Maria Madalena: a apóstola dos apóstolos. Aquela que viu e anunciou o Senhor Ressuscitado

Instituto Humanitas Unisinos - IHU promove live em memória à festa de Maria Madalena, celebrada hoje, 22 de julho. O evento será transmitido ao vivo às 16h na página eletrônica do IHU

Aparecimento de Jesus Cristo a Maria Magdalena (1835), por Alexander Andreyevich Ivanov (Imagem: Wikimedia Commons)

Por: Patricia Fachin | 22 Julho 2025

Quem é Maria Madalena, cuja festa a Igreja celebra hoje, 22 de julho? De muitos modos a Igreja, teólogos e biblistas respondem a essa pergunta. As ênfases são variadas, mas um aspecto é compartilhado por todos: “a relevância desta mulher que demonstrou um grande amor a Cristo e que foi tão amada por Cristo”, disse Dom Arthur Roche, em 2016, ao explicar o contexto em que o Papa Francisco, durante o Jubileu da Misericórdia, tomou a decisão de elevar o dia da celebração da memória de Maria Madalena à festa solene na Igreja.  

Desde então, há nove anos, 22 de julho passou a ser o dia em que a Igreja reza e celebra a festa de Maria Madalena, intitulada “De apostola apostolorum”, a “apóstola dos apóstolos”. O título conferido à Maria, conforme explicou o Mosteiro de Bose à época, retoma “o título com o qual Tomás de Aquino, e antes dele algumas liturgias orientais, chamaram Maria Madalena”. O título procede do fato narrado nos evangelhos: Maria de Madalena foi a primeira testemunha da Ressurreição. Aquela que recebeu a missão de comunicar aos apóstolos a boa nova. Portanto, a apóstola dos apóstolos, como resume as primeiras estrofes do Hino que a Igreja canta nas Laudes da Festa de Santa Maria Madalena:

“Luminosa, a aurora desperta
e o triunfo de Cristo anuncia.
Tu, porém, amorosa, procuras
ver e ungir o seu Corpo, ó Maria.

Quando o buscas, correndo ansiosa,
vês o anjo envolvido em luz forte;
ele diz que o Senhor está vivo
e quebrou as cadeias da morte. 

Mas amor tão intenso prepara
para ti recompensa maior:
crês falar com algum jardineiro,
quando escutas a voz do Senhor”.

Ícone de Maria Madalena, por Mary Jane Miller 

Ao comentar a atitude de Maria Madalena, narrada no Evangelho de João, como a primeira a ir ao sepulcro “de manhã, enquanto ainda estava escuro” (João 20, 1), Joseba Kamiruaga Mieza, missionário e padre claretiano, refere-se à Maria de Magdala como uma “uma mulher forte, apaixonada, pouco convencional, que sai sozinha à noite. Uma mulher marcada pela busca do amor, como é o caso da mulher do Cântico dos Cânticos, e pela vontade de encontrar uma explicação”. Esta mulher, salienta, contrasta fortemente com o modo como as mulheres têm sido associadas: “a um papel de obediência casta, de silêncio obsequioso”. O papel de Maria Madalena nas escrituras, sublinha o missionário, “é muito diferente” e assemelha-se a de outras companheiras de caminhada, “ousadas porque o amor que procuram é ousado e o amor não conhece limitações ou obstáculos”.

Maria Madalena recebe o título de “apóstola dos apóstolos” não somente porque “é a primeira testemunha ocular qualificada a ver Jesus Ressuscitado”, mas porque ao ser a “primeira anunciadora”, cumpre a “ordem do Senhor”: “vai ter com os meus irmãos e diz-lhes que vou subir para meu Pai, para meu Deus e vosso Deus”, explicou o teólogo e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Fernando Altemeyer Jr., aludindo ao modo como a missão é narrada no Evangelho de João.  

A teóloga Solange Maria do Carmo, ao responder à pergunta sobre a identidade de Maria Madalena, acentua que a apóstola dos apóstolos é a primeira a cumprir o dito de João 10: “o pastor conhece as ovelhas pelo nome e as ovelhas distinguem a voz do pastor”. “Quando Ele a chama pelo nome Maria, ela imediatamente O reconhece. Rabi, ela diz. É ele, não é o outro, não é o Jardim, não tem mais confusão. Porque, como discípula perfeita, ela não podia mais confundir o Ressuscitado”.  

Para Tea Frigerio, teóloga missionária de Maria-Xaveriana, MMX, Maria Madalena é fundamentalmente uma mulher, mas uma mulher “que nos provoca e nos diz para olhar longe e se elevar”. Nesse sentido, Maria também pode ser compreendida como um “farol para a maioria das mulheres de hoje”. A figura de linguagem empregada por María Magdalena Bennásar, das Hermanas para a Comunidade Cristã, da Espanha, convida as mulheres, a exemplo da apóstola, a estarem “atentas aos sussurros e aos ventos da Ruah” e não medirem esforços para serem o farol que ilumina inúmeras situações de escuridão e dificuldades no mundo contemporâneo. “Olhando para ela neste dia, desejo que possamos, nós mulheres, com a nossa unicidade, sermos mulheres que se elevam, com o nosso corpo, com o nosso ser, com nossa honestidade, olharmos longe, enxergar o novo despontando”, compartilha.

Maria de Madalena nas páginas do IHU

Todos os anos, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU faz memória à Maria Madalena, publicando artigos que destacam as várias facetas desta discípula que integrava o círculo das mulheres que acompanhavam Jesus em seu ministério, seguindo-O e servindo-O na Galileia. São as mesmas que, como narra, historicamente, o Evangelho de Marcos, estiveram no Calvário, “olhando de longe” (Mc 15, 47), depois “observavam onde ele fora posto” (Mc 15, 40), “compraram aromas para ir ungi-lo” e “de madrugada, no primeiro dia da semana, elas foram ao túmulo ao nascer do sol” (Mc 16, 1). O Ressuscitado, contudo, “apareceu primeiro a Maria Madalena, de quem havia expulsado sete demônios. Ela foi anunciá-lo àqueles que tinham estado em companhia dele e que estavam aflitos e choravam. Eles, ouvindo que ele estava vivo e fora visto por ela, não creram” (Mc 16, 9-11).   

(Foto: Reprodução | Religión Digital) 

Numa das memórias que o IHU faz à Maria Madalena no dia de hoje, as teólogas Marcela Torres, da Rede Brasileira de Teólogas, e Maristela Tezza, cientista da religião e pesquisadora independente, vão abordar a figura desta mulher pelo aspecto que lhe é mais característico: a primeira testemunha da ressurreição, apóstola dos apóstolos. A live, coordenada pela teóloga Cleusa Andreatta, da equipe de Teologia Pública do IHU, será transmitida ao vivo nas redes sociais, no YouTube e na página eletrônica do IHU às 16h. O evento é gratuito e aberto ao público.  

Na página do IHU também estão publicadas três páginas especiais dedicadas à Maria de Magdala. Duas delas fazem parte do projeto Mulheres na Igreja. Vozes que desafiam, que reúne artigos, notícias, entrevistas e vídeos publicados pelo IHU, “para impulsionar o debate sobre a presença, o lugar e o protagonismo das mulheres na vida e missão da Igreja e no campo da teologia e espiritualidade”. A iniciativa “tem como objetivos recuperar e visibilizar figuras marcantes de mulheres no campo da mística e espiritualidade bem como da práxis cristã; contribuir no reconhecimento do seu lugar na vida da Igreja e no cristianismo; subsidiar a reflexão e o debate sobre o lugar e o protagonismo das mulheres na Igreja hoje”.

A página Vozes que desafiam. Maria Madalena, a primeira testemunha da Ressurreição, publicada em 2019, resgata as várias formas como Maria Madalena foi retratada ao longo da tradição cristã. Todas elas, apesar de díspares, lembrou o teólogo jesuíta José Ignacio González Faus na ocasião, tem a finalidade de “lembrar-nos que o amor de Deus é capaz de tirar do maior pecador uma santidade superior a de todos os bons, sempre tão ameaçados por essa tentação do farisaísmo”. A página, disponível aqui, reúne uma série de entrevistas e artigos publicados em 2016, após a instituição da festa de Maria Madalena pelo Papa Francisco

A página Vozes que desafiam. Celebração da Festa de Maria Madalena, publicada em 2021, enfatiza a liderança de Maria Madalena nas primeiras comunidades cristãs e recupera artigos e entrevistas que abordam a história da discípula de Cristo. Segundo Régis Burnet, doutor em Ciências Religiosas pela École Pratique des Hautes Études, em Paris, entrevistado pelo IHU, “a memória de Madalena nunca morreu, como demonstra a moda do uso do seu nome, que a lembra em todas as línguas: Madeleine, Magdeleine, Maddalena, Magdelen etc. Mesmo que nossa modernidade tenha a impressão de que ‘faltam mulheres’ no Novo Testamento, constatamos que Jesus dá a elas um lugar que não possuíam nos outros contextos religiosos (seja nos textos do paganismo, seja nos do judaísmo, por exemplo)”. O conteúdo da página especial pode ser acessado aqui. 

Em 2023, o IHU publicou a página especial Maria Madalena: a maior e a primeira entre os apóstolos. Os textos explicam as origens históricas das distorções sobre o papel das mulheres na Igreja. Na ocasião, o teólogo Marcello Farina, da Universidade de Trento, disse que “Madalena vem antes dos discípulos, e não depois. Infelizmente, porém, as mulheres foram expropriadas de um direito radical: isso dependeu da cultura greco-romana da época, que, em grande parte, foi acolhida pelos cristãos e envolvia o fato de as mulheres terem que ficar em casa”. A página está disponível aqui. 

O IHU também dedicou um número especial à Maria Madalena. A edição 489, intitulada Maria de Magdala. Apóstola dos Apóstolos, reúne 14 entrevistas sobre a apóstola dos apóstolos. 

No Ministério da palavra na voz das Mulheres, publicado semanalmente na página do IHU, Maria Madalena também foi contemplada. Nesta semana, Elisângela P. Machado, IFB, religiosa da Congregação das Irmãs Franciscanas Bernardinas, mestra em Filosofia e doutora em Teologia Sistemática, com ênfase em Espiritualidade e Mística, comenta a Festa de Maria Madalena e refere-se à apóstola como “a mulher que introduz em nossas vidas o dinamismo da Ressurreição”.

Hoje, o IHU também publica um podcast especial sobre a celebração da festa de Maria Madalena, Maria de Magdala: a celebração da Apóstola dos Apóstolos.

Vi o Senhor

No último ano, o IHU publicou uma série de novos artigos que tratam de Maria Madalena. Um deles apresenta a tese doutoral A tradição joânica de Maria Madalena (Jo 20,1-18). Das origens ao primeiro terço do século III, de autoria da bióloga e teóloga Carmen Picó, especialista em Sagrada Escritura pela Pontifícia Universidade de Comillas, na Espanha. A pesquisadora investiga os primeiros séculos do cristianismo e interpreta a história de Maria Madalena no interior da comunidade cristã, “onde crer significa relação pessoal e encontro”. Nessa comunidade, destaca a pesquisa, Maria “é escolhida como a primeira crente”. A teóloga a insere na comunidade que se reúne para celebrar as experiências com o Ressuscitado. “Nas palavras ‘Eu vi o Senhor’ (Jo 20,18a), que o autor do texto joânico põe na boca da Madalena, encontramos uma tradição que mostra a novidade da revelação, a novidade do acolhimento por uma mulher e a experiência de fé do discípulo que dá testemunho à comunidade”, contextualiza. 

Os movimentos de Maria Madalena no Jardim, narrados no Evangelho de João, são o ponto de destaque da observação de María Cristina Giani, religiosa da Congregação Missionárias de Cristo Ressuscitado, formada em Teologia pela Universidade La Salle (Unilasalle) e especialista em espiritualidade pela Università Pontifícia Salesiana (UPS), em Roma. De fato, num primeiro momento, ao ver que Jesus não estava no sepulcro, Maria Madalena corre informar aos discípulos o acontecido (Jo 20, 1-2). Depois, chora, inclina-se para o interior do sepulcro, procurando-o (Jo 20, 11), lamenta por não encontrá-lo (Jo 20, 13), até que, interpelada por Ele, O reconhece (Jo 20,15-16). Maria Madalena, diz a religiosa, “não é na mulher que fica quieta; é uma mulher que está em movimento de busca” e quando ela sai, acrescenta María Cristina, manifesta-se que “alguma coisa a movimenta por dentro”. Ela é, sintetiza, "a apóstola da esperança".

