08 Julho 2025
As ameaças de Trump refletem não apenas a estratégia da política externa dos EUA, mas também o impacto das iniciativas BRICS em âmbito internacional.
A opinião é de Tiago Nogara, professor da Universidade de Nankai, em artigo publicado por A Terra é Redonda, 07-07-2025.
Poucas horas após os representantes dos países dos BRICS, reunidos no Rio de Janeiro, emitirem nova declaração conjunta – criticando medidas de protecionismo comercial e exortando soluções multilaterais e pacíficas para os grandes dilemas globais –, o presidente estadunidense Donald Trump reagiu em sua rede social Truth Social, ameaçando impor tarifas adicionais de 10% sobre produtos dos países que “se alinhem com as políticas antiamericanas do BRICS”.
Segundo Donald Trump, “não haverá exceções a essa política”, numa clara demonstração de animosidade frente ao fortalecimento das iniciativas vinculadas ao BRICS.
Tais ameaças dizem muito não apenas sobre a estratégia da política externa dos Estados Unidos sob Donald Trump, mas também sobre o impacto que as iniciativas dos BRICS têm alcançado em âmbito internacional. Nos últimos meses, não foram poucos os analistas que insistiram na narrativa de que o BRICS teria perdido momentum e impulso. Dentre os argumentos mais comuns e repetidos está o de que a recente expansão do número de membros teria aumentado sua amplitude, mas esvaziado sua capacidade de gerar consensos.
Da mesma forma, muitos alegam que o aumento das tensões no mundo e a postura mais agressiva da diplomacia americana teriam levado países em desenvolvimento a recear apoiar blocos multilaterais não submissos aos interesses ianques.
Às vésperas da Cúpula do BRICS no Rio de Janeiro, os grandes meios de comunicação ocidentais inundaram suas manchetes alardeando a ausência dos presidentes Xi Jinping e Vladimir Putin no encontro, apontando-a como sintoma inequívoco de um suposto esvaziamento do bloco. No Brasil, país-sede da cúpula, a grande mídia corporativa abusou cotidianamente desses argumentos para insuflar a contínua onda de propaganda contra o governo Lula, já num ensaio preparatório para as eleições presidenciais de 2026.
Segundo alguns, a Cúpula teria tudo para ser um fracasso, com comunicados vazios que mais refletiriam as desavenças do que possíveis consensos entre os países-membros.
Entretanto, o que se viu no Rio de Janeiro foi algo bem diferente daquilo que pretendiam os profetas do caos. Ao longo desse que foi o 17º encontro dos líderes de alto nível do bloco, os países dos BRICS assumiram mais de 120 compromissos conjuntos, abrangendo governança global, finanças, saúde, inteligência artificial, mudanças climáticas e outros temas estratégicos.
Para além da relevância dos avanços nessas diversas áreas, o conteúdo político da declaração conjunta demonstrou a imensa capacidade de articulação e convergência do bloco, expressando a apreensão dos países-membros diante dos conflitos em curso em diferentes partes do mundo.
A declaração expressou a preocupação coletiva com a tendência crescente de aumento dos gastos militares globais, em detrimento do financiamento adequado para o progresso dos países em desenvolvimento.
Na contramão dos apelos militaristas que ecoam em diversas esferas de poder, os BRICS reafirmaram a defesa do multilateralismo, do desenvolvimento sustentável, da erradicação da fome e da pobreza, e do enfrentamento das mudanças climáticas como os verdadeiros meios para solucionar os grandes problemas globais.
Seguindo essa leitura, aprovaram-se também documentos cruciais, como a Declaração-Marco dos Líderes do BRICS sobre Finanças Climáticas; a Declaração dos Líderes do BRICS sobre Governança Global da Inteligência Artificial; e a Parceria do BRICS para a Eliminação de Doenças Socialmente Determinadas.
O mundo atravessa um momento de enorme turbulência. Conflitos militares como os do Leste Europeu e do Oriente Médio acirram os ânimos; as recorrentes crises econômicas preparam o terreno para descontentamentos sociais; e discursos agressivos de falsos profetas insuflam países inteiros rumo ao equivocado caminho da guerra e da confrontação.
Há quase duas décadas, os BRICS – inicialmente BRIC – surgiram num contexto de incerteza, no pós-crise financeira global de 2008, servindo como importante plataforma para articular as demandas dos países em desenvolvimento frente aos grandes desafios da ordem global. Dando voz ao Sul Global, tornaram-se indispensáveis tanto para o fortalecimento do G20 quanto para o adensamento do diálogo Norte-Sul em prol de soluções conjuntas para os dilemas da época.
Hoje, diante do acirramento de fraturas no tecido social e nas estruturas multilaterais globais, o BRICS se afirma não apenas como uma plataforma ampliada de cooperação entre países em desenvolvimento, mas também como uma das principais vanguardas da defesa do multilateralismo em escala internacional.
