A conspiração para o golpe de 64 começou na Embaixada dos EUA

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17 Abril 2014

A participação decisiva de Lincoln Gordon, que exerceu a função de embaixador dos Estados Unidos (EUA) no Brasil entre 1961 e 1966, na conspiração que levou ao golpe civil-militar de 1964 é o eixo narrativo central do documentário O dia que durou 21 anos (Camilo Tavares. Brasil, 2013, 77 min), exibido na noite de segunda-feira, 14-04-2014, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU. A historiadora Marluza Marques Harres, professora na Unisinos, apresentou a obra após a exibição e mediou os debates. A atividade integrou a programação do Ciclo de estudos 50 anos do Golpe de 64. Impactos, (des)caminhos, processos,  A programação do ciclo  segue até o dia 24-04-2014.

      Fotos: Luciano Gallas

O documentário exibido tem direção e roteiro assinados por Camilo Tavares, filho do jornalista Flávio Tavares, militante de esquerda preso durante o regime militar – ele foi presidente da União Estadual dos Estudantes do Rio Grande do Sul, era formado em Direito e cobria a editoria de política para o jornal Última Hora, de Samuel Wainer. Em meio às suas atividades como jornalista, Flávio conheceu Ernesto Che Guevara na Conferência da Organização dos Estados Americanos de Punta del Leste, Uruguai, em 1961 (Guevara era o delegado de Cuba na conferência). Flávio Tavares era um dos 15 presos políticos trocados em 1969 pelo embaixador estadunidense Charles Burke Elbrick, sequestrado pelas organizações Ação Libertadora Nacional – ALN e Movimento Revolucionário 8 de Outubro - MR-8.

Documentos secretos

Ao apresentar o documentário, a professora Marluza Harres lembrou que a obra é uma espécie de resgate da história familiar de Camilo Tavares, que nasceu na Cidade do México, em 1971, e passou a infância na Argentina, durante o exílio do pai. Ele só viria a conhecer o Brasil em 1979, depois da Anistia, quando a família pôde retornar ao país. Camilo queria recontar a história do Brasil na década de 1960, relembrando os fatos que provocaram o seu nascimento no México. Sendo assim, O dia que durou 21 anos se utiliza de imagens de arquivo em preto-e-branco do período de regime militar, depoimentos de militantes e prisioneiros políticos, de militares brasileiros e estadunidenses e de documentos top secret da Casa Branca, da CIA - Central Intelligence Agency (Agência Central de Inteligência) e da Joint Chiefs of Staff, corpo de militares do Departamento de Defesa dos Estados Unidos que assessoram o Secretário de Defesa, o Conselho de Segurança Nacional e o Presidente dos Estados Unidos em assuntos militares. Aliás, foi o teor destes documentos que provocaram uma mudança na concepção inicial de roteiro previsto para o documentário.

Gravações em áudio

Entre os documentos obtidos, estão telegramas e gravações em áudio de conversas entre Lincoln Gordon e os presidentes John Fitzgerald Kennedy, que exerceu o mandato entre janeiro de 1961 e novembro de 1963, e Lyndon Johnson, vice de Kennedy, que assumiu após o assassinato deste e permaneceu no cargo até janeiro de 1969. As gravações e os telegramas demonstram a conspiração orquestrada pelo governo estadunidense durante o governo João Goulart, conspiração na qual Lincoln Gordon teve papel central. O documentário deixa clara a preocupação dos Estados Unidos com a possibilidade de uma nova Revolução Cubana, ocorrida em 1959, na América Latina. Também torna explícito o financiamento do golpe de 1964 pelos Estados Unidos, apresentando números: oito governadores, 250 deputados federais e 600 deputados estaduais recebiam recursos para fazer oposição ao governo João Goulart, considerado “perigoso” aos interesses dos Estados Unidos devido às reformas de base que implementava em seu governo, entre as quais a realização de uma reforma urbana que privilegiava a habitação em detrimento da especulação imobiliária, a realização da reforma agrária e a extensão dos direitos sociais aos trabalhadores do campo.

