foucauld. Contudo, acabou optando pelos dominicanos que estavam comprometidos com o movimento estudantil.

No ano de 1966 fez o Noviciado em Belo Horizonte e, ao professar os votos no começo de 1967, mudou-se para o convento de Perdizes, em São Paulo, onde foi fazer filosofia na USP. Sempre engajado com as organizações estudantis, conseguiu o local em Ibiúna para se realizar o 30º congresso da UNE, em 1968. Nessa ocasião, seria preso pela primeira vez junto com os demais estudantes e levado ao DEOPS.

Se nos primeiros momentos parte substancial da Igreja embarcou no golpe, nos anos seguintes isso mudou radicalmente. Além de inúmeros leigos e leigas, religiosas e padres, vários bispos trabalharam para denunciar as atrocidades do regime totalitário. E então a relação com os militares estremeceu e a instituição também passou a ser um alvo. Monitoramento pelos serviços de espionagem, censuras, intimidações, prisões e atentados tornaram-se recorrentes, como se depreende da investigação histórica:

“O primeiro atentado de proporções mais alarmantes foi perpetrado, em 22 de setembro de 1976, contra o bispo de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, D. Adriano Hipólito, sequestrado por homens encapuçados que o levaram para um matagal, submetendo-o a espancamentos e abandonando-o nu, enquanto seu carro era conduzido para ser destruído por forte carga de explosivos em frente à então sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A escolha do bispo como alvo do terror tinha relação com a atitude assumida pelo Estado, nos últimos anos, de animosidade contra a CNBB pelas suas repetidas manifestações em defesa dos Direitos Humanos” (Arquidiocese, 2011, p. 73).

“Essa perseguição, velada em algumas ocasiões, declarada em outras, faz a Igreja optar pelo único caminho que conduz à libertação do nosso povo e assumir suas aspirações”. Ser, assim, a “voz dos que não têm voz” (Betto, 2017, p. 369-370). Dom Paulo Evaristo Arns, o cardeal-arcebispo de São Paulo, foi um dos líderes da Igreja dos Direitos Humanos. Usou seu prestígio e influência, nacional e internacionalmente, para denunciar e proteger os presos políticos. Inúmeras famílias desesperadas recorriam ao bispo franciscano para obter alguma informação sobre seus entes sequestrados pelo Estado.

Se nos primeiros momentos parte substancial da Igreja embarcou no golpe, nos anos seguintes isso mudou radicalmente - Gabriel Vilardi

O cerco à Marighella e à ALN se fechava. “A pista dessa rede começou a ser levantada pela repressão desde setembro, após o sequestro do embaixador Charles Burke Elbrick, dos EUA, e a queda de um comando armado na alameda Campinas, em São Paulo, no dia 24 daquele mês” (Betto, 2021, p. 250). Ainda assim, Frei Tito e seus companheiros dominicanos doavam-se generosamente na resistência à ditadura:

“Nesses momentos de inquietação e desamparo é que militantes clandestinos recorriam também aos dominicanos como a uma tábua de salvação. Os nomes dos freis Fernando, Ivo e Tito eram conhecidos, bastava bater à porta e chama-los. Vinham ao nosso convento em busca de socorro, notícias, comida. Tratava-se de salvar vidas, ainda que isso acarretasse riscos e o peso de, quem sabe, sermos levados às barras dos tribunais, acusados de ‘cumplicidade com os terroristas’” (Betto, 2021, p. 119).

Esse triste dia chegou! O ano era 1969. “Na madrugada de 3 para 4 de novembro, a equipe do delegado Fleury invadiu nosso convento, na rua Caiubi” (Betto, 2021, p. 250). “A rua [...], em Perdizes, estava tomada por viaturas policiais”. Os agentes, empunhando metralhadoras, deveriam formar uma cena ameaçadora. “Os vizinhos, assustados, espreitavam pelas janelas” (Betto, 2021, p. 251). Se até os religiosos eram vítimas do poder opressor dos militares, quem escaparia?