O conteúdo político das declarações emitidas pelos países-membros do BRICS é claro: propõem saídas coletivas e pacíficas para os dilemas globais, com foco em temáticas econômicas e sociais, em oposição a interesses belicistas e geopolíticos.
Não por acaso, consegue reunir à mesma mesa países com governantes de perspectivas políticas e ideológicas distintas, mas imbuídos de preocupações semelhantes quanto ao desenvolvimento de seus países e à cooperação entre seus povos.
Ao não direcionar suas iniciativas contra qualquer bloco ou país específico, o BRICS rompe com a narrativa dicotômica que visa ressuscitar o paradigma bipolar da Guerra Fria e sustenta sua plena complementaridade com os demais mecanismos multilaterais globais. Portanto, o BRICS não se afirma como um contraponto à ONU, ao FMI ou ao Banco Mundial, mas sim como uma plataforma por meio da qual os países em desenvolvimento cooperam entre si e buscam posições conjuntas em prol do fortalecimento do sistema multilateral global.
Ao atacar o BRICS, seus países-membros e outros países simpáticos às suas iniciativas, Donald Trump os acusa de formar um bloco “antiamericano” – e não o faz por acaso. Afinal, é com base nessa mesma narrativa que os Estados Unidos e seus estrategistas têm buscado minar diversos esforços pacíficos de cooperação multilateral. No caso específico das iniciativas promovidas pela China, são recorrentes e infundadas as acusações de “uso dual” (civil e militar) das obras de infraestrutura vinculadas à Iniciativa Cinturão e Rota.
Segundo essa versão, os investimentos chineses representariam ameaça à soberania de terceiros países e um risco à segurança dos Estados Unidos. Nessa mesma linha, proliferam mitos como o da “armadilha da dívida” chinesa e da suposta espionagem e interferência política promovidas por empresas chinesas, perpassando desde as redes 5G da Huawei à disseminação do TikTok.
A novidade (nem tão nova assim) é que, desta vez, o ataque se dirige não apenas à China – há muito já eleita como principal “contendora” dos EUA – ou aos países que os estrategistas americanos classificam como “eixo do mal”, mas sim a um grupo muito mais amplo de países em desenvolvimento.
Muitos desses sequer apresentam contradições com as estruturas democrático-liberais defendidas pelos EUA, tampouco demonstram rupturas ideológicas com o paradigma do capitalismo ocidental. Apenas exercem seu direito de se associar livremente a iniciativas multilaterais de cooperação com outros países que enfrentam dilemas semelhantes, por compartilharem características comuns enquanto integrantes do chamado “Sul Global”.
Ao ameaçar retaliá-los com uma nova onda de taxações unilaterais, os Estados Unidos sentenciam de morte não o crescimento dos BRICS – como aparentam desejar –, mas sua própria capacidade de influir decisivamente nos debates sobre a necessária reformulação e o fortalecimento das instâncias multilaterais. E, ao contrário do que imaginam, isso acontecerá com ou sem a participação americana.
Após sua expansão, os BRICS passaram a representar, somando seus membros, mais da metade da população mundial e mais de 40% do PIB global em paridade de poder de compra. E as bandeiras da defesa do multilateralismo, da promoção do desenvolvimento econômico com justiça social e do rechaço ao militarismo não se restringem aos interesses dos BRICS ou do Sul Global: refletem a vontade expressa de imensas parcelas da população e de governantes das mais distintas regiões do planeta.
Portanto, se enganam aqueles que viram na expansão dos BRICS uma suposta perda de densidade e coesão no grupo: ela representou a necessária adaptação das estruturas do bloco à atualidade dos desafios enfrentados pelo mundo, exigindo a composição de frentes amplas e heterogêneas que busquem soluções pacíficas para os dilemas internacionais contemporâneos.
As políticas de intimidação, unilateralismo e belicismo promovidas por Trump pouco contribuem para resolver as complexas questões abordadas nos mais de 100 compromissos firmados pelos BRICS no Rio de Janeiro. Tampouco fortalecem o objetivo americano de consolidar uma ordem internacional unipolar sob sua tutela.
Ao contrário: a radicalização dos ataques às decisões de Estados nacionais soberanos, até mesmo quando seus aliados, apenas tende a ampliar o isolamento político dos Estados Unidos, com perda de influência e capacidade decisória.
Na contramão do que diziam os analistas subservientes ao império, os BRICS seguem fortes e em crescimento, e as sólidas palavras da Declaração do Rio de Janeiro solidificam não apenas a convergência do Sul Global em prol de uma ordem multipolar, mas também a composição de uma ampla vanguarda em defesa do multilateralismo, da paz e da cooperação mundiais.