16 Janeiro 2025
O autor de O Tempo do Fogo, finalista do Prêmio Pulitzer 2024, analisa de sua casa, a 50 km do epicentro dos incêndios, como este sistema econômico, viciado em combustíveis fósseis, criou a atmosfera mais propensa à combustão dos últimos três milhões de anos: "Basta apenas uma faísca".
De sua casa, localizada a 50 quilômetros do epicentro dos incêndios que estão devastando Los Angeles, o escritor e jornalista John Vaillant, de 63 anos, está angustiado com o trauma existencial que seus vizinhos enfrentam. Para ele, a natureza volta a nos lembrar que “há CO₂ demais na atmosfera”.
Vaillant retratou o que ele considera “um novo tipo de incêndio diante do mundo” após o devastador fogo que, em 2016, destruiu a cidade canadense de Fort McMurray e obrigou a evacuação de 88.000 pessoas em uma única tarde. Em seu livro El tiempo del fuego: historia de un incêndio en un mundo más cálido, finalista do Prêmio Pulitzer 2024 e publicado na Espanha pela editora Capitán Swing, o jornalista escreve que aquelas chamas eram um aviso do que estava por vir em um mundo cada vez mais quente e inflamável. “Este não é o planeta Terra tal como o encontramos. Este é um novo lugar: um planeta de fogo que criamos, com uma atmosfera mais propícia à combustão do que em qualquer outro momento dos últimos três milhões de anos”.
A entrevista é de Andrea Cappelletti, publicada por elDiario, 14-01-2025.
"A catástrofe de Fort McMurray é provavelmente um presságio do que nos espera", diz Vaillant em seu livro El tiempo del fuego. Qual é a sensação ao ver o que está acontecendo em Los Angeles?
É assustador e terrivelmente familiar. Para as pessoas de Los Angeles, é um choque. Ouve-se os bombeiros dizendo: “Nunca vi algo assim antes”. Há moradores repetindo: “Como isso pôde acontecer aqui?”. Estou no condado de Orange, ao sul, e tudo está seco como um fósforo. Tudo é incrivelmente inflamável. Pensemos no sul da Espanha, que também é extremamente inflamável. Aqui é a mesma coisa, e basta uma faísca. Há medo e tristeza reais, mas isso está acontecendo dentro do esperado.
Desde a publicação do seu livro, dezenas de incêndios extremos ocorreram em diferentes partes do mundo. Será que nós, cidadãos, compreendemos a magnitude do problema que enfrentamos?
A quantidade de pessoas que morreram nesses incêndios nos últimos 15 anos é completamente diferente da dos 15 anos anteriores. Os incêndios dos anos 2000 são outra coisa em comparação com os dos anos 90. Naquela época, havia incêndios terríveis, mas não tantos. E, quando contabilizamos o número de casas queimadas nos últimos dez anos, entendemos esse salto. Estamos falando de bilhões de dólares e milhares de vidas completamente transtornadas. Esses incêndios transformam pessoas em refugiados climáticos dentro de seu próprio país. Eu os chamaria de refugiados climáticos.
Esse “planeta de fogo” tem a ver com um sistema econômico viciado em combustíveis fósseis?
Eu queria escrever um artigo para o Globe and Mail do Canadá, um dos principais jornais do país, sobre a Suncor, uma grande empresa petrolífera de Alberta que mente sobre o clima e está destruindo o meio ambiente. Ela tem feito isso há 50 anos. O editor me disse: “Você sabe, se publicarmos isso, o dono da Suncor vai ligar para o dono do jornal, e o seu artigo vai nos causar muitos problemas”.
Quando você pensa que Jeff Bezos é dono do The Washington Post, isso compromete aquele jornal. Isso não é novo, claro. Sempre foi assim nos últimos 200 anos. Pessoas ricas tendem a ser donas de jornais. Acho que, neste momento, lutar pelo clima significa lutar contra nossa dependência dos combustíveis fósseis. As pessoas que investem muito nesses produtos não querem mudar, mas deve ficar claro que a alternativa é mais secas, incêndios, inundações e o colapso climático, que nada mais é do que o colapso da civilização. Esta é a escolha que estamos fazendo agora.