      Professora Marluza Marques Harres

Intimidação

Boa parte do financiamento aos políticos era feito por meio do Instituto Brasileiro de Ação Democrática – IBAD, criado em 1959 justamente para combater o comunismo, mas também pela Câmara Americana do Comércio, localizada em São Paulo. Recebiam os recursos, além do Congresso Nacional, ações das Forças Armadas e das Igrejas e a mídia, cujos jornais mantinham uma intensa campanha contra as reformas de Jango. Os depoimentos tomados no documentário demonstram que o conceito que os conspiradores tinham de “comunistas” era muito vago, indo das políticas públicas voltadas aos trabalhadores a qualquer ação que recebesse apoio por parte da população. Mas uma iniciativa em especial despertou a atenção da Casa Branca: o democrata John Kennedy decidiu intervir no Brasil após a nacionalização das empresas estadunidenses ITT (do setor de telecomunicações) e AmForP (American Foreign Power Company) pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, cunhado de João Goulart. A irritação de Kennedy é demonstrada nos telegramas endereçados a Lincoln Gordon, que sugere um convite a João Goulart, feito em 1962, para que este conhecesse a base militar de Offutt e seu armamento nuclear. A intenção, claramente, era intimidar Jango.

Brother Sam

Foi neste contexto de Guerra Fria, no qual se inseria uma Casa Branca preocupada com as reformas de alcance social implementadas por um governo popular como o de João Goulart, que o governo estadunidense financiou uma conspiração civil-militar no Brasil. Vernon Walters, adido militar dos Estados Unidos no Brasil, não economiza elogios ao general Castelo Branco em documentos oficiais, identificando-o com um católico praticante que tinha o respeito dos demais militares e era simpático aos interesses dos EUA. Ou seja, a Casa Branca já havia escolhido seu favorito para assumir como presidente do Brasil após o golpe de 1º de abril de 1964 – Castelo Branco assumiria a função duas semanas depois, permanecendo no cargo até março de 1967. Nestas condições, foi organizada a Operação Brother Sam, com o posicionamento de porta-aviões e navios na costa sudeste brasileira. Os documentos mostrados pelo documentário afirmam que os governadores de São Paulo e de Minas Gerais, Ademar Pereira de Barros e José de Magalhães Pinto, respectivamente, estavam entre os políticos que apoiaram o golpe naquele momento.

(Por Luciano Gallas)

Quem é Marluza Harres

Marluza Marques Harres é graduada em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, instituição na qual exerce atualmente a função de professora titular. Possui mestrado e doutorado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Tem experiência em pesquisa e orientações de mestrado e doutorado, atuando em temas como história política, história ambiental, história agrária e movimentos sociais.

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A participação decisiva de Lincoln Gordon, que exerceu a função de embaixador dos Estados Unidos (EUA) no Brasil entre 1961 e 1966, na conspiração que levou ao golpe civil-militar de 1964 é o eixo narrativo central do documentário O dia que durou 21 anos (Camilo Tavares. Brasil, 2013, 77 min), exibido na noite de segunda-feira, 14-04-2014, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU. A historiadora Marluza Marques Harres, professora na Unisinos, apresentou a obra após a exibição e mediou os debates. A atividade integrou a programação do ciclo de estudos 50 anos do Golpe de 64. Impactos, (des)caminhos, processos e reuniu cerca de 50 pessoas no local - a programação do ciclo  segue até o dia 24-04-2014.

 

O documentário exibido tem direção e roteiro assinados por Camilo Tavares, filho do jornalista Flávio Tavares, militante de esquerda preso durante o regime militar – ele foi presidente da União Estadual dos Estudantes do Rio Grande do Sul, era formado em Direito e cobria a editoria de política para o jornal Última Hora, de Samuel Wainer. Em meio às suas atividades como jornalista, Flávio conheceu Ernesto Che Guevara na Conferência da Organização dos Estados Americanos de Punta del Leste, Uruguai, em 1961 (Guevara era o delegado de Cuba na conferência). Flávio Tavares era um dos 15 presos políticos trocados em 1969 pelo embaixador estadunidense Charles Burke Elbrick, este ser sequestrado pelas organizações Ação Libertadora Nacional – ALN e Movimento Revolucionário 8 de Outubro - MR-8.