Foram presos os Freis Tito, Giorgio Callegari, Edson Braga, Sérgio Lobo e Domingos Maia Leite, os últimos, eram nada menos que o prior, o vice prior e o provincial dos dominicanos – os três foram liberados depois de prestados os depoimentos no DEOPS. Dois dias antes, no Rio de Janeiro, haviam sido detidos os Freis Fernando e Ivo, além de ser preso no convento do Leme, o Frei Roberto Romano. Já Frei Betto seria encarcerado no dia 9 do mesmo mês.

Tanto no DEOPS quanto na Oban, Frei Tito foi barbaramente torturado - Gabriel Vilardi

Nas delegacias, quarteis e outros espaços não oficiais a tortura era larga e covardemente usada como estratégia de repressão e terror. “Na Academia Internacional de Polícia, em Washington, nos quartéis norte-americanos da Zona do Canal do Panamá ou com os instrutores da CIA ou do SSP enviados ao Brasil, como Dan Mitrione, a repressão brasileira aprendera” (Betto, 2021, p. 237) os cruéis métodos de tortura. Os mesmos Estados Unidos que hoje dizem defender a liberdade ao buscar interferir mais uma vez na soberania nacional, ao querer livrar o ex-presidente Bolsonaro da responsabilização por tentativa de golpe de Estado.

Tanto no DEOPS quanto na Oban, Frei Tito foi barbaramente torturado. Um de seus principais algozes foi o desprezível e sádico Delegado Fleury, chefe do Esquadrão da Morte e contumaz seviciador. Nem mesmo a intervenção do Núncio Umberto Mozzoni e de Dom Paulo Evaristo Arns foram suficientes para livrá-lo de terrível sofrimento. O próprio Papa São Paulo VI acompanhava o abusivo aprisionamento dos religiosos.

As narrativas dos suplícios são chocantes, mas é imprescindível retomá-las nesses tempos em que se subverte a verdade para se exaltar o autoritarismo:

“‘Nosso assunto agora é especial’, disse o capitão Albernaz, ligando os fios em meus membros. ‘Quando venho para a Oban, deixo o coração em casa. Tenho verdadeiro pavor a padre, e, para matar terrorista, nada me impede... Guerra é guerra, ou se mata ou se morre’. [...] Diante de minhas negativas, aplicaram-me choques, davam-se socos, pontapés e pauladas nas costas. Revestidos de paramentos litúrgicos, os policiais fizeram-me abrir a boca ‘para receber a hóstia sagrada’. Introduziram um fio elétrico. Fiquei com a boca toda inchada, sem poder falar direito” (Betto, 2021, p. 374-375).

Qual o intuito da prática da tortura senão aniquilar o torturado? Frei Tito chegou na fronteira do suportável e ainda assim não denunciou ninguém. Não que falar sob tais condições não seja absolutamente compreensível e aceitável, mas o jovem dominicano possuía uma fibra impressionante e resistiu. Como era possível tamanhas indignidades serem perpetradas por agentes públicos com a concordância e conivência de tantos outros?

Muitos juízes e promotores se calaram medrosamente. “Ao espanto inicial provocado pelos relatos de atrocidades prevalece, no magistrado, a adequação de sua sensibilidade e consciência à tortura como método de interrogatório, o assassinato como recurso de profilaxia política, a crueldade do poder como exigência de segurança e firmeza de autoridade” (Betto, 2021, p. 369). O risco do Direito ser – como foi e continua sendo em tantos lugares – um instrumento a serviço dos poderosos de plantão é sempre palpável.

Nas delegacias, quarteis e outros espaços não oficiais a tortura era larga e covardemente usada como estratégia de repressão e terror - Gabriel Vilardi

Certamente grande parte daqueles que hoje se deixam convencer pela defesa da abjeta ditadura civil-militar jamais leram um depoimento nauseante como o abaixo:

“Às dezoito horas, serviram o jantar, mas não consegui comer. Minha boca era uma ferida só. Pouco depois, levaram-me para uma ‘explicação’. Encontrei a mesma equipe do capitão Albernaz. Voltaram às mesmas perguntas. Repetiram as difamações. Disseram que, em vista de minha resistência à tortura, concluíram que eu era guerrilheiro e deveria estar escondendo minha participação em assaltos a bancos. O ‘interrogatório’ reiniciou para que eu ‘confessasse’ os assaltos: choques, pontapés, nos órgãos genitais e no estômago, palmatória, ponta de cigarro acesa em meu corpo. Durante cinco horas, apanhei como um cachorro. No fim, fizeram-me passar pelo ‘corredor polonês’. Avisaram que aquilo era a estreia do que iria ocorrer com os outros dominicanos. Quiseram deixar-me dependurado toda a noite no pau de arara. Mas o capitão Albernaz objetou: ‘Não é preciso, vamos ficar com ele aqui mais dias. Se não falar, será quebrado por dentro, pois sabemos fazer as coisas sem deixar marcas visíveis. Se sobreviver, jamais esquecerá o preço da valentia’” (Betto, 2021, p. 375-376).

O resultado do ápice da perversão humana foi uma profunda angústia e um psicológico destroçado. “Desde a tortura, ele nos parecia mais introvertido, cercado de silêncio, mergulhado em oração” (Betto, 2021, p. 389). Sua agonia se prolongou pelos anos seguintes. Anos mais tarde já em Paris, confessaria: “há agonias que servem para alguma coisa, como a de Cristo. A minha não servirá para nada” (Betto, 2021, p. 396).

Incluído na lista de libertação de prisioneiros em troca do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher – sequestrado pela VPR –, foi solto no dia 11 de janeiro de 1971. Com uma rápida estadia no Chile de Allende, Tito passou por Roma e não foi acolhido pela comunidade do Colégio Pio Brasileiro, em razão de sua fama de “terrorista”. Deslocando-se para Paris, foi recebido no simbólico convento de Saint Jacques, assaltado pelos nazistas em 1943 e de onde foram levados dois dominicanos, posteriormente martirizados pela Gestapo.

Como era possível tamanhas indignidades serem perpetradas por agentes públicos com a concordância e conivência de tantos outros? - Gabriel Vilardi

Ali começou a fazer seus estudos teológicos e, após alguns meses de tranquilidade, as terríveis marcas da tortura voltaram com uma força desestruturante. Como anota Frei Betto, os “estigmas psíquicos de sua subjetividade conflitada, a introjeção depressiva alternando-se aos momentos de euforia” mostravam uma “personalidade avariada” que “exigia tratamento psiquiátrico” (Betto, 2021, p. 393):

“Apesar da dedicação dos médicos, os fantasmas não se apagavam: a mente atordoada de Frei Tito projetava sobre Paris a imagem onipresente da repressão brasileira, o rosto diabólico do delegado Fleury aparecia-lhe em cada café dos Champs Elysées, os olhos injetados de ódio dos militares da Oban tentavam, agora, esconder-se entre as folhas do Jardim des Tuilleries, dentro de cada vagão do metrô havia um homem do DEOPS, todo cuidado era pouco, e a desconfiança obsessiva recomendava a Tito marcar pontos para poder encontrar seus amigos brasileiros condenados ao exílio. Não seria o Arco do Triunfo um monumento ao pau de arara?” (Betto, 2021, p. 393-394).  

Mesmo nesses tempos instáveis, Frei Tito era alguém de grandes e generosos sonhos. “Ainda verei a chama do espírito latino-americano brilhar bem alto, para dar ao novo mundo que nasce o testemunho vivo do verdadeiro humanismo”. Um jovem apaixonado pelo povo da América Latina e sua utopia libertadora. “Ainda hei de ver o esplendor de nossa cultura dizer bem forte o quanto tínhamos para dar mas, infelizmente, os donos do mundo impediram-nos”, escrevera em uma de suas cartas (Betto, 2021, p. 394).

Em julho de 1973 mudou-se para o convento de Lyon, onde fez novas amizades, entre elas a de Frei Xavier Plassat – que posteriormente viria ao Brasil e trabalharia como importante agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT). O golpe militar no Chile e o assassinato do presidente Salvador Allende são novos e duros impactos em sua já frágil e destroçada psiquê. A piora no quadro alucinatório de Tito se acentua, levando-o a ser internado no hospital Edouard Herriot. Vive um intenso tormento e afirma a uma de suas irmãs, que vai visita-lo, ter chegado ao seu limite: “quero minhas raízes, quero meu povo, é por ele que eu lutei” (Betto, 2021, p. 403).

