Roma, o Jubileu queer

Foto: Bruno Aguirre/Unsplash

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08 Setembro 2025

"Todos têm sua peregrinação durante o Jubileu: enfermeiros, músicos, até o exército. Por que não nós, católicos LGBTQ+?" Essa é a pergunta que Tiziano Fani Braga fez aos outros membros da La Tenda di Gionata, a rede italiana de grupos cristãos arco-íris. Uma pergunta disruptiva em sua simplicidade: foi assim que nasceu a ideia, que tomou forma neste fim de semana no primeiro evento abertamente queer já aprovado pela Santa . "É uma espécie de brecha da Porta Pia. Estamos entrando formalmente na Igreja. Agora vocês têm que nos dar uma resposta: eles nos verão e um tabu será quebrado", diz Tiziano. E mais de 1.400 compareceram ao apelo: desfilaram da Piazza Pia até a Porta Santa de São Pedro sob um sol brilhante. A proibição das bandeiras foi contornada por leques, camisetas, broches e até meias arco-íris. Nenhum sinal de contestadores.

A informação é de Alessia Cesana, publicada por il manifesto, 07-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Sentado à mesa de Tiziano naquele dia estava o Padre Pino Piva, jesuíta que acompanha fiéis queer há quase vinte anos: "Essa peregrinação não era dada como garantida. É um ponto de chegada na conscientização de que se trata de cristãos normais que têm todo o direito de participar da vida das nossas comunidades de forma explícita e confiante, não escondida ou marginal. No entanto, de uma perspectiva pastoral, ainda há trabalho a ser feito."

Na noite passada, a experiência do Jubileu começou com uma vigília na lotada Igreja del Gesù..

Tiziano estava nervoso e emocionado, enquanto o Padre Piva ouvia as confissões dos fiéis e não conseguia parar de sorrir. A celebração foi realizada em vários idiomas para que todos e todas se sentissem bem-vindos. Entre as canções, um crente homossexual, um casal lésbico e a mãe de um filho trans compartilharam suas histórias do púlpito. Na plateia atenta, podiam ser vistos gestos de ternura, como homens colocando o braço em volta de outros homens. Foram mencionadas lágrimas de vergonha e frustração, prontas a se transformar em esperança e alegria. Foi repetidamente citada a figura evangélica de Bartimeu, o mendigo cego de Jericó que, apesar das tentativas da multidão de silenciá-lo, continua a gritar para chamar a atenção de Jesus, que por fim o cura. Torna-se um símbolo de fé, resistência, inclusão e luta contra a opressão.

Tiziano, por exemplo, lutou por sua fé. A vocação para ele foi sentida quando era muito jovem, mas as portas do seminário só se abriram quando ele completou dezoito anos. No ano seguinte, porém, fecharam-se novamente: a única condição para permanecer ali seria fazer "um percurso com um sacerdote experiente", ou seja, uma terapia de conversão. Ao retornar para casa, os catequistas de sua comunidade o convenceram a "trabalhar sobre a minha homossexualidade, porque é a minha cruz para carregar". Ele cedeu, casou-se e teve um filho. Após 10 anos de casamento, sentia uma forte "inquietação, até explodir". Assumiu sua condição pela segunda vez e foi expulso da paróquia.

Encontrou conforto em uma pessoa especial: o próprio Papa Francisco. "Muito bem", disse-me ele. "Cristo te ama, continue." Excepcionalmente, permitiu que ele anulasse o casamento: "Ele compreendeu meu grande sofrimento, minha coragem e que eu não guardava rancor contra a Igreja Católica". Quando questionado sobre o motivo de sua permanência onde havia sido oprimido, responde: "Para mim, a Igreja é como uma Mãe: ela pode me bater, pode pecar, mas eu não posso abandoná-la. Encontrei minha missão". E houve progressos consideráveis nos últimos vinte anos.

Em 2000, Roma foi escolhida como cidade para sediar a primeira Parada do Orgulho da história justamente para irritar a Santa Sé, que celebrava o Jubileu naquele ano. O Vaticano, como esperado, protestou: "O Papa João Paulo II foi muito rigoroso. Para ele, havia apenas a família homem-mulher", conta Tiziano, "e os casais homossexuais eram 'moralmente inadmissíveis'". Depois dele, "houve um parêntese Ratzinger. Ele nunca disse nada sobre o assunto. Silêncio, invisíveis", continua. A luz voltou com o Papa Bergoglio. “Todos, todos, todos”: com essas palavras, há dois anos, ele sinalizou sua abertura e seus esforços de acolhimento, às vezes manchados por deslizes grosseiros, como quando usou o termo “viadagem”. A partir dele, se começou a afirmar abertamente que “não existem filhos de Deus de primeira ou segunda classe e que a discriminação é contra o Evangelho”, como diz o Padre Piva. Durante a peregrinação, respira-se um sentimento de confiança no futuro.

Ontem, retornaram à Igreja para a Missa, oficiada por D. Francesco Savino, vice-presidente da Conferência Episcopal Italiana. O bispo trouxe palavras de apoio do Papa Leão, que abençoou sua celebração para esses “irmãos e irmãs”. Aplausos e emoção quando citou o Papa Francisco: “Ele costumava dizer: ‘A realidade é superior à ideia’. Preferindo a realidade ao preconceito, Deus pode entrar. Ao opor as ideias à realidade, as próprias ideias enlouquecem e matam.” “A realidade somos nós”, comenta Serena Ionta, participante do grupo milanês I Giovani del Guado, “não somos um artigo de jornal, uma parada de orgulho gay ou um número. Hoje, para mim, é amizade, irmandade, fraternidade. É uma jornada difícil, mas sorrimos”. Em seguida, seus pensamentos se voltam para aqueles que não puderam estar presentes “porque vivem fragmentados e não conseguem viver essa dimensão identitárias com a própria Igreja”.

Padre Piva discute os progressos que ainda precisam ser feitos: “Há muita ignorância porque há ainda aqueles que acreditam que as pessoas LGBTQ+ são promíscuas por natureza, ou querem subverter a família, mas a doutrina é clara sobre isso: a condição, a identidade da pessoa LGBTQ+ não é pecado; na verdade, devem ser encorajadas a frequentar os sacramentos. Podemos discutir a maneira de viver a sexualidade, mas então devemos discuti-la para todos, incluindo os heterossexuais”. Mas, segundo o jesuíta, a Igreja está percebendo que a identidade queer não é um problema. “A doutrina evolui com o homem porque está a seu serviço”, comenta Tiziano, esperançoso.

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