14 Agosto 2025
“A cada verão, surgem novas imagens de milhares de hectares sendo consumidos pelo fogo. Embora esses megaincêndios, como são agora chamados, ameacem a vida humana e os ecossistemas, eles também perturbam nossos imaginários sociais e climáticos”. A reflexão é de Pierre Cilluffo Grimaldi, professor da Universidade Sorbonne, em artigo publicado por The Conversation France, 12-08-2025. A tradução é do Cepat.
“Megaincêndio: termo que gradualmente se consolidou na linguagem cotidiana e em nosso imaginário. Parece descrever uma versão extrema de um fenômeno em si espetacular que testemunhamos cada vez mais. Aparentemente, este termo apareceu pela primeira vez em 2013, na boca de um homem acostumado a lidar com chamas: o estadunidense Jerry Williams, que trabalha para o Serviço Florestal do Governo dos Estados Unidos. Segundo ele, um megaincêndio não é apenas um grande incêndio, mas, acima de tudo, um incêndio com comportamento nunca antes observado por especialistas ou pelos moradores locais que dele são vítimas.
Desde então, o termo continuou a ser usado em livros e jornais, como mostra a tendência espetacular de suas ocorrências desde 2014, em inglês, mas também em francês.
Esses incêndios continuam a ocorrer, do Brasil ao Canadá, passando pela Austrália, Califórnia e a Sibéria, e cada vez que ocorrem parecem quebrar novos recordes. Por exemplo, o departamento de Aude acaba de sofrer incêndios com devastação sem precedentes em cinquenta anos para a região mediterrânea francesa. Esses megaincêndios também continuam a se multiplicar. Um estudo da Harvard prevê que os megaincêndios dobrarão ou até triplicarão até 2050 nos Estados Unidos.
Esses megaincêndios, cujas imagens todos podemos ver hoje ou cujos imensos danos todos podemos ver, estão causando choques sem precedentes.
Por exemplo, um morador de Gironde confidenciou, um ano após os incêndios que dizimaram as florestas de pinheiros em suas terras familiares e em todo o seu departamento, que se sentia perdido sem a floresta familiar que cercava sua casa e agora temia cada novo verão. As chamas, portanto, parecem ter causado o chamado “choque moral”.
O choque moral é um evento ou informação imprevisível que gera um sentimento visceral de indignação ou desconforto moral em um indivíduo, a ponto de levá-lo a tomar medidas políticas, mesmo que ainda não faça parte de uma rede ativista. É uma reação emocional e cognitiva a uma violação percebida na vida cotidiana e em suas normas, exigindo uma reconstrução da visão de mundo.
Sem serem diretamente afetados, esses megaincêndios podem perturbar nossa imaginação e reativar mitologias. Veja como.
Diante do poder das imagens de megaincêndios devastando milhares de árvores, a mente humana pode ser tentada a recorrer ao passado e aos seus mitos em busca de pontos de referência para dar sentido a esses desastres.
No entanto, esses gigantescos incêndios atacam um lugar familiar à nossa imaginação ocidental: a floresta, que, como nos lembra o pesquisador estadunidense Robert Harrison, “representa um mundo separado e opaco que permitiu a esta civilização escapar, encantar-se, aterrorizar-se, questionar-se – em suma, projetar nas sombras da floresta suas ansiedades mais secretas e profundas”.
É, portanto, um lugar familiar à nossa imaginação, às vezes até mesmo um Éden natural, que é consumido e de onde somos novamente expulsos pelas chamas do inferno.
As imagens de uma floresta devastada pelas chamas provocam, assim, a confluência de vários símbolos poderosos em nossas mentes. Pois o fogo possui um significado poderoso nos mitos e nas culturas dos quais descendemos. É o fogo que simboliza a porta de entrada para o inferno com um significado apocalíptico; é o fogo da punição que retorna nos círculos do Inferno de Dante. É também um “fogo de barreira” ou uma “barreira de fogo” entre dois mundos em nossos mitos judaico-cristãos. Pois ainda são as chamas que impedem Adão e Eva de retornar ao Jardim do Éden, após serem expulsos do paraíso terrestre por comerem o fruto proibido.
Os bombeiros e moradores locais, mais concretamente, falam de uma “frente de chamas” que irradia e destrói a vegetação e nos priva de uma floresta que em breve não passará de cinzas.
Mas os megaincêndios também evocam outro mito que assombra nossos imaginários: o do desvio do fogo prometeico.