O que você responde para quem diz: “Os incêndios florestais sempre existiram”?
Eles sempre existiram, mas não dessa maneira. Eu perguntaria: quantas casas foram queimadas entre 1990 e 2000? Quantas pessoas morreram? As pessoas que dizem isso não estão interessadas em aprender. É pura ortodoxia. E a ortodoxia é, realmente, o mais perigoso para a civilização e para o discurso cívico. Muitas pessoas não estão dispostas a receber informações que possam desafiar seu ponto de vista. O que não existia antes são os níveis de CO₂ que temos na atmosfera atualmente. Eu diria para essas pessoas olharem a curva do CO₂ nos últimos 50 anos, a evolução da temperatura nesse mesmo período e os custos econômicos dos desastres climáticos na América do Norte ao longo dessas décadas.
Este tipo de incêndio nos obriga a repensar a forma como construímos nossas cidades?
Exatamente. A única coisa positiva que vejo aqui é que a natureza está tentando nos dizer que há muito CO₂ na atmosfera. É como um empréstimo bancário: você tomou dinheiro emprestado para comprar sua casa. Há juros sobre isso, e o CO₂ é a dívida da civilização movida a fogo. Os juros dessa dívida são o aumento da temperatura, e esses juros continuam crescendo porque não estamos fazendo os pagamentos. E quando os juros ficam altos demais e você não paga, o banco toma seu carro, toma sua casa.
Você acredita que este incêndio, que afetou uma das regiões mais ricas dos Estados Unidos, pode gerar um ponto de inflexão na prevenção e mitigação?
Essa é a eterna esperança. Esperei que isso acontecesse após o incêndio de Fort McMurray, mas não aconteceu; também após os incêndios de Redding, Lahaina, Valparaíso (Chile), e também não aconteceu. Acho que este incêndio será usado por políticos cínicos e tratado como um evento local pelos moradores genuinamente traumatizados de Los Angeles.
Acho que não temos dimensão do que está acontecendo: Los Angeles enfrenta hoje uma grande crise de refugiados. Há mais de 150.000 pessoas evacuadas; se essas pessoas atravessassem o mar da Líbia em direção a Creta ou ao sul da Itália, seria uma crise total. Da noite para o dia, Los Angeles, a grande cidade norte-americana, tem 150.000 pessoas sem casa. É uma crise gigantesca. Gostaria de ter mais esperança. Tenho observado isso há 10 anos. E aqui estamos, com 150.000 refugiados climáticos em Los Angeles e queimando mais petróleo do que nunca.
Como seria, então, a segunda parte do seu livro? Como termina o filme?
Com uma qualidade de vida que se degrada constantemente. Ainda mais com Donald Trump ocupando o cargo de presidente dos Estados Unidos, alguém que, infelizmente, grande parte do mundo segue. Vamos perder tempo, mas já estamos perdendo um tempo valioso há 50 anos. Por sorte, há muitas pequenas comunidades e muitos indivíduos que estão fazendo mudanças significativas, apostando em uma relação diferente com a natureza, com o que consumimos e produzimos. Precisamos viver de forma mais simples.
Não há como sair disso sem apostar no decrescimento. Não há forma física de fazê-lo. E também não há como sair dessa situação sem realizar a transição para uma energia de baixo carbono. Esses são os dois grandes desafios. Nesse segundo ponto, há avanços — basta observar o poder das tecnologias solar e eólica para gerar energia na Espanha, é incrível. E pensar em quão rápido conseguimos isso. Os seres humanos são totalmente capazes de realizar essa transição, e estamos fazendo isso. Mas, infelizmente, de forma muito fragmentada. Tenho confiança de que sobreviveremos, mas precisamos fazer grandes mudanças.