 

Ao apresentar o documentário, a professora Marluza Harres lembrou que a obra é uma espécie de resgate da história familiar de Camilo Tavares, que nasceu na Cidade do México, em 1971, e passou a infância na Argentina, durante o exílio do pai. Ele só viria a conhecer o Brasil em 1979, depois da Anistia, quando a família pôde retornar ao país. Camilo queria recontar a história do Brasil na década de 1960, relembrando os fatos que provocaram o seu nascimento no México. Sendo assim, O dia que durou 21 anos se utiliza de imagens de arquivo em preto-e-branco do período de regime militar, depoimentos de militantes e prisioneiros políticos, de militares brasileiros e estadunidenses e de documentos top secret da Casa Branca, da CIA - Central Intelligence Agency (Agência Central de Inteligência) e da Joint Chiefs of Staff, corpo de militares do Departamento de Defesa dos Estados Unidos que assessoram o Secretário de Defesa, o Conselho de Segurança Nacional e o Presidente dos Estados Unidos em assuntos militares. Aliás, foi o teor destes documentos que provocaram uma mudança na concepção inicial de roteiro previsto para o documentário.

 

Entre os documentos obtidos, estão telegramas e gravações em áudio de conversas entre Lincoln Gordon e os presidentes John Fitzgerald Kennedy, que exerceu o mandato entre janeiro de 1961 e novembro de 1963, e Lyndon Johnson, vice de Kennedy, que assumiu após o assassinato deste e permaneceu no cargo até janeiro de 1969. As gravações e os telegramas demonstram a conspiração orquestrada pelo governo estadunidense durante o governo João Goulart, conspiração na qual Lincoln Gordon teve papel central. O documentário deixa clara a preocupação dos Estados Unidos com a possibilidade de uma nova Revolução Cubana, ocorrida em 1959, na América Latina. Também torna explícito o financiamento do golpe de 1964 pelos Estados Unidos, apresentando números: oito governadores, 250 deputados federais e 600 deputados estaduais recebiam recursos para fazer oposição ao governo João Goulart, considerado “perigoso” aos interesses dos Estados Unidos devido às reformas de base que implementava em seu governo, entre as quais a realização de uma reforma urbana que privilegiava a habitação em detrimento da especulação imobiliária, a realização da reforma agrária e a extensão dos direitos sociais aos trabalhadores do campo.

 

Boa parte do financiamento aos políticos era feito por meio do Instituto Brasileiro de Ação Democrática – IBAD, criado em 1959 justamente para combater o comunismo, mas também pela Câmara Americana do Comércio, localizada em São Paulo. Recebiam os recursos, além do Congresso Nacional, ações das Forças Armadas e das Igrejas e a mídia, cujos jornais mantinham uma intensa campanha contra as reformas de Jango. Os depoimentos tomados no documentário demonstram que o conceito que os conspiradores tinham de “comunistas” era muito vago, indo das políticas públicas voltadas aos trabalhadores a qualquer ação que recebesse apoio por parte da população. Mas uma iniciativa em especial despertou a atenção da Casa Branca: o democrata John Kennedy decidiu intervir no Brasil após a nacionalização das empresas estadunidenses ITT (do setor de telecomunicações) e AmForP (American Foreign Power Company) pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, cunhado de João Goulart. A irritação de Kennedy é demonstrada nos telegramas endereçados a Lincoln Gordon, que sugere um convite a João Goulart, feito em 1962, para que este conhecesse a base militar de Offutt e seu armamento nuclear. A intenção, claramente, era intimidar Jango.

 

Foi neste contexto de Guerra Fria, no qual se inseria uma Casa Branca preocupada com as reformas de alcance social implementadas por um governo popular como o de João Goulart, que o governo estadunidense financiou uma conspiração civil-militar no Brasil. Vernon Walters, adido militar dos Estados Unidos no Brasil, não economiza elogios ao general Castelo Branco em documentos oficiais, identificando-o com um católico praticante que tinha o respeito dos demais militares e era simpático aos interesses dos EUA. Ou seja, a Casa Branca já havia escolhido seu favorito para assumir como presidente do Brasil após o golpe de 1º de abril de 1964 – Castelo Branco assumiria a função duas semanas depois, permanecendo no cargo até março de 1967. Nestas condições, foi organizada a Operação Brother Sam, com o posicionamento de porta-aviões e navios na costa sudeste brasileira. Os documentos mostrados pelo documentário afirmam que os governadores de São Paulo e de Minas Gerais, Ademar Pereira de Barros e José de Magalhães Pinto, respectivamente, estavam entre os políticos que apoiaram o golpe naquele momento.

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