13 Mai 2025
Em seu primeiro discurso, o Papa Leão XIV se apresentou ao mundo, entre outras coisas, como um agostiniano, “um filho de Santo Agostinho, que disse: ‘Convosco sou cristão e para vós, bispo’”. E observou: “Neste sentido, podemos todos caminhar juntos rumo àquela pátria que Deus nos preparou”, destacando o forte espírito comunitário que distingue esta antiga ordem religiosa da Igreja, que segue os ensinamentos e as abordagens de Santo Agostinho, um dos filósofos mais renomados do cristianismo, que viveu no Norte da África e na Itália entre os séculos IV e V. Robert Francis Prevost, frade e sacerdote com mais de duas décadas de experiência como missionário no Peru, tornou-se, desde quinta-feira passada, o primeiro pontífice da história oriundo da ordem agostiniana.
A reportagem é de Lorena Pacho, publicada por El País, 12-05-2025.
Seus primeiros gestos como pontífice, relacionados à doutrina agostiniana, oferecem pistas claras sobre sua espiritualidade e sugerem que o caráter agostiniano define seu modo de agir e pensar e marcará seu futuro.
Em sua primeira viagem fora do Vaticano como Papa, na tarde de sábado ele visitou o santuário agostiniano de Nossa Senhora do Bom Conselho, na cidade de Genazzano, perto de Roma. Seu brasão e lema papal também giram em torno da figura de Santo Agostinho. O lema do seu pontificado é retirado de um sermão deste santo: “In Illo uno unum”, que significa algo como “Neste Um, sejamos um”, para explicar, nas palavras do filósofo e santo, que “embora nós, cristãos, sejamos muitos, no único Cristo somos um”. Um slogan que aprofunda a ideia de unidade e também a noção de igualdade típica dos agostinianos.
Por exemplo, o lema escolhido por Francisco foi “Miserando atque eligendo”, relacionado à misericórdia, que foi um dos pilares do seu pontificado.
Comunhão e unidade são primordiais para os agostinianos, como explica o irmão Antonio Giuseppe Masi, ecônomo provincial dos agostinianos da Itália. E este Papa já indicou em seus primeiros encontros com os cardeais que trabalhará para superar as divisões e alcançar uma Igreja unida. "Acredito que a espiritualidade de Santo Agostinho, fundada na união e na comunhão, estará muito presente em seu pontificado", observa Masi. E ele explica que esse ideal agostiniano é inspirado “na experiência da primeira comunidade cristã de Jerusalém”.
Em seu primeiro discurso, Leão XIV também mencionou que queria uma Igreja sinodal, um conceito promovido pelo Papa Francisco, que define a Igreja como uma comunidade em peregrinação conjunta em direção ao Reino de Deus. A sinodalidade busca abrir a instituição a todos os batizados, tornando-a mais horizontal e universal, mas essa proposta é controversa para o setor mais conservador.
Essa abordagem, baseada no diálogo e na escuta, também faz parte do DNA agostiniano. “Os conceitos de sinodalidade e corresponsabilidade estão incorporados em nossa ordem. Há priores em nível geral, provincial e local, mas a autoridade que marca o caminho a seguir é o Capítulo, ou seja, um grupo de irmãos, não apenas o líder. Ele toma decisões com os irmãos. O que fazer, como fazer e onde fazer é algo estabelecido em comunhão; não se decide sozinho”, enfatiza Masi.
O tesoureiro da ordem na Itália revela que os agostinianos "se dedicam ao estudo das coisas de Deus em geral e da sociedade, com atenção ao mundo em que vivemos". Ele também relata que a maioria dos agostinianos do mundo teve a oportunidade de conhecer pessoalmente Prevost durante seu longo mandato como prior geral da ordem. “Nos meus anos de agostiniano, compartilhei com ele diversas vezes momentos fraternos”, observa, explicando que o agora Papa sempre tratou seus irmãos com “tratamento atencioso, carinhoso e próximo”, sempre sorrindo para eles. Ele destaca sua “simplicidade” e o descreve como “um pai, não uma autoridade”.
Prevost estudou em institutos agostinianos e passou anos como missionário no Peru, onde também trabalhou como professor. Ele também foi Prior Geral da Ordem de Santo Agostinho de 2001 a 2013, o que o levou a viajar pelo mundo visitando essas comunidades. Por isso, já passou diversas vezes por Ávila, Leão, Palência, Málaga e Sevilha.
O brasão papal de Leão XIV também é carregado de simbolismo agostiniano. Enquanto a parte superior é dedicada à devoção mariana, a parte inferior mostra um livro fechado apoiado sobre um coração trespassado por uma flecha. Uma imagem que lembra a experiência de conversão de Santo Agostinho.
A Ordem de Santo Agostinho, com oito séculos de história, fundada em 1243 quando o Papa Inocêncio IV convidou diversas comunidades de eremitas da região do Lácio para se unirem em uma única congregação, conta atualmente com quase 3 mil membros espalhados por 50 países. E se dedica sobretudo à atividade missionária e evangelizadora, educativa e hospitalar. Além disso, é uma ordem mendicante, como os dominicanos ou os franciscanos, o que significa que seus membros não têm renda estável nem propriedades próprias, mas vivem da caridade e fazem votos de pobreza, castidade e obediência.
Eles sempre vivem em comunidade e frequentemente se dedicam a pregar o Evangelho e a trabalhar entre os pobres e marginalizados. Eles seguem o que é conhecido como Regra de Santo Agostinho, uma das regras cristãs mais antigas do Ocidente, que prescrevia uma vida mais austera e solitária do que a Regra Beneditina, mais difundida na Alta Idade Média. Os agostinianos nasceram como eremitas, embora atualmente não sejam considerados como tal, e suas regras se baseiam na vida comunitária na harmonia, na caridade, na pobreza, na oração, na ascese e na igualdade de todos perante o Evangelho, o que se reflete em seu lema: “Uma só alma e um só coração no caminho para Deus” (Anima una et cor unum in Deum). As regras pelas quais eles são governados estabelecem que os membros desta ordem não podem considerar nada como seu, mas devem ter tudo em comum.
Entre alguns dos ilustres membros dos agostinianos, que produziram estudiosos brilhantes ao longo dos anos, está Martinho Lutero, que foi abade e teólogo antes de iniciar a Reforma Protestante que dividiu a Igreja Ocidental em duas em 1517. Outro agostiniano famoso foi o abade Gregor Mendel, considerado o pai da genética moderna.
Os agostinianos conheceram sua maior expansão a partir do século XVI, no auge do florescimento do Humanismo, quando abriram inúmeras missões na América, Ásia e África. A fundação da primeira comunidade em Lima (Peru), onde Leão XIV trabalhou por muito tempo, remonta a 1551. A partir da segunda metade do século XIX, a Ordem conheceu um período de renascimento, com o apoio do Papa Leão XIII, de quem Prevost se inspirou para escolher seu nome, por sua defesa da justiça, da dignidade e do trabalho.