Prometeu é conhecido na mitologia grega por ter roubado o fogo sagrado do Olimpo para entregá-lo aos humanos. Esse fogo é mitologicamente útil para o desenvolvimento da civilização, permitindo o desenvolvimento das indústrias e da culinária, mas também é descrito como imprevisível e inerentemente arriscado nas mãos humanas.
De fato, uma vez roubado pelos humanos, ele adquire características contrárias ao fogo natural dos vulcões ou do sol, que animam o mundo com uma certa estabilidade natural. Ao roubá-lo, os humanos se arrogam um poder de transformação sem precedentes, mas essa capacidade carrega consigo uma forma de contradição.
Longe de participar dos ciclos naturais, o fogo, fabricado, controlado ou amplificado pelas sociedades industriais modernas, perturba profundamente os equilíbrios ecológicos. Está se tornando uma força devastadora, como os megaincêndios contemporâneos, que perturbam os ciclos naturais e ameaçam a própria estabilidade dos ambientes e do nosso modo de vida. A esse respeito, vale destacar que, na França, nas últimas décadas, nove em cada dez incêndios florestais foram iniciados por ação humana, seja criminosa ou acidental.
Também vale destacar que, nunca antes na história, os seres humanos possuíram tamanha força graças ao aproveitamento da energia do fogo. Foi essa energia que lhes permitiu desenvolver a tecnologia que moldou, por exemplo, o motor de combustão interna.
E, no entanto, a tecnologia para combater os megaincêndios permanece limitada, especialmente quando há falta de Canadairs [avião construído especificamente para o combate de incêndios] devido a escolhas políticas e desconsideração do histórico de alertas. A situação atual parece preocupante nesse sentido.
Do outro lado do Atlântico, diante dos megaincêndios na Amazônia em 2020, também vimos a figura de Nero sendo mobilizada para desafiar as políticas de falta de ação ambiental do cético climático Jair Bolsonaro, então presidente do Brasil. A ONG Greenpeace chegou a construir uma estátua de Bolsonaro disfarçado deste imperador romano para alertar sobre o destino da floresta em chamas.
Esta figura não é insignificante. Ela lembra uma lenda persistente segundo a qual a loucura do imperador romano Nero foi responsável pelo terrível incêndio que atingiu Roma em 64 d.C. Embora as fontes históricas latinas pouco façam para estabelecer sua culpa, temos certeza do oportunismo político de Nero, designando, na época, diretamente a minoria cristã de Roma como a culpada.
As imagens de megaincêndios são ainda mais traumáticas para as populações porque nos obrigam a mudar nosso olhar sobre uma natureza considerada controlável, que agora examinamos impotentes, sofrendo perdas irreversíveis para a paisagem, as florestas e todos os seres vivos. Assim, os incêndios também devastam nosso imaginário ecológico. Diante dessas paisagens destruídas pelas chamas, podemos experimentar um choque moral, no sentido definido pelo sociólogo James Jasper: uma reação visceral que perturba nossa percepção da ordem mundial atual e exige ação.
No entanto, esse fogo do choque moral pode desaparecer com a mesma rapidez sem a troca de opiniões e a ação coletiva nos primeiros anos do “pós-evento”. Podemos então ver um novo normal se instalar, em que os megaincêndios não nos surpreendem mais. Pois existe uma forma de amnésia ambiental em relação aos efeitos das mudanças climáticas.
Em 2019, pesquisadores estadunidenses analisaram 2 bilhões de tweets relacionados às mudanças climáticas. Esta análise quantitativa, notável por sua abrangência, mostrou que, em média, nossas impressões sobre as mudanças climáticas se baseavam em nossa experiência recente dos últimos dois a oito anos.
Na França, diante das imagens dessa natureza em chamas na região de Aude, o conceito de “piroceno”, da filósofa Joëlle Zask, assume todo o seu significado. Ele serve para caracterizar e descrever esta nova era definida pela predominância e proliferação de megaincêndios. Em outras palavras, o Piroceno sucederia ao Antropoceno, marcando uma era em que o fogo passa a ser um agente central das transformações ecológicas e climáticas.
Politicamente, esta era do fogo exige uma reconfiguração da nossa relação com a natureza, pois se trata de aprender a conviver com esses incêndios extremos e não mais combatê-los diretamente como no passado. Esta nova situação exige, portanto, uma “cultura do fogo” que integre essas realidades em nossas políticas (habitação e PLU, corta-fogos naturais, gestão florestal, adaptação dos territórios à crise, agricultura regenerativa, etc.) e em nossos estilos de vida (férias, consumo, etc.). Mas estamos coletivamente preparados para isso?