Frei Tito: um jovem apaixonado pelo povo da América Latina e sua utopia libertadora - Gabriel Vilardi

Ao longo do primeiro semestre de 1974 foi sendo devorado pela angústia e ingeriu um tubo de Valium, sendo mais uma vez internado no hospital. Em sua noite escura, no começo de agosto, confessou amargurado: “já não creio em nada, nem em Cristo, nem Marx, nem Freud” (Betto, 2021, p. 407). “Sabe, Xavier, a loucura está me dominando” (Betto, 2021, p. 408), dissera ao seu amigo Plassat, naquela que seria a sua última visita. Assim também testemunhou Bonhoeffer diante do absurdo do nazismo:

“Deus nos faz saber que temos de viver como pessoas que dão conta da vida sem Deus. O Deus que está conosco é o Deus que nos abandona (Marcos 15, 34)! O Deus que faz com que vivamos no mundo sem a hipótese de trabalho de Deus é o Deus perante o qual nos encontramos continuamente. Perante e com Deus vivemos sem Deus. Deus deixa-se empurrar para fora do mundo até a cruz; [...]. Cristo não ajuda em virtude de sua onipotência, mas da sua fraqueza, do seu sofrimento!” (Malschitzky, 2005, p. 14).

Como atestou seu psiquiatra em Lyon, Dr. Rolland, “a expatriação não libertou Tito de seus torturadores”. “Essa proximidade psicológica do carrasco e de sua vítima, essa comunhão satânica que reduz tudo num golpe, tornando a pessoa sem forças, constituiu para Tito a experiência destruidora fundamental de sua existência”. Afinal, seu questionamento deve continuar ecoando até os dias atuais, em que tristemente os discursos golpistas e as tentativas autoritárias voltaram com força: “quem era louco: Tito ou seus torturadores?” (Betto, 2021, p. 428).

No dia 10 de agosto de 1974 encontraram o corpo de Frei Tito de Alencar, suspenso sem vida – uma vida macerada pelo poder opressivo dos carrascos da ditadura civil-militar. No seu túmulo, a verdade covardemente negada pelos porões do autoritarismo: “encarcerado, torturado, banido, atormentado... até a morte, por ter proclamado o Evangelho, lutando pela libertação de seus irmãos (Betto, 2021, p. 409)”.

No dia 10 de agosto de 1974 encontraram o corpo de Frei Tito de Alencar, suspenso sem vida – uma vida macerada pelo poder opressivo dos carrascos da ditadura civil-militar - Gabriel Vilardi

Celebrar a vida e o testemunho profético de Frei Tito nunca foi tão atual, na semana em que o Supremo Tribunal Federal condenou os artífices da trama golpista, desenrolada nos últimos anos. Como se não bastasse, os ardilosos filhos das trevas não deixam de se movimentar nos calabouços apodrecidos do Parlamento. A Casa de Ulisses Guimarães, que em 1988 proclamou seu “ódio e nojo à ditadura”, já se esqueceu o que a impunidade pode continuar gerando no pântano do autoritarismo?

São Óscar Romero, também ele vítima da opressão dos militares, conclamou as forças armadas a romperem com qualquer traço antidemocrático:

“Há que se ter em conta, caros militares, que toda instituição, incluída a instituição castrense, está a serviço do povo. É o bem do povo que deve ser considerado para uma mudança de infraestrutura e regulamentações em toda instituição. Toda instituição deve ser suscetível de sofrer mudanças conforme seja exigido pelo bem do povo, e não que por absurdas disposições hierárquicas se afoguem as aspirações de um povo” (Homilia 6 de janeiro de 1980, VIII p. 132).

Transcorridos quarenta anos desde a saída de cena do último general-ditador, poucos passos efetivos foram dados na consolidação de um maior senso de democracia nas forças militares. A sanha golpista parece o esqueleto no armário, nunca devida e definitivamente sepultado. Os currículos das academias de formação de novos oficiais permanecem praticamente os mesmos, além de nunca ter se investido na criação de museus e memoriais para divulgação e sensibilização sobre as atrocidades desse período.

Se já não fosse mais do que suficiente, a decadente mas ainda maior potência do mundo, os Estados Unidos, são governados por um aspirante a ditador, o bilionário Donald Trump. Além de erodir a democracia interna, o magnata quer interferir no sistema jurídico do Brasil, por meio de inaceitáveis sanções e ilógicas tarifas comerciais. Seu objetivo, impor a impunidade e enfraquecer o Estado Democrático de Direito.

Celebrar a vida e o testemunho profético de Frei Tito nunca foi tão atual, na semana em que o Supremo Tribunal Federal condenou os artífices da trama golpista, desenrolada nos últimos anos - Gabriel Vilardi

Até agora parte considerável da elite econômica e das associações empresariais têm se mantido sorrateiramente omissa. Alguns inclusive não escondem seu flerte com a extrema-direita golpista. Há ainda outra parcela da população que pensa ser possível permanecer alheia ao futuro da democracia no país. Relativamente a esses, São Oscar Romero insistia em despertar-lhes as consciências, apostando na preponderância do bem comum:

“Faço um chamado ao setor não organizado, que até agora se manteve à margem dos acontecimentos políticos, mas que está sofrendo suas consequências, para que como recomenda Medellín, atuem em favor da justiça com os meios que dispõem e não sigam passivos por temor aos sacrifícios e aos riscos pessoais que implica toda ação audaz e verdadeiramente eficaz. Do contrário, serão também responsáveis da injustiça e suas funestas consequências” (Homilia 20 de janeiro de 1980, VIII p. 181-182).

Fazer memória de Frei Tito de Alencar significa rejeitar toda e qualquer forma de tortura, bem como dizer não ao autoritarismo ditatorial e militaresco. Honrar a missão libertadora do frei dominicano implica em jamais compactuar com a impunidade de arroubos golpistas e trabalhar contra a indecência das propostas estapafúrdias de anistia. É inegociável e inadiável proteger e valorizar o tão atacado direito à memória, porque sem ele o país jamais se livrará dos projetos de poder tirânicos e totalitários.

Fazer memória de Frei Tito de Alencar significa rejeitar toda e qualquer forma de tortura, bem como dizer não ao autoritarismo ditatorial e militaresco - Gabriel Vilardi

Seja bendito, Tito de Alencar, frade amigo que se engajou até as últimas consequências por um país livre e democrático. Teu sofrimento indizível, jamais querido pelo Deus-irmão, não terá sido em vão! Nós cristãos e cristãs, homens e mulheres de boa-vontade, não permitiremos que o “pau de arara” e a “cadeira do dragão” voltem a atormentar os militantes políticos desse Brasil. A violência, o exílio e a censura não terão a palavra final na ainda jovem democracia brasileira.

Teus herdeiros, ó filho de São Domingos, os amantes da justiça e da liberdade seguirão preservando a tua memória perigosa. E então tuas últimas palavras serão entoadas contra a hipocrisia dos que se acham poderosos. “Faze dele o sonho do Nazareno/ Quem também foi criança,/ Sonhando como tu sonhas/ Enfeitas de esperanças uma pequena aldeia,/ Uma Nazaré humana,/ Abrigo dos pobres,/ Sustento dos fracos,/ Grandeza dos pequenos como tua pequenez” (Betto, 2021, p. 436). Frei Tito de Alencar deu testemunho da Igreja que acreditava, “sinal e sacramento da justiça de Deus no mundo” (Betto, 2021, p. 384). O Deus dos torturados e das vítimas da impunidade ao arbítrio!

Referências

Arquidiocese de São Paulo. Brasil: nunca mais. Petrópolis: Vozes, 2011.

BETTO, Frei. Batismo de sangue: guerrilha e morte de Carlos Marighella. 14ª ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2021.

BETTO, Frei. Cartas da prisão. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

MALSCHITZKY, Harald. Dietrich Bonhoeffer: discípulo, testemunha, mártir: Meditações. São Leopoldo: Sinodal, 2005.

VIEIRA, Jaci Guilherme. Ditadura militar, povos indígenas e a Igreja Católica na Amazônia: a Congregação da Consolata e o novo projeto de missão entre os índios de Roraima (1969 a 1999). Manaus: Editora Valer, 2019.

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