22 Julho 2025
- Aos meus professores e amigos, filósofos, teólogos, estudiosos da Bíblia, historiadores, jornalistas, antropólogos, sociólogos, escritores e artistas feministas, em sintonia.
O artigo é de Juan José Tamayo, publicado por Religión Digital, 22-07-2025.
Juan José Tamayo é teólogo da libertação e professor emérito honorário da Universidade Carlos III, de Madri. Seu mais recente livro é Cristianismo radical (Trotta, 2025).
Eis o artigo.
Não encontrei melhor maneira de recordar Maria Madalena em seu dia festivo, 22 de julho, do que refletindo sobre sua figura, inspirada no magnífico livro "A Ressurreição de Maria Madalena: Lendas, Apócrifos e o Testamento Cristão" (EVD, Estella, 2008), da teóloga e biblista Jane Schaberg (1938-2012), que relaciona Maria Madalena à escritora britânica Virginia Woolf. O misticismo subversivo da escritora britânica servirá de modelo interpretativo para reconstruir, em chave feminista, a figura emblemática de Maria Madalena, tão vilipendiada e desfigurada. Seria uma aliança espúria? Acho que não. Vejamos.
As diferenças entre as duas mulheres são certamente notáveis, mas também o são as semelhanças, pelo menos no imaginário coletivo. Ambas são consideradas "perturbadas" ou "doentes": Virginia Woolf, "maníaco-depressiva", Maria Madalena, possessa; ambas são exorcizadas ou autoexorcizadas e confessam momentos de visões; são visionárias. Ambas são estranhas ao círculo patriarcal, e nenhuma delas é membro do seleto grupo dos "Apóstolos", ou pelo menos foi excluída desse grupo pelo poder patriarcal. Elas coincidem até mesmo em suas vidas após a morte: Woolf e Maria Madalena são figuras de mitos e lendas, e ícones na luta pela emancipação feminina.
De uma perspectiva feminista, Jane Schaberg reconstrói as figuras de Woolf e Madalena, identificando-se com elas para criar, com a ajuda delas, uma espiritualidade própria e não exclusiva, em consonância com o ideal woolfiano: "Como mulher, não tenho pátria. Como mulher, não quero uma pátria. Como mulher, minha pátria é o mundo inteiro". E Schaberg acrescenta: "Como mulher, não tenho religião. Não sou judia, nem cristã, nem muçulmana, nem pagã. Como mulher, sou judia e cristã, muçulmana e pagã." O desejo declarado da teóloga feminista Jane Schaberg é ter "encontrado" uma Maria Madalena tão corajosa e ousada quanto Virginia Woolf ou Ethel Smyth, sua amiga, compositora inglesa e líder do movimento sufragista, a quem Virginia descreve assim: "Ela pertence à raça dos pioneiros, daqueles que abrem caminho. Ela foi à frente, derrubou árvores, perfurou rochas e construiu pontes, e assim abriu caminho para aqueles que virão depois dela".
Por meio de rigorosa pesquisa interdisciplinar de fontes cristãs canônicas da Bíblia Hebraica e do Testamento Cristão, escritos gnósticos e arqueologia, arte e lendas, Schaberg imagina e recupera a figura de Maria Madalena livre das imagens negativas que a ideologia patriarcal construiu sobre ela, desde os próprios textos canônicos até a exegese atual.
Nos textos analisados, Schaberg vê evidências fragmentárias de Maria Madalena como continuadora da profecia hebraica, iniciadora da crença cristã na ressurreição, sucessora de Jesus de Nazaré e herdeira de sua autoridade espiritual. Os evangelhos apócrifos de cunho gnóstico oferecem elementos importantes para a reconstrução da figura de Maria Madalena, ainda que de forma provisória e experimental:
- Ela existe como personagem e como memória em um mundo cujos textos exibem linguagem androcêntrica e patriarcal.
- Ela se expressa com ousadia em um mundo real e simbólico dominado por homens, o que lhe confere um significado especial.
- Ela é uma pessoa proeminente entre os seguidores de Jesus, pois possui autoridade espiritual e exerce liderança em igualdade de condições com os discípulos homens.
- Ela é apresentada como companheira íntima de Jesus.
- Ela entra em conflito com alguns discípulos homens sobre a confiabilidade de seu testemunho.
- Ela aparece como consoladora e professora para os outros discípulos.
- Ela é elogiada por sua inteligência superior.
A teologia feminista cristã recorre a Maria Madalena como fonte de autoridade para promover as transformações necessárias na esfera eclesiástica e como pioneira da igualdade para gerar mudanças culturais e sociais que eliminem todos os tipos de discriminação na sociedade: étnica, social, cultural, religiosa e de gênero. Essas últimas discriminações muitas vezes passam despercebidas ou não são consideradas prioritárias para sua superação.
O livro pinta um quadro sugestivo do cristianismo em torno da figura de Maria Madalena, predominante em algumas igrejas durante os dois primeiros séculos e esquecida pela Igreja patriarcal até hoje: um cristianismo inclusivo de homens e mulheres sob o signo da continuidade profética em vez da sucessão apostólica; um cristianismo como uma possibilidade desconcertante, terrivelmente vulnerável, que tentou alcançar o impossível. Esse cristianismo fracassou, ou melhor, foi causado pelo fracasso do patriarcado religioso aliado ao patriarcado político.
Mas não podemos considerar seu fracasso definitivo. É verdade que perdurou por muitos séculos e foi contestado por um número considerável de líderes religiosos patriarcais e teólogos, mas isso não pode levar a uma espécie de fatalismo histórico que torne sua recuperação impossível. Muito pelo contrário. É necessário recuperá-lo, reinventá-lo, reformulá-lo e reavivá-lo em nosso momento histórico para contribuir com o combate à discriminação de gênero na intersecção de outras formas de discriminação que se reforçam e se apoiam mutuamente: etnia, classe, sexualidade, religião, origem geográfica etc., e para trabalhar pela emancipação e igualdade em todos os âmbitos.
Maria Madalena e Virginia Woolf, como pioneiras da igualdade, constituem o melhor incentivo e o guia mais seguro para empreender essa jornada pelas terras utópicas do movimento feminista e da teoria de gênero.
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