Por: Andriolli Costa | 19 Março 2014
Gilberto Faggion. Foto: Andriolli Costa |
Ao revisitar o histórico da ditadura, há uma vertente de pensadores que insiste no fato desta não ter sido instaurada a partir de um Golpe Militar, mas sim de um Golpe Civil-Militar. Isto porque, mesmo que deflagrados pelos altos comandos das Forças Armadas, a participação de diversas entidades da sociedade civil, como o empresariado, as entidades patronais, a igreja e até mesmo a mídia foram fundamentais para a tomada de poder.
Um dos primeiros a chamar a atenção para esta discussão foi o historiador e cientista político uruguaio René Armand Dreifuss, em seu livro 1964: a conquista do Estado - Ação Política, Poder e Golpe de Classe (Petrópolis: Editora Vozes, 1981). Resultado de pesquisa realizada entre 1976 e 1980 para sua tese de doutorado na Universidade de Glasgow, Inglaterra, o livro aborda o histórico que levou ao período de exceção ainda vigente durante sua elaboração. Dreifuss teve acesso a importantes fontes documentais, e reconta o histórico do golpe desde o período do Estado Novo, dando destaque fundamental à participação da burguesia brasileira.
Devido à importância histórica deste relato documental, que hoje foi deveras esquecido, a apresentação e debate da obra de Dreifuss foi a escolhida para abrir as conferências do ciclo de estudos 50 anos do Golpe de 64 – Impactos, (des)caminhos, processos, organizado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU e que ocorre entre os dias 13 de março e 24 de abril de 2014. Em palestra ocorrida no primeiro dia do evento na sala Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, os professores da Unisinos Gilberto Faggion e Lucas Henrique da Luz discutiram o livro capítulo a capítulo, destacando os trechos mais representativos.
(Des)Caminhos do Golpe
Lucas Luz, que cobriu os primeiros capítulos, tratou da gênese do Golpe, recuperando o surgimento da burguesia emergente (décadas de 1920 e 1930) — que herda grande parte dos valores da elite rural — e passa até pelo período do Estado Novo. Getúlio Vargas é muito importante para esta contextualização, pois é ele quem “tenta impor uma política nacionalista, fazendo com que os interesses multinacionais ficassem um pouco de lado”, desagradando a burguesia. Também é no período Vargas que surge a Escola Superior de Guerra, em 1949 — de onde saíram muitos dos presidentes que ocuparam a presidência durante o regime.
Com o suicídio de Vargas e a entrada de Café Filho, as multinacionais passam a ser grandemente favorecidas, uma política que o próprio Juscelino Kubitschek daria continuidade — especialmente com o fortalecimento da indústria. Esse desenvolvimento da indústria local voltaria a produção não para a exportação, mas para a abertura do consumo da classe média (que cumpriria papel fundamental para a tomada de poder em 1964). Dreifuss abordava a ascendência econômica do capital multinacional e associado, ressaltando como as companhias multinacionais ditavam o ritmo e a orientação da economia brasileira. “Esse momento mostra a formação de um estado paralelo multinacional no Brasil”, relata Luz.
Para Dreifuss, foi ainda no Governo JK que o aparelho repressivo do Estado se desenvolveu. As Forças Armadas deixavam de se focar na defesa do território nacional para assumir uma estratégia de contra-insurreição e hostilidade internas. Mais tarde, com o surgimento do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais e sua entidade-irmã, o Instituto Brasileiro de Ação Democrática, o assim chamado IPES/IBAD propôs a aproximação entre a burguesia e as Forças Armadas, o que levaria enfim ao Golpe de 64. Esse segundo momento foi abordado por Gilberto Faggion.
Foi essa burguesia financeiro-industrial multinacional e associada que incitou os militares ao golpe, apoiando em duas frentes: a ação ideológica e social e a político-militar. Fez parte fundamental dessa campanha a formação de um clima golpista de terror, promovendo o medo contra um inimigo comum (os “Comunistas”), que “come criancinhas”, que separaria as famílias, botaria em risco os bens e o patrimônio. “A classe média era manipulada para servir de massa de manobra e apoiar o golpe. Os comunistas eram vistos como ameaça à segurança e ao modo de vida do povo, o que justificaria a intervenção militar”, esclarece.
Em um contexto de Marcha pela Família e movimentos de apoio aos militares, estimulando mais uma vez o clima golpista, conhecer o passado é a maneira mais adequada para fugir do obscurantismo. Para mais informações sobre o ciclo de estudos 50 anos do Golpe de 64 – Impactos, (des)caminhos, processos, incluindo a programação completa, acesse http://bit.ly/Golpe50Anos.
Apresentação do livro. Foto: Andriolli Costa |
Conferencistas
Gilberto Antonio Faggion é graduado em Comércio Exterior e Administração de Empresas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos e mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Atualmente, é professor da Unisinos e trabalha no Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Lucas Henrique da Luz possui mestrado em Ciências Sociais Aplicadas pela Unisinos, graduação em Administração de Empresas, com habilitação em Recursos Humanos, pela mesma universidade e especialização em Elaboração e Avaliação de Projetos Sociais pela UFRGS. Atualmente, é doutorando em Administração na Unisinos. É um dos coordenadores do curso de Administração da Unisinos (juntamente com Silvia Polgati e Dagmar Sordi) e professor nesse mesmo curso e no de Graduação Tecnológica em Gestão de Recursos Humanos. Lucas também é integrante do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
(Andriolli Costa)
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A burguesia golpista de 1964 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU