30 Julho 2021
“As mulheres cristãs estão te reconhecendo como nossa patrona, a inspiradora e apoiadora de nossas lutas, aquela que segura a tocha da verdade do sonho de Jesus: fazer da sociedade uma comunidade de iguais e, para isso começar, devemos torná-la possível em um pequeno grupo, para ter credibilidade”, escreve Emma Martínez Ocaña, teóloga e historiadora espanhola, em carta à Maria Madalena, publicada por Religión Digital, 28-07-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Querida Maria Madalena,
que alegria poder celebrar mais um ano tua festa em um momento de forte despertar no mundo inteiro do movimento de mulheres na sociedade e nas Igrejas reivindicando igualdade de direitos!
Tu segues sendo referência para aqueles, que como tu, fazem parte do movimento de Jesus e reclamamos que este volte a ser uma comunidade de iguais. Também nos alegramos de que graças a tantas teólogas e biblistas femininas possamos hoje reconhecer tua verdadeira identidade e que sofre por tanta documentação e tradições perdidas que poderiam ter nos contribuído com mais luz sobre tua pessoa e teu papel central na vida de Jesus e na primeira comunidade!
A história patriarcal de nosso cristianismo tem uma profunda dívida contigo. As autoridades religiosas e teológicas deveriam te pedir perdão publicamente pela injustiça que cometeram contigo.
Primeiro, se tentou silenciar teu protagonismo na vida de Jesus e no da primeira comunidade; depois se quis roubar teu título de primeira testemunha da Ressurreição, para atribuí-lo a Pedro, tal como fez o Evangelho de Lucas (24, 34) e Paulo que nem sequer te nomeia entre as testemunhas da Ressurreição (1Cor 15, 5-8).
Uma opção ideológica e política que servia para reivindicar o direito exclusivo dos homens de governar e obter “ordens sagradas” e, assim, defender o patriarcado socialmente dominante, mesmo que isso fosse trair a opção de Jesus por uma comunidade de iguais.
Apenas tradições marginais como a dos gnósticos e dos maniqueus que te outorgaram a importância que mereces e te escolheram como representante de suas doutrinas.
Com a exclusão do Cânone de todos os Evangelhos não reconhecidos pela Igreja oficial e a queima dos “escritos heréticos” dos maniqueus e gnósticos, tentou-se liquidar tua figura e tua proeminência.
Como diz Susan Haskins: “Com o desaparecimento desses escritos ‘heréticos’, Maria Madalena, heroína dos gnósticos, discípula principal, ‘companheira do Salvador’, ‘esposa’, ‘consorte’ e ‘par’ seu, desapareceu por sua vez para ressurgir brevemente entre os Ortodoxos como uma testemunha da Ressurreição e ‘apóstola dos apóstolos’, embora acima de tudo, e de maior importância para a história do Cristianismo e das mulheres, como uma prostituta arrependida”.
Porque é verdade que para completar e justificar o roubo da sua autoridade, como era impossível apagar a sua presença dos quatro Evangelhos, você se tornou “a pecadora”, “a adúltera”, a “mulher chorosa arrependida” (ainda se preserva o ditado “chorar como uma Madalena”); a representante do “pecado da carne” paradoxalmente tão feminino! O que é um paradoxo, não? E tudo isso (como não seria?) é ratificado com autoridade papal.
O Papa Gregório Magno (540-604) resolveu a discussão sobre sua identidade e proclama que “Maria Madalena, Maria de Betânia e a pecadora de Lucas eram a mesma pessoa”.
Mas, felizmente, o reconhecimento de sua missão como Apóstola dos Apóstolos está não só nos textos analisados, mas também difundidos em gravuras dos séculos XI e XII, bem como nos vitrais do século XIII das catedrais de Chartres, Auxerre e Semur na Borgonha.
Mas hoje as pesquisas feministas, de tantas teólogas e teólogos que buscam a verdade, mais uma vez recuperaram o esplendor de sua imagem. Porém, suas conclusões ainda são pouco populares, ainda és uma desconhecida entre a maioria das pessoas de nossa comunidade cristã.
Ainda hoje, muitos continuam a identificá-la com a mulher “que muito amou” assim como Jesus te chamou, mas para o grande público ela continua a ser a “adúltera” (Lc 7, 36-50). Eva, a pecadora do Antigo Testamento, já tinha um substituto no Novo, portanto nossa condição feminina ficou marcada: somos as “tentadoras” (quando o tentador reconhecido por Jesus era Pedro) e as “pecadoras”.
As mulheres cristãs estão te reconhecendo como nossa patrona, a inspiradora e apoiadora de nossas lutas, aquela que segura a tocha da verdade do sonho de Jesus: fazer da sociedade uma comunidade de iguais e, para isso começar, devemos torná-la possível em um pequeno grupo, para ter credibilidade.
Ajuda-nos a ser verdadeiras seguidoras de Jesus, a gritar com a vida que vale a pena continuar a proclamar e a tornar realidade a Boa Nova que ele nos confiou. Ajuda-nos também para que não nos falte força nem humor, pois precisamos de uma boa dose de amor com humor para seguir esse caminho que tu e muitas outras mulheres do seu tempo e de todos os tempos nos abriram. Você conhece as dificuldades, rejeições, calúnias e desprezos.
Em ti nos inspiramos, te reconhecemos como nossa patrona, companheira de caminhada, encorajando a nossa vocação apostólica, te celebramos com alegria e coragem. Obrigado. Escrevo-te em nome das muitas discípulas de Jesus, pois queremos continuar a tornar uma comunidade possível e credível onde não haja discriminação por qualquer motivo (sexo, raça, classe, orientação e/ou identidade sexual).
Despeço-me por hoje, eu uma das muitas discípulas na caminhada.
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“A história patriarcal de nosso cristianismo tem uma profunda dívida contigo”. Carta aberta à Maria Madalena - Instituto Humanitas Unisinos - IHU