Maria Madalena no túmulo (Pintura de Philip Richard Morris (1836-1902))

O que move Maria Madalena a ir ao sepulcro naquela madrugada? A pergunta que María Cristina Giani propõe responder é uma das tantas questões que, por outro lado, os pintores não puderam responder, disse o historiador de arte Tomaso Montanari, professor da Universidade Federico II, de Nápoles. Impossibilitados de expressar sua arte com palavras, contudo, aos pintores coube a tarefa de retratar as cenas narradas à exaustão desde o acontecimento, mas sempre passíveis de novas interpretações e questionamentos.  

Para Montanari, o ponto mais inusitado das narrativas envolvendo Maria Madalena é quando a discípula “ouve aquele ‘estrangeiro’ a chamando pelo nome”. Que expressão facial conseguiria exprimir o que aconteceu naquele momento “culminante”? Seria possível expressar, numa imagem, “a expressão inefável de Madalena”? O que lhe aconteceu no breve intervalo de tempo em que ouviu o Mestre e O reconheceu? Estupor, ou seja, um mix de imobilidade e assombro diante do inesperado? Felicidade, um estado de satisfação plena por reencontrar o Mestre? Espanto, isto é, uma mistura de medo e assombro por reconhecer que Aquele que estava morto está vivo? 

Todas essas sensações, segundo Montanari, são expressas na pintura de Girolamo Savoldo (1480-1548), que buscou manifestar, 15 séculos depois, no Renascimento italiano, qual teria sido a expressão de Maria Madalena diante do Ressuscitado. “A expressão inefável de Madalena (estupor? Felicidade? Espanto?) está como que iluminada, sublinhada, celebrada pela extraordinária brancura do manto em que está envolvida: um branco que nenhum lavandeiro desta terra poderia igualar”, comenta o historiador.

“Maria Madalena”, de Giovanni Girolamo Savoldo, 1535-1540 circa, óleo sobre tela, National Gallery, Londres (Foto: Wikimedia)

Mas há outro ponto, “precioso e comovente”, que chama atenção de Montanari nesta pintura: “o reflexo de luz em seu manto é provocado pela luz do Ressuscitado, e é um acidente natural, transeunte, até banal que consegue nos restituir a verdade concreta, de alguma forma cotidiana, daquele instante inesquecível. Uma ideia resolutiva”, diz. 

Seja lá qual tenha sido a experiência de Maria Madalena com o Ressuscitado, o fato é que encontrando-se com ele, ressuscita-se também, como observa María Cristina Giani. “Jesus a convida a correr, a sair pelos caminhos, a comunicar aos apóstolos, a comunicar a todos esta esperança que não morre. O Ressuscitado convida Madalena a ir por todos os cantos do mundo comunicar esta Esperança”, afirma. O convite, menciona a religiosa, continua sendo feito a todos nós nos dias de hoje. “Necessitamos nos converter e sair de uma civilização consumista e predatória para poder construir uma civilização que cuide da vida, que cheire à vida, que possa construir uma fraternidade com toda a criação. E isso é o que Madalena anuncia: esta nova criação que realiza, esta nova esperança para a qual somos convidados/as, também nós, a estarmos grávidas/os dela para podermos viver e testemunhar a grandiosidade e a beleza da vida”. 

Para o missionário Mieza, “Maria não pode guardar para si a revelação recebida”. Para participar dela, torna-se apóstola e ajuda “os outros a libertarem-se do medo e da desilusão” porque “a experiência pascal não é a luz ofuscante que resolve as nossas incertezas, mas sim um clarão luminoso que nos permite vislumbrar o abismo do amor de Deus”. 